O que é o lucro? E por que ele é tão importante para todos, não só para empreendedores e comerciantes?
Comecemos pelo básico: quando você gasta $ 300 em um par de sapatos, o proprietário da loja fica com esses $ 300 integralmente para ele?
A resposta óbvia é não.
Esse comerciante tem de pagar por todos os custos do seu empreendimento: os salários e os encargos sociais e trabalhistas de seus empregados, o aluguel da loja, seus fornecedores, seus estoques, o frete da transportadora que traz seus produtos, que todos os impostos, a faxineira, a conta de luz, a conta de telefone, aluguel das máquinas de cartão de crédito e de débito etc. Aquilo que sobrar depois de tudo isso é o seu lucro.
O lucro seria a remuneração pelo tempo e pelo dinheiro que ele gastou, bem como o risco em que incorreu, para manter seu empreendimento funcionando.
Desnecessário enfatizar que, se ele não tivesse lucros, não haveria como ele reinvestir na empresa: não haveria como ele expandir seus negócios, contratar mais pessoas, ofertar mais bens no mercado, ou mesmo conceder aumentos salariais aos seus funcionários. Não houvesse lucros, nenhum novo emprego assalariado seria criado.
Como surge o lucro
A definição dada acima sobre o lucro foi intencionalmente simplista. Em termos puramente econômicos, a definição de lucro é mais sofisticada. Economistas veem o lucro de uma maneira mais profunda.
O que possibilita o surgimento do lucro é a ação empreendedorial em um ambiente de incerteza. Um empreendedor, por natureza, tem de estar sempre estimando quais serão os preços futuros dos bens e serviços por ele produzidos. Ao estimar os preços futuros, ele irá analisar os preços atuais dos fatores de produção necessários para produzir estes bens e serviços futuros. Caso ele avalie que os preços dos fatores de produção estão baixos em relação aos possíveis preços futuros de seus bens e serviços produzidos, ele irá adquirir estes fatores de produção. Caso sua estimação se revele correta, ele auferirá lucros.
Portanto, o que permite o surgimento do lucro é o fato de que aquele empreendedor que estima quais serão os preços futuros de alguns bens e serviços de maneira mais acurada que seus concorrentes irá comprar fatores de produção a preços que, do ponto de vista do estado futuro do mercado, estão hoje muito baixos.
Consequentemente, os custos totais de produção — incluindo os juros pagos sobre o capital investido — serão menores que a receita total que o empreendedor irá receber pelo seu produto final. Esta diferença é o lucro empreendedorial.
Por outro lado, o empreendedor que estimar erroneamente os preços futuros dos bens e serviços irá comprar fatores de produção a preços que, do ponto de vista do estado futuro do mercado, estão hoje muito altos. Seu custo total de produção excederá a receita total que ele irá receber pelo seu produto final. Esta diferença é o prejuízo empreendedorial.
Assim, lucros e prejuízos são gerados pelo sucesso ou pelo fracasso de se ajustar as atividades produtivas de acordo com as mais urgentes demandas dos consumidores.
Lucros e prejuízos são fenômenos que só existem constantemente porque a economia está sempre em contínua mudança, o que faz com que recorrentemente surjam novas discrepâncias entre os preços dos fatores de produção e os preços dos bens e produtos por eles produzidos, e consequentemente haja a necessidade de novos ajustes.
Ao contrário do que pensava Marx, o capital não "gera lucro". O capital empregado, por si só, não garante lucro nenhum. Bens de capital são objetos sem vida que, por si sós, não realizam nada. Se eles forem utilizados de acordo com uma boa ideia, haverá lucros. Se eles forem utilizados de acordo com uma ideia equivocada, haverá prejuízos ou, na melhor das hipóteses, não haverá lucros.
É a decisão empreendedorial o que cria tanto lucros quanto prejuízos. É dos atos mentais, da mente do empreendedor, que os lucros se originam, essencialmente. O lucro é um produto da mente, do sucesso de se saber antecipar o estado futuro do mercado. É um fenômeno espiritual e intelectual.
Um empreendimento sem lucros é socialmente destrutivo
Imagine que você adquiriu um material que, em seu estado bruto e inalterado, vale $100. Ato contínuo, você altera essa matéria-prima, adiciona sua criatividade e sua mão-de-obra, e gera um produto final que as pessoas irão voluntariamente querer adquirir por $150. Você gerou valor para a sociedade. Você acrescentou valor para a sociedade e auferiu um lucro por causa disso.
Agora, imagine que você adquire esse mesmo material, que em seu estado bruto e inalterado vale $100, altera-o à sua maneira e gera um produto final valorado em apenas $50 pelas pessoas. Você não apenas não auferiu lucro nenhum, como na realidade subtraiu riqueza da sociedade. A sociedade ficou mais pobre por sua causa. Como isso pode ser considerado algo virtuoso?
É exatamente por isso que empresas que geram prejuízos são deletérias para uma sociedade. Elas consomem recursos e não entregam valor. Elas, na prática, subtraem valor da sociedade. Uma empresa que opera com prejuízo é uma máquina de destruição de riqueza.
Adicionalmente, condenar qualquer lucro como sendo 'excessivo' pode levar a situações tão absurdas quanto aplaudir uma empresa que, outrora muito lucrativa, passou a desperdiçar capital e a produzir ineficientemente a custos mais altos. Esta redução na eficiência e, consequentemente, nos lucros logrou apenas fazer com que os cidadãos fossem privados de todas as vantagens que poderiam usufruir caso os bens de capital desperdiçados por esta empresa fossem disponibilizados para a produção de outros produtos.
Os lucros são uma bênção
Os lucros são uma bênção para a humanidade. Os lucros motivam as pessoas a trabalharem mais, a serem mais criativas, a mais bem servirem seus clientes, e a realmente se preocuparem com o bem-estar destes.
Sem o incentivo dos lucros, por que alguém iria querer se arriscar, gastar sua poupança ou se endividar, trabalhar arduamente horas a fio, e enfrentar todas as incertezas do mercado apenas para fornecer um bem ou serviço às pessoas? Ninguém faria isso.
Pense em um pecuarista interiorano que enfrenta condições inclementes de temperatura para alimentar seu gado, mantê-lo protegido e bem cuidado, fazendo enormes sacrifícios pessoais apenas para que as pessoas da cidade grande possam se sentar confortavelmente em um restaurante e comer uma suculenta picanha.
Por que o pecuarista se presta a isso? Será que é porque ele ama aqueles metropolitanos que ele nunca viu na vida? Óbvio que não. O pecuarista faz todo esse esforço porque ele quer ter mais recursos para si próprio e para sua família. Ele quer aumentar seu padrão de vida. Ele, em suma, quer lucros.
Igualmente, você pode ir a um supermercado a qualquer dia da semana à procura de carne e você encontrará. Se você quer batatas, também encontrará. Ovos, açúcar, sal, morangos, laranjas, bananas, pasta de amendoim — tudo estará nas prateleiras. Esse é um conforto que todos nós já consideramos como corriqueiro, uma comodidade que consideramos um fato consumado e garantido. E, ainda assim, deveríamos nos maravilhar com isso.
Cada um desses itens está nas prateleiras graças a uma coisa: a busca pelo lucro.
O mesmo é válido para o aparelho em que você está lendo este artigo — seja um computador, um notebook, um smartphone ou um tablet. E o mesmo também é válido para todos os componentes que formam esses aparelhos.
Com efeito, apenas olhe ao seu redor, neste local em que você está agora. Se você está dentro de um imóvel, observe o mobiliário à sua volta, o próprio edifício em que você está, o computador (ou o tablet ou o smartphone) que você está utilizando, a internet que está lhe permitindo acesso ao mundo, as roupas que você está utilizando. Você realmente acredita que todos esses itens surgiram e estão à sua disposição porque alguém queria perder dinheiro (ou aceitou trabalhar em troca de nada) apenas para tornar a sua vida mais confortável? Perdoe-me a sinceridade, mas você não é tão importante assim para o resto do mundo.
Tudo isso só existe e está à sua disposição porque alguém imaginou que poderia lucrar ao inventar todas essas coisas. As pessoas que produziram essas coisas não acordaram cedo, trabalharam diuturnamente e se sacrificaram apenas por algum impulso caritativo. Elas fizeram isso porque queriam melhorar a vida delas próprias. E, para melhorar a vida delas próprias, elas buscaram o lucro. E, ao buscarem o lucro, elas melhoraram a sua vida e a vida da sua família.
Acabe com o lucro e tudo deixará de ser produzido.
Quando o lucro realmente pode ser condenado
Quando uma determinada empresa surge no mercado com um produto novo ou altamente aprimorado, satisfazendo desejos e demandas dos consumidores, os lucros que ela passa a auferir com esse produto podem, à primeira vista, parecer enormes. Só que, quanto maiores forem esses lucros, mais eles atrairão novos concorrentes, os quais aumentarão a oferta desse produto. Ato contínuo, a maior oferta fará com que os altos lucros da empresa se evaporem.
Olhando em retrospecto, torna-se evidente que os altos lucros funcionaram como um sinal enviado aos outros produtores: "Ei, olhem para cá! As pessoas realmente querem esse produto; querem mais desse produto!".
E é exatamente para evitar o surgimento dessa concorrência — a qual reduz os lucros — que várias empresas já estabelecidas recorrem ao governo para que este restrinja o mercado e impeça o surgimento de novos concorrentes por meio de burocracias e regulamentações onerosas.
É daí que surge o
capitalismo de estado ou o capitalismo de compadrio, em que o governo fornece subsídios e privilégios especiais para as empresas já existentes ao mesmo tempo em que impõem regulamentações e burocracias que inviabilizam o surgimento de concorrentes.
Ter o governo ao seu lado — por meio de regulamentações especiais, protecionismo, subsídios — significa que uma empresa pode ser muito menos dedicada aos desejos dos consumidores. O governo poderá mantê-la operante mesmo que isso vá contra a vontade dos consumidores.
Os lucros auferidos desta maneira podem, e devem, ser condenados.
Curiosamente, este arranjo protecionista e intervencionista — que garante altos lucros para as empresas protegidas — é exatamente aquele defendido pela esquerda, que ao mesmo tempo condena os lucros. Não dá para entender.
Conclusão
A hostilidade direcionada ao lucro, seja ela motivada ou pela inveja ou pela ignorância ou pela demagogia, é irracional. Ela só é aceitável quando uma determinada empresa aufere seus lucros em decorrência de suas conexões políticas com o governo — que garante a ela subsídios, ou que a protege da concorrência externa via tarifas protecionistas, ou que impede o surgimento de concorrentes via agências reguladoras.
Fora isso, em um mercado livre, lucros representam muito mais do que a saúde financeira de uma empresa: eles indicam que a empresa está utilizando recursos escassos de maneira sensata e está satisfazendo os desejos dos consumidores; indicam que a empresa está genuinamente criando valor para a sociedade e está aprimorando a qualidade de vida e o progresso.
Lucro é aquilo que todos nós buscamos quando, ao tentar melhorar nosso bem-estar, acabamos por melhorar o bem-estar de terceiros por meio de transações comerciais pacíficas e voluntárias.
Lucro não é evidência de comportamento suspeito. Comportamento suspeito, isso sim, é fazer acusações infundadas contra o lucro.
Atualmente, há no mundo um regime voltado exclusivamente para se certificar de que nenhum indivíduo esteja auferindo qualquer tipo de lucro: a Coreia do Norte marxista. Como consequência, não há nem sequer
luz elétrica para a sua população.
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Ludwig von Mises, líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico. Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política. Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico. Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de "praxeologia".
http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2482