“O Governo está tão fraco que dá margem a pedido de impeachment”, diz José Serra ao jornal El País
Um dos principais líderes da oposição à gestão da presidenta Dilma
Rousseff, o senador José Serra (PSDB) diz que os petistas fazem da
corrupção um método de governo
AFONSO BENITES - EL PAÍS
O senador Serra no Senado, no dia 3. / WALDEMIR BARRETO (AG. SENADO)
Um dos expoentes do PSDB, o senador José Serra voltou à tribuna do Senado na semana passada para tentar dar um rumo ao seu partido na oposição à Dilma Rousseff (PT).
Na sexta-feira, pouco antes da divulgação da lista dos políticos envolvidos no escândalo da Petrobras,
ele recebeu o EL PAÍS, em seu escritório, em São Paulo. Na entrevista,
um dos mais experientes políticos brasileiros – já foi ministro,
deputado federal prefeito e governador do Estado de São Paulo–
analisou os governos petistas, falou sobre crise hídrica, disse que não é contra o impeachment de Dilma
e não descartou concorrer à presidência novamente (pela terceira vez).
Sobre esses dois últimos assuntos, apenas reforçou que são questões que
não estão postas neste momento.
Pergunta. Como o PMDB vai se comportar com o Governo Dilmadepois que o presidente do Senado, Renan Calheiros, devolveu a medida provisória com parte dos ajustes ficais?
Resposta. Não vi o gesto do Renan
como um gesto puramente partidário. O argumento dele foi correto no
sentido de que não cabe fazer uma alteração tributária deste tamanho
através de uma MP. Junte-se a isso o fato de que essa medida não era
urgente. Era relevante, mas não urgente.
P. O senhor foi um dos defensores da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Esse ajuste que foi devolvido pelo Renan não era uma maneira de tentar
fazer com que o Governo cumprisse a LRF?
R. Não há a menor dúvida de que o país precisa de um ajuste fiscal.
Diante dos próprios desajustes provocados pelo Governo Dilma. Ou melhor,
agravados pelo Governo Dilma porque ele vem de longe, desde o segundo
Governo Lula. Esse ajuste nos termos que está sendo feito tem aspectos
discutíveis. Deveria ser mais bem feito e seguro, apontando para
perspectivas de médio e longo prazo. Sem isso, ele não funciona, nem
para estabilizar a economia.
P. O que o senhor faria?
R. Eu não sou ministro. Não vou dar minha receita. Analiso a situação
como senador da oposição. Cabe a mim apontar os problemas, fazer
críticas e dizer o que eles não deveriam estar fazendo.
P. Por exemplo.
R. Subindo juros com a economia em recessão. Mais ainda, com um aumento
da inflação que está sendo causado basicamente pelos reajustes de preços
administrados. Isso é uma inflação inteiramente diferente aos juros.
Leva em conta que o aumento de juros promovidos pelo Governo Dilma desde
a reeleição tem um custo anualizado de cerca de 27 bilhões de reais,
isso se equivale a 40% da melhora do resultado primário pretendida pelo
ministro.
P. Não vê com bons olhos a chegada do Joaquim Levy ao ministério da Fazenda?
R. Não vejo com bons nem maus olhos. Não tenho nenhum reparo a ele. Acho
que é um homem público sério. Só que acho que não há dois governos, o
Dilma e o Levy. É um governo só.
P. As últimas pesquisas apontam que 71% da população não se identifica com nenhum partido. Por que isso ocorre?
R. Há um certo ceticismo causado pelas decepções que a população tem
sofrido. Isso se expressava com clareza em meados de 2013 [durante os
protestos sociais], embora de forma não politizada. Agora no Brasil, o
índice de confiança dos partidos nunca foi elevado. É um contínuo
despertar de expectativas seguido de frustrações. Essa é uma das
características mais fortes do Governo Dilma.
P. No primeiro discurso após ser reeleita, Rousseff disse que estava aberta ao diálogo. O senhor notou alguma tentativa de aproximação com a oposição?
R. O PSDB nos primeiros anos da Dilma teve, em sua maioria, uma posição
bastante leniente com o Governo Dilma. Eu era cético com essa posição.
Era uma das vozes isoladas. Eu via que o PT continuava igual a sempre,
que já apareceu claramente nas eleições municipais de 2012 e que o
Governo estava completamente sem rumo. Ela nunca se aproximou para
qualquer tipo de proposta. Mandou até mensagens de aniversário ao ex-presidente Fernando Henrique, mas depois ela própria comando a demonização da imagem dele. E é uma demonização amplamente desmoralizada.
P. Por qual razão há essa polarização em que o PT sempre culpa o PSDB pelas mazelas do país e vice-versa?
R. Por que o PT divide o país entre bons e maus, anjos e demônios. Se
você está do lado do PT você está salvo de todos os pecados. Se você
está na oposição, você concentra todos os pecados do mundo. É um tipo de
polarização que inclusive dificulta o debate de ideias. O Brasil é um
país sem debates. O processo acaba sendo sempre radicalizado. Isso faz
parte da origem do PT. O inimigo principal sempre foi o PSDB. Sem
qualquer escrúpulo, sem qualquer relativização.
P. Por que isso acontece?
R. Porque identificam que somos um partido social democrata mais competente para administrar, para governar.
P. Nas quatro últimas eleições presidenciais o ataque do PT deu certo.
R. Mas o Lula perdeu três antes.
P. A que se deve essas últimas derrotas do seu partido? Seria a falta de combatividade da oposição?
R. Essa interpretação é muito simplista. Cada eleição é diferente da
outra e a circunstância da época interfere. Em 2002, depois de oito anos
de governo Fernando Henrique, muitas crises externas, que afetaram a
estabilidade da economia, havia um desgaste grande e favoreceu a eleição
do Lula. Apesar de eu ser bem avaliado como ministro da Saúde. Na
eleição de 2006, a economia estava bem, apesar do desgaste do mensalão.
Em 2010 a economia estava no auge, com tudo crescendo a 10%. Com a Dilma
tendo um apoio muito grande do empresariado. E na eleição passada eles
quase perderam. Não dá para se ter uma lei geral que explique os
resultados das eleições entre o PSDB e o PT. Nos anos 1990 o quadro foi
diferente.
P. Por que o petrolão não foi capaz de influenciar na eleição passada?
R. Porque ainda não estava no auge. Se fosse hoje, não tenho dúvida que seria diferente.
P. Como o PSDB deve se comportar com relação à Lava Jato?
R. Nós não temos nada a ver com a Lava Jato.
P. Me refiro ao comportamento como oposição.
R. Isso está nas mãos da Justiça. Não vamos interferir. Acredito que o
STF saberá avaliar o processo e punir de forma rigorosa, como fez no
mensalão.
P. Essa lista não será usada politicamente?
R. Isso é um dado da política brasileira. Evidente que, dependendo do
que acontecer, em qualquer circunstância o partido vai tomar posição.
P. Por que defende a redução da Petrobras?
R. Defendo o enxugamento da Petrobras para que ela sobreviva. E ela já
começou fazendo isso, vendendo os ativos. Em uma proporção maior do que
eu imaginava. É uma empresa gigante e não há no mundo uma empresa
estatal de petróleo que tenha se diversificado tanto. Que tenha se
endividado tanto para poder investir e investir de maneira ineficiente. A
atividade principal da Petrobras, que deve continuar, é a prospecção e
extração de petróleo. Não acho que a Petrobras deva produzir adubos ou
fios têxteis, como tem acontecido. Nem deve repetir ciclos de aventuras
em refinarias por questões políticas, como fez nos últimos anos em
Pasadena, Abreu e Lima.
P. Há uma leitura entre os analistas políticos que o antipetismo é
uma força maior que do que qualquer partido de oposição. Como o senhor
vê isso?
R. É perfeitamente normal que a rejeição a um partido seja maior que a adesão ao outro.
P. É possível captar esses antipetistas?
R. Acho completamente possível. O que temos de fazer é encarnar para
essas pessoas a possibilidade de mudança. Esse é o nosso grande desafio.
P. Estimulando protestos?
R. O pessoal tem de achar que o PSDB é diferente. Mas isso não é
colocado a curto prazo. Os protestos são sempre saudáveis, desde que
pacíficos. Apoio a movimentação toda, mas outra coisa são as palavras de
ordem. O que está por trás de tudo é a insatisfação. Os protestos não
podem ser paternalizados, porque não funciona. Agora, temos de saber
fazer oposição. Por exemplo, quando eu mostro que dentro dessa política
de juros esse aumento de juros é fútil estou cumprindo o papel de
oposição saudável. De outra maneira, cabe a nós sugerir políticas
alternativas com projetos para o país.
P. É contra o pedido de impeachment?
R. Não. Só acho que o pedido de impeachment
não se coloca agora como questão política. Não é uma palavra de ordem
hoje. Acontece que o Governo está tão fraco que dá margem a que gente
reivindique o impeachment.
P. Por qual razão defende mudanças no Mercosul?
R. O Mercosul fracassou porque teve metas excessivamente ambiciosas. A
União Europeia demorou 40 anos para passar de zona de livre comércio
para União alfandegária. E o Mercosul quis fazer em quatro anos. União
alfandegária significa política de comércio unificada em relação ao
resto do mundo. Foi um acesso de megalomania das políticas externas dos
países, especialmente do Brasil.
P. Quando o senhor foi governador de São Paulo (2007-2010) certamente
recebeu alertas sobre a crise hídrica que se aproximava. Como poderia
ajudar a amenizar os problemas que enfrentamos hoje?
R. Não recebi nada. Pelo contrário, o alerta dado pela natureza era de
cheias. As maiores enchentes das últimas décadas em São Paulo
aconteceram no final do meu Governo. Não havia nenhuma previsão de seca.
E nós aumentamos em 10% a disponibilidade de água. Mas hoje, com a
maior seca dos últimos 85 anos, realmente não há política preventiva
suficiente para isso. Foi uma surpresa. Quem quer que estivesse no
Governo teria a mesma dificuldade.
P. Por qual razão esse tema não foi debatido no ano passado de maneira transparente pelo seu correligionário, o governador Geraldo Alckmin?
R. Ele estava disputando uma campanha. Ele decidiu não expandir nenhuma
ideia alarmista, ao contrário de seus adversários. Isso é natural, mas
não é o que explica o fato de termos problema com a água.
P. O seu partido defende um maior rigor na apuração do caso Petrobras. Mas em São Paulo ele se depara com uma crise grave envolvendo a Alstom no tremsalão, em que CPIs foram barradas pelo Governo. Não há uma contradição, defender investigação lá, mas não cá?
R. As questões de metrô e Alstom estão entre as mais investigadas da administração brasileira, pelo Ministério Público, pela Polícia Federal. Até agora, não se chegou nada que envolvesse responsabilidade de governos.
P. Está dizendo que esse esquema envolvia apenas alguns gestores. É isso?
R. Houve alguns gestores, há muito tempo, que foram corruptos. Isso é
bem possível. Aliás, corrupção é uma doença que acomete todos os
governos em todos os países. Outra coisa é a corrupção passar a ser um
método de Governo, como aconteceu na era petista brasileira.
P. O que quer dizer com essa afirmação?
R. É o que aconteceu com a Petrobras. Para administrar essa corrupção
acredito que você precisaria de um software de alta complexidade, se
você levar em conta as obras envolvidas, o número de atores do lado
empresarial, o número de atores do lado político, o número de
receptores. Se isso não é método de governo, não sei mais o que seria. O
próprio mensalão, que era coisa pequena perto do petrolão, também se
desenvolvia assim. Governa-se assim. Isso é o mais grave vindo de um
partido que até chegar ao poder era o arauto da moralidade.
P. Acreditava que o PT era o arauto da moralidade?
R. Acreditava, claro. Estive junto com o PT na primeira metade dos anos
1990 e eles eram companheiros impecáveis nas batalhas que tivemos
anticorrupção, pela moralização da vida pública. Eu os admirava por
isso.
P. Quem, especificamente?
R. Na Câmara, tinha o [José] Genoíno, o Eduardo Jorge, o Vladimir Palmeira. Trabalhávamos juntos.
P. O PSDB está há mais de 20 anos governando o Estado de São Paulo,
mas não conseguiu nos últimos anos o mesmo apoio nacionalmente. Por que
isso ocor
R. No Estado de São Paulo o PSDB governa mais plenamente há muito tempo
e, de alguma forma, se entranhou na população a ideia de que o PSDB
governa bem. Agora, o Brasil é um país muito heterogêneo. As realidades
políticas regionais são diferentes e a nacional é a soma delas.
P. Essas realidades distintas reforçam o discurso de briga de classes, os ricos contras os pobres?
R. Essa é uma polarização falsa. O PT não é o partido dos pobres. É o
partido de algumas corporações, de interesses. O PT é, aquilo que eu
disse em 2003, uma espécie de bolchevismo sem utopia. Eles têm o
comportamento de um partido bolchevique no sentido de que a ética do
indivíduo é substituída pela ética do partido. Você tem até mártires
deles, como é o caso do Delúbio [Soares, tesoureiro do partido condenado
no mensalão], como é o caso do João Vaccari [tesoureiro investigado na
Lava Jato]. São mártires no sentido que arcam com consequências graves
para eles e mantêm-se fiel. Poupam o partido. É a lógica bolchevique.
Mas eles não têm nenhuma utopia, igualdade, pobres. Se tivessem, essa
preocupação com os pobres não teriam deixado a saúde como ficou. Nem
feito tanto desperdício na área de educação.
P. O senhor disse que o PT não é o partido dos pobres. E o PSDB, é o dos ricos?
R. Desculpe, mas a pergunta não faz sentido. Podemos provar por A mais B
o volume das políticas populares que fizemos. Tudo que de mais
importante fiz em minha vida pública tem a ver com os pobres, do seguro
desemprego a toda a política de saúde no Brasil. O genérico, programa de
saúde de família, vacinação.
P. Ainda pensa em se candidatar à presidência da República?
R. Ao meu ver essa é uma questão que ainda não está posta. O que está
posto é a ação para ajudar a salvar o Brasil e a minha trincheira é o
Senado, junto com vários outros companheiros.
P. Significa que o senhor não descartaria sua candidatura no futuro?
R. Não estou nem encartando nem descartando. Acho que não é uma questão posta.
link:
http://welbi.blogspot.com.br/2015/03/o-governo-esta-tao-fraco-que-da-margem.html
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