Governo sequestra FGTS e diz que trabalhador quer é “ganho fácil”
BC classificou ainda as centrais e partidos que defendem
os trabalhadores contra as perdas no FGTS como “minoria”
O governo acha natural confiscar o dinheiro do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) de milhões de trabalhadores, reajustando-o abaixo da inflação e desviá-lo para parte de suas despesas, já que o Tesouro é espremido pela busca frenética por superávits primários (reserva de recursos orçamentários para pagamento de juros). Não só acha natural como ainda faz ameaças às centrais sindicais e partidos que defendem a substituição do índice que reajusta o FGTS e que está à metade de inflação.
O procurador-geral do Banco Central, Isaac Sidney Menezes Ferreira, a mando do governo, fez pressão no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF) dizendo, através de documentos entregues aos tribunais na última sexta-feira (14), que uma eventual determinação judicial para corrigir os saldos das contas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) com base na inflação implicaria a revisão de "milhões" de contratos de financiamento habitacional.
Isaac Ferreira pressiona os tribunais para legalizar o confisco porque, segundo ele, isso permite concessão de crédito aos "fundistas" com valores superiores aos depositados nas contas. Diz ele ainda que "não há recursos infinitos" que permitam entregar o FGTS corrigido pela inflação e conceder financiamento a juros baixos. O fariseu confessou que o uso da TR, ou seja, reajustar o FGTS abaixo da inflação "foi a fórmula encontrada para manter minimamente viável a concessão de crédito por parte do FGTS a custos mais módicos". "Não há como empregar os recursos na concessão de créditos menos onerosos e, ao mesmo tempo, pretender pagar aos fundistas uma remuneração muito superior à cobrada dos tomadores. Por certo, a conta não fecharia", argumentou.
Só que o Supremo Tribunal Federal já estudou o assunto em outras ações judiciais e considerou prejudicial o uso da Taxa Referencial (TR) como indexador. Uma decisão de março do ano passado, que considerou a TR (Taxa Referencial) inapropriada para corrigir perdas inflacionárias de papéis emitidos pelo governo, abriu caminho para a luta dos trabalhadores pela revisão dos saldos também do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) calculados desde agosto de 1999. As centrais sindicais e partidos políticos foram buscar na Justiça a interrupção desse confisco do FGTS. Segundo o STF, a TR não pode ser usada para correção monetária nos precatórios (dívidas que o governo tem com a população) justamente por representar perda material.
O governo chegou ao cúmulo de argumentar que os trabalhadores saqueados estão querendo "ganhos fáceis". Que eles não devem ser contra as perdas de seus recursos do FGTS porque são "uma minoria" que iria prejudicar o país. Parece mentira, mas vejam o que ele disse. "O FGTS como benefício de toda a sociedade afasta "interesses de uma minoria movida pela expectativa de ganhos fáceis, notadamente quando instigada por entidades, inclusive sindicais e partidárias, que promovem a cultura das ações em massa em tempos de estabilidade monetária".
E não parou por aí a provocação. Segundo o BC, o FGTS tem "dupla finalidade", servir como garantia de pagamento de indenização a trabalhadores em caso de demissão e fomentar políticas públicas na área de habitação. Para o procurador, o fundo "não pode ser visto como um benefício individual do trabalhador". Nunca, nem na época da ditadura, o governo foi tão assanhado ao defender um roubo desavergonhado como esse. Só confirmam que estão fazendo caridade às empresas com o chapéu alheio. O dinheiro dos trabalhadores está sendo usado para dar incentivos ao setor habitacional. Por isso tem que pagar abaixo da inflação. É essa a explicação do governo Dilma.
As ameaças feitas pelo governo de que a devolução do dinheiro roubado desde 1999, quando o reajuste do FGTS pela TR passou a ficar abaixo da inflação, são uma afronta, primeiro porque o dinheiro pertence aos trabalhadores e foi desviado. Segundo, porque no mesmo momento em que faz ameaças aos trabalhadores que querem reaver o dinheiro roubado, o governo anuncia a entrega de 4 bilhões de reais de recursos públicos para ajudar empresas privadas do setor energético, várias delas estrangeiras (veja matéria nesta edição). Ou seja, os trabalhadores podem sofrer perdas, ver reduzir seus recursos, mas as distribuidoras multinacionais têm que ser regadas a rodo quando choram por supostas e alegadas "despesas extras" com compra de energia.
Atualmente, os depósitos no FGTS são corrigidos pela Taxa Referencial (TR) – índice usado para corrigir as cadernetas de poupança – mais juros de 3% ao ano. Cada trabalhador com carteira assinada tem uma conta do FGTS, composta de 8% do salário que é depositado mensalmente pelo empregador. O dinheiro pode ser sacado em caso de demissão sem justa causa ou aposentadoria. A estimativa é de que cerca de 80% dos recursos de cada trabalhador tenha sido surrupiado. O governo alega que não pode devolver porque gastou o dinheiro confiscado. Gastou porque boa parte dos recursos orçamentários, que deveriam ser usados para a sociedade, vão para os bancos na forma de pagamento de juros da dívida.
O governo ameaça sindicatos e partidos dizendo que os juros atuais de financiamento, que variam entre 6% e 8,66% ao ano para aquisição da casa própria pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH), poderiam chegar a 11% se fosse adotado um índice de inflação para a correção do FGTS. Ora. O que o funcionário do BC está dizendo é que o trabalhador roubado será responsabilizado por supostas elevações de custos de financiamentos habitacionais se quiser de volta o seu dinheiro. Isso é um verdadeiro absurdo. As Centrais Sindicais já disseram que não aceitam as ameaças e vão mobilizar o Brasil inteiro contra o roubo. Para elas, o governo tem que tirar dos juros pagos aos bancos e dos subsídios às multinacionais e não dos trabalhadores para financiar as moradias. A briga promete. Principalmente num ano eleitoral como este.
SÉRGIO CRUZ
link:
http://www.horadopovo.com.br/2014/03Mar/3232-19-03-2014/P3/pag3a.htm
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