A imoralidade de Robin Hood
Em época de novo debate sobre aumento de
imposto sobre fortunas, aproveito para resgatar um texto meu em que
ataco o conceito de “justiça social”, como se fosse justo tirar de quem
tem mais e dar para quem tem menos (e como se isso fosse o que realmente
acontecesse nesses casos).
A imoralidade de Robin Hood
Não há como
localizar historicamente Robin Hood com certeza. A existência de um
fora-da-lei nas florestas de Sherwood durante a Idade Média parece ser
um fato. Mas evidências apontam para vários possíveis indivíduos que se
encaixam nas narrações lendárias, e como Robin Hood tornou-se um apelido
comum para foras-da-lei, fica praticamente impossível determinar qual
foi o verdadeiro. Uma das fontes da lenda Robin Hood foi o historiador
escocês John Major, que retrata em 1521 suas ações, que teriam ocorrido
no final do século XII. Mas qual foi o verdadeiro e original Robin Hood,
e quando exatamente ocorreram suas ações, não são pontos importantes
para o objetivo desse texto. Aqui pretendo apenas tratar da “herança
maldita”, para usar termo em moda, que essa lenda representa até os dias
atuais.
Vale antes um caveat,
para esclarecer uma distinção importante. Alguns defendem que Robin
Hood não fazia mais do que recuperar o que era tomado à força, via
impostos, pelas autoridades. Ele estaria, nesse caso, tirando de quem
roubou de verdade o bem, e devolvendo-o a quem este pertencia. Mas não é
esta a imagem que perdurou de Robin Hood. Quando mencionam este nome,
estão se referindo aos que tiram à força dos que têm mais, para
distribuir aos que necessitam, não importando quem produziu os bens, ou a
quem eles pertenciam a priori. Estão declaradamente
concordando que a necessidade basta como conceito de justiça, não
importando o direito à propriedade. É esta segunda visão, a
predominante, que irei atacar como totalmente imoral.
Um princípio
moral básico é o direito à propriedade, começando pelo seu próprio
corpo. Se não somos os donos dele, não passamos de escravos, de seres
sacrificáveis para algum outro objetivo alheio qualquer. A consequência
natural desse direito básico é que devemos ser donos também dos frutos
do nosso esforço físico ou mental, da nossa produção, seja física ou
intelectual. Há uma confusão aqui, normalmente por parte dos marxistas,
no conceito de exploração dessa produção. Um trabalhador que não é
autônomo, mas sim faz parte de uma organização maior, não vive da venda
de produtos do seu trabalho, mas sim da venda do seu trabalho em si. Os
benefícios dessa divisão de trabalho já são amplamente conhecidos desde
David Ricardo. Alguém que executa uma tarefa específica pode obter, via a
troca voluntária, inúmeros bens e serviços, que seriam impossíveis
individualmente. Ele não está produzindo os bens finais que demanda, mas
sim trocando voluntariamente sua habilidade específica por dinheiro,
apenas um meio de troca para a obtenção dos bens desejados. Como é algo
voluntário, não há exploração. O conceito de mais-valia é falacioso,
portanto. E o critério de justiça ou moralidade aqui parece evidente:
que o indivíduo possa ser o dono daquilo que ele ou produziu ou vendeu
voluntariamente como seu trabalho para outro produzir. Nem mais, nem
menos!
Assim, todos
seriam livres para realizar trocas voluntárias, tendo que sempre
oferecer algo de valor, no julgamento dos outros, para obter os bens e
serviços que ele julga valiosos. Sua produção é sua única ferramenta
para a sobrevivência digna, e a troca livre o único meio justo para
obter o que não produziu, mas deseja. A alternativa é o roubo, é a
apropriação indevida, através da força, coerção ou fraude, daquilo que
ele não produziu nem obteve livremente oferecendo algo de valor em
troca. Para esses, chamados marginais, existe o Estado, com seu papel
precípuo de polícia, protegendo os cidadãos livres e honestos. O
problema, cada vez mais comum e grave, é quando o próprio Estado resolve
bancar o Robin Hood, ignorando esse aspecto moral de justiça, e
invocando o abstrato e arbitrário termo “justiça social”, como se a
necessidade passasse a garantir o direito de expropriação da propriedade
privada. Fica, nesse caso, legalizado o roubo, o direito de escravizar
alguém e tomar a força sua produção, somente porque outro dela
necessita, mas não quer ou pode oferecer nada de valor em troca. Os que
produzem se tornam escravos dos que necessitam. Em pouco tempo, quem irá
produzir assim?
Tais
inescrupulosos escondem-se sob o manto de um suposto altruísmo, como se
ser solidário com a propriedade dos outros fosse nobre e moral. Um
indivíduo sentir pena de um miserável ou necessitado, e tentar ajudá-lo
com seu esforço pessoal, é algo notável. Mas alguém que, em nome dessa
pena, escraviza inocentes, rouba-lhes os frutos de seus trabalhos e
ainda chama isso de justiça, não passa de um imoral. A solidariedade
precisa ser voluntária. Discursos nobres e românticos, que pregam o
altruísmo, mas que acabam defendendo medidas que utilizam recursos
alheios para tal “altruísmo”, são pura perfídia. E infelizmente a
institucionalização dessa imoralidade à lá Robin Hood dá-se no próprio
Estado, que passa a existir não para proteger a liberdade individual,
mas para tirar de alguns à força para distribuir aos pobres, como se
necessidade fosse critério de justiça. Se fosse, um carente necessitado
de sexo teria o direito de estuprar uma donzela inocente, já que o
consentimento não importa. Sem falar que achar que os bens roubados
chegarão aos pobres é uma utopia, dado que para possibilitar a
existência desse Robin Hood gigante e legalizado, concentram poder
absurdo no governo, e concentração de poder em poucos é garantia de
corrupção.
Nem o
conceito de justiça, nem o argumento de resultado prático, sustentam a
defesa de legalizar Robin Hood na figura do Estado. A mentalidade
precisa mudar. As pessoas têm que entender que a necessidade não é uma
carta branca para que indivíduos tornem-se objetos sacrificáveis,
escravos dos que necessitam. Quem tem necessidades, tem que trabalhar
para supri-las. Tem que oferecer algo de valor em troca daquilo que
necessita. E em último caso, dependerá da solidariedade alheia, que por
definição não pode ser imposta, compulsoriamente, mas sim voluntária de
cada indivíduo. Tirar dos ricos para dar aos pobres é imoral. Precisamos
abandonar o romantismo do mito de Robin Hood, que não passa de
imoralidade transvestida de altruísmo.
Rodrigo Constantino
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