quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Grécia – as vítimas do comunismo


Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Carlos I. S. Azambuja

O sistema totalitário instalado pelos bolcheviques na seqüência do golpe de Estado de outubro de 1917 foi a matriz da repressão comunista e instrumento privilegiado para a submissão das populações. Sob o pretexto de que “a luta de classes se intensifica na medida em que o socialismo se edifica”, essa repressão tende a se ampliar. Após a II Guerra Mundial foi essa a política aplicada em todos os países nos quais os comunistas estiveram no poder.

O sistema totalitário soviético foi o cadinho onde se forjou a Internacional Comunista – Komintern – que bolchevizou os partidos comunistas de todo o mundo, quer fossem legais, quer clandestinos, no poder ou na oposição. O importante é que a repressão é vital para a sobrevivência do sistema. Se ela se abranda, as bases do sistema comunista vacilam. O abrandamento da repressão foi um dos fatores da rápida decomposição do sistema nos anos 70 e 80, e também uma das causas do colapso dos partidos comunistas no poder e do declínio irreversível desses partidos nos países democráticos.

Nesse sentido, na história dos crimes da repressão e do terror comunistas, as vítimas gregas ocupam um espaço particular, com várias dezenas de milhares de gregos experimentando na carne e na alma a violência criminosa do sistema totalitário. As populações gregas conheceram o comunismo na própria Grécia, onde o Partido Comunista Grego jamais conseguiu se apoderar do Estado, mas desencadeou uma longa guerra civil.

A diáspora grega, instalada havia muito tempo na Rússia, pagou um pesado tributo à repressão comunista. Partilhou com a população russa os sofrimentos provocados pelo regime, sofrendo o tormento do terror desencadeado pelo PCUS e pela polícia política. Todas as camadas da população foram atingidas. Todos foram ameaçados, ninguém foi poupado. O número exato de vítimas é ignorado até hoje.

A “tragédia grega” representa apenas uma das facetas do sistema totalitário comunista. A outra faceta diz respeito à repressão exercida diretamente pelo Partido Comunista Grego, embora nunca tenha conquistado o poder. Durante a tríplice ocupação – italiana, alemã e búlgara – na II Guerra Mundial, o PC Grego reinou como mestre absoluto sobre um vasto território montanhoso: a “Grécia Livre”, uma prefiguração do regime das democracias populares instaurado nos países do Leste-Europeu após a guerra. De 1945 a 1948, o PC Grego dispôs de outro território no qual foi mestre absoluto: Bulkes, na Voivodina iugoslava, onde milhares de homens e mulheres do Exército de Libertação Nacional, quadros e membros do PC Grego se refugiaram, sob as ordens do partido, em um regime abertamente totalitário. Esse território grego, fora da Grécia, representava a ficção de um mini-Estado, esboço de uma futura Grécia comunista.

Após a guerra civil, ainda que tenha perdido definitivamente a batalha, o PC Grego viu-se, paradoxalmente, senhor de uma população grega dispersa da Alemanha Oriental até o Uzbesquistão. Nessa população, traumatizada pela guerra civil, o PC exerceu, sem qualquer entrave, sua política arbitrária e de repressão. Na história do movimento comunista o PC Grego foi um dos raros partidos a dispor de poderes consideráveis sobre uma parte da população, sem possuir a menor atribuição legal nem legítima para isso. Essa ficção de legitimidade tornava ainda mais trágico o destino de suas vítimas.

De acordo com o recenseamento de 1919, 593.700 gregos viviam há vários séculos na Rússia. Os anos em convulsão da guerra civil, as primeiras grandes fomes, a espoliação dos bens pelo poder comunista, as prisões de dezenas de notáveis e as condenações à morte provocaram o êxodo da metade dessa população grega da Rússia que, desde então, de acordo com o recenseamento de 1926, passou a contar com apenas 213.765 pessoas.

Durante o Grande Terror de 1937-1938, as minorias nacionais foram tidas como suspeitas de serem focos de subversão e de servirem de ponta-de-lança ao “inimigo externo”. Os gregos foram coletivamente acusados de se colocarem a serviço dos “monarcas fascistas”, de “sabotarem a edificação do socialismo”, de se entregarem à espionagem, de representarem “um formigueiro de elementos anti-socialistas” e de pretenderem constituir uma república grega autônoma. Essas acusações mentirosas produziram uma onda de prisões e de deportações de milhares de gregos, que desapareceram para sempre nas profundezas dos arquipélagos Gulag.

Apesar de tudo isso, durante a guerra as populações gregas não demonstraram qualquer simpatia em relação aos invasores alemães e, malgrado a perseguição sofrida nos anos 30, essa população deu mostras de lealdade ao poder soviético, sendo que muitos gregos participaram dos combates ao lado dos soviéticos e nas fileiras da guerrilha. Na cidade de Kuban, os alemães perseguiram os habitantes dos vilarejos gregos, destruindo as instalações agrícolas e suas casas. De alguma maneira, os alemães concluíram as destruições iniciadas pelo Grande Terror. Porém, após a libertação dos territórios pelo exército soviético, as perseguições retornaram com toda a intensidade com deportações, exílios e uma boa parte da população enviada aos campos do Gulag.

No final dos anos 40, as tradicionais comunidades gregas haviam sido desmanteladas e dispersadas para as mais áridas regiões da URSS, sendo que nenhuma família foi poupada. Entretanto, no momento do degelo que se seguiu ao XX Congresso do PCUS, os gregos receberam autorização para a volta à Rússia meridional. Para essas populações sofridas, o desmoronamento da União Soviética, em 1991, foi o momento para deixarem definitivamente o país e se instalarem na Grécia.

Alguns membros do Partido Comunista Grego, residentes na URSS, eram funcionários do aparelho da Internacional Comunista em escalões subalternos, outros eram enviados por Moscou às zonas povoadas por gregos a fim de ocupar cargos de responsabilidade, e outros ainda cursavam a Universidade Comunista do Oriente. O Grande Terror fez numerosas vítimas entre os membros do partido grego, mas o número de desaparecidos ou executados permanece difícil de ser esclarecido, bem como as circunstâncias de suas mortes ou desaparecimentos.

Além de tudo isso, da mesma forma que todos os demais partidos comunistas, o PC Grego era dotado de órgãos internos de repressão: a Organização Política de Vigilância Popular (OPLA), que oficialmente era um serviço de vigilância encarregado de... “proteger os manifestantes”. Na realidade, essa organização era a encarregada de manobras as mais baixas, como a execução de opositores da extrema-esquerda, em particular dos trotskistas e dos “renegados”. Estima-se que a OPLA tenha liquidado fisicamente 200 militantes da extrema-esquerda, sendo a responsável por milhares de execuções sumárias em 1944-1945.

Até mesmo nos campos de concentração e nos locais de deportação, a direção do Partido Comunista Grego tinha sua própria polícia, fazendo reinar um clima de terror, submetendo os membros do partido a uma disciplina rigorosa e arbitrária. 

Ademais, o partido dispunha de outros órgãos de repressão para exercer seu poder totalitário sobre a imigração grega: toda uma rede de delatores implantada entre os refugiados. Com os delatores, os agentes, os espiões, os “vigilantes”, os quadros e os militantes fanáticos, o Partido Comunista Grego dispunha de meios poderosos para exercer uma política de terror sobre as populações que lhes eram submissas nos mini-Estados em que estava no poder. Os métodos repressivos eram amplos: o isolamento dos militantes, o linchamento político e as sessões de autocrítica eram os mais usualmente aplicados.

Após a derrota do Partido Comunista Grego na guerra civil, em 1949, cerca de 80 mil a 100 mil pessoas se refugiaram em países comunistas, arrastadas pelo turbilhão da guerra civil, muitas vezes contra a sua própria vontade. Dependiam inteiramente do partido para todos os aspectos da vida cotidiana: trabalho, alojamento, autorização para deslocamentos e circulação no interior do país. 

Submetidos a um rigoroso controle ideológico, cortados da realidade da Grécia, transportados da noite para o dia para um mundo cultural e socialmente estranho, passando, de forma brutal, de um modo de vida camponês ao de operário de fábrica, esses refugiados eram controlados pelo partido sem poder reagir, não havendo qualquer alternativa. O poder do partido sobre a massa dos refugiados gregos dispersos em toda a extensão dos países comunistas era ilimitado.

No fim dos anos 40 e início dos 50, os partidos comunistas no poder nas “democracias populares” iniciaram uma sangrenta repressão em massa. Foi a época dos processos políticos falsificados, das pesadas condenações contra centenas de milhares de inocentes e também a época dos acertos de contas no interior dos partidos.

No exílio, o PC Grego, sem qualquer tipo de constrangimento, seguiu os moldes do sistema totalitário de onde era, historicamente, oriundo. À maneira dos partidos-irmãos, produziu um amplo expurgo de seus militantes e dirigentes, a pretexto de uma “verificação”. A cada sessão e de forma ordenada, uma espécie de tribunal submetia os integrantes do partido a questões preparadas por membros especialmente designados para essa tarefa. 

Mas, em outro lugar, o destino dos militantes era traçado: nas reuniões secretas do Comitê Central do partido eram estabelecidas as listas dos que deviam ser excluídos. Segundo fontes, os excluídos foram cerca de 40% dos militantes do partido. Desse mesmo partido ao qual haviam sacrificado suas vidas e muitas vezes as de seus parentes.

Por outro lado, centenas de pessoas “sem partido” foram “integradas à produção” a fim de adquirirem “consciência de classe”, inclusive os mutilados da guerra civil receberam tarefas penosas.

Os expurgos permanentes e sucessivos na esfera dirigente do Partido Comunista Grego demonstraram de forma inequívoca que não existia, entre seus altos responsáveis, quaisquer sentimentos de fraternidade, lealdade ou confiança. Eles se votavam, uns aos outros, sentimentos de ódio e ciúme. E cada um era um suspeito aos olhos dos demais.

As perseguições, as deportações e o aprisionamento de emigrantes prosseguiram no decorrer de suas estadas nos países comunistas. O expurgo atingiu professores, que foram excluídos das escolas às dezenas, intelectuais e jornalistas. Em 1956, após a VI Plenária do Comitê Central do PC Grego, na qual foi excluído do partido o ex-Secretário-Geral Nikos Zachariadis, uma “guerra civil” entre facções eclodiu em Tachkent, URSS. Partidários de Zachariadis se opuseram fisicamente aos partidários da nova direção, sendo que vários tiveram as orelhas cortadas e sofreram ferimentos durante o enfrentamento. 

A milícia soviética não interveio, deixando os comunistas se dilacerarem nos bairros em que habitavam. Ao final, a pedido da nova direção partidária, as autoridades soviéticas deportaram dezenas de imigrantes para o norte do Cazaquistão e outros foram condenados a anos em campos de concentração. Também na Hungria, na Bulgária e na Romênia, imigrantes gregos foram condenados a penas de prisão porque se opunham à direção do PC Grego.

Assim, tanto da parte do regime soviético quanto do Partido Comunista Grego, a repressão passou por fases de paroxismo seguidas por fases de abrandamento. As curvas dessas duas formas de repressão constituem paralelas e seguem a mesma trajetória ascendente ou descendente.

No decorrer dos anos 60, em todos os países do Leste, o PC Grego perdeu sua autoridade e sua “aura”, e as autoridades desses países passaram a não mais intervir nas guerras entre facções que se estendiam de Berlim Oriental a Tachkent e de Budapeste a Varsóvia.

Hoje, o comunismo grego perdeu sua influência. Todavia, o peso ideológico do comunismo sobreviveu ao colapso do partido e continua a pesar nas mentalidades, nos comportamentos e na linguagem da intelligentsia grega. O terror e a repressão, componentes essenciais dos partidos comunistas, foram consubstanciais ao papel de partido único que o Partido Comunista Grego tentou assumir.

Finalmente, em 1981, a Grécia passou a integrar a então Comunidade Européia, atual União Européia.
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A matéria acima é um resumo do texto em epígrafe, escrito por Ílios Yannakakis, professor de Relações Internacionais da Universidade de Marne-La-Vallée, França, páginas 515 a 534 do livro Cortar o Mal pela Raiz! História e Memória do Comunismo na Europa, diversos autores sob a direção de Stéphane Courtois, editora Bertrand do Brasil, 2006.


Carlos I. S. Azambuja é Historiador.


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