Quando tucanos sabotam tucanos
O primeiro obstáculo que o PSDB precisa enfrentar antes de sonhar com um retorno à presidência da república é o próprio PSDB.
A obviedade da afirmação acima não impede que, de quatro em quatro anos, a verdade nela contida reapareça para operar desastres. É uma doença crônica: o PSDB não consegue superar suas disputas internas, em especial as pré-eleitorais, para garantir uma vitória nas urnas.
Comecemos por aquilo que eu chamo de as três pragas da militância tucana: aecistas, serristas e alckmistas. Muito ativas na internet, estas miríades de patetas que voejam em torno das principais figuras do partido seguem se digladiando mesmo depois que já foi decidido quem será o candidato.
Embora eu desconfie – pela frouxidão de propósito que sua atitude online revela - que jamais partam para um corpo-a-corpo durante as campanhas, estas “facções” provocam um senhor estrago. Ao invés de promover a união em torno do escolhido, perdem tempo e energia digladiando-se e jogando pedras no candidato da vez. As áreas de comentários dos blogs dedicados à política e, mais recentemente, as redes sociais estão repletas de exemplos desta idiotia eleitoral.
Não se vê tal coisa no petismo. Uma vez que Lula – sim, ele sozinho - decidiu que Dilma seria sua sucessora, a militância não só acatou a decisão como passou a trabalhar furiosamente por ela. Para além das fronteiras, passadas as prévias, não se viu os partidários de Hillary Clinton tentando derrubar Obama. E eu fico realmente incomodada que seja preciso escrever tal coisa porque é óbvio que só assim se ganha uma eleição. Se os filiados não conseguem unir forças em torno de um determinado nome, o que esperar do resto do eleitorado?
Sei bem que não há prévias no PSDB. Os candidatos ali são definidos ora numa mesa do Fasano, ora por teimosia, ora pelo pragmatismo do “como não vamos ganhar mesmo, enviemos fulano para o sacrifício”. Eu até entendo que esta postura revolte a militância. Mas a pergunta é: vocês querem mudar o partido ou ganhar a eleição?
Para o próximo pleito, o candidato será Aécio Neves. Acertadamente, desta vez o PSDB decidiu com bastante antecedência - é preciso tempo para trabalhar nacionalmente o nome de um candidato que nunca disputou uma eleição presidencial.
Quanto mais cedo a militância entender que está decidido, e que não haverá prévias ou recuos na decisão, mais aumentam as chances de Aécio – que são as chances do PSDB, pelo amor da santinha. Mas já noto que estão preferindo, como em 2006 e 2010, perder um tempo precioso, nas redes e fora delas, para tentar reverter a decisão. Se insistirem nisso, acontecerá o de sempre: a candidatura morre antes mesmo de começar a campanha oficial.
O (mau) exemplo que vem de cima
Sim, eu acho que é uma generosa evidência de - perdão - burrice que a militância tucana não se dê conta, por si mesma, do quanto a postura acima relatada inviabiliza as chances do PSDB voltar ao Governo Federal. Mas também é verdade que os líderes do partido não trabalham para promover a união. Ao contrário: alimentam, constantemente, a disputa.
Vou me abster de falar das campanhas anteriores – quando tivemos Fernando Henrique sabotando a campanha de Serra, Aécio e Serra sabotando a campanha de Alckmin, Alckmin e Aécio sabotando a campanha de Serra. Os arquivos do blog, disponíveis aí, na coluna da esquerda, estão repletos de artigos sobre isso. São dez anos de arquivos. Um registro histórico lamentável de muitos tapetes puxados e farta distribuição de cascas de banana. Mas a pergunta para a militância, mais uma vez, é: vocês querem fazer justiça interna partidária ou ganhar a eleição?
De minha parte, prefiro me concentrar no quadro atual. E ele é cristalino – lamentavelmente cristalino.
Em meados de maio, quando tudo indicava que 2014 seria uma eleição pró-forma, com Dilma sendo simplesmente reconduzida ao poder, o PSDB entregou o bastão de mando para Aécio Neves. Serra tentou se conter e Fernando Henrique apareceu apenas para dizer que era a vez do mineiro.
Na convenção do dia 18 de maio, Aécio foi escolhido presidente – uma condição fundamental para nacionalizar seu nome – e apontado como candidato único do partido para o pleito de 2014. Todas as lideranças, inclusive um titubeante José Serra, foram ao microfone para declarar apoio a Aécio. Decisão mais do que acertada, mas tomada – diante do que agora se vê – por razões tortas. Estavam entregando a Aécio, de bom grado, uma eleição praticamente perdida.
Até meados de junho, tudo correu a contento: os programas e propagandas de televisão do PSDB privilegiaram Aécio. Também foram entregues a ele todos os espaços na imprensa. Na qualidade de líder máximo do partido e candidato à presidência, Aécio Neves tornou-se o porta-voz da legenda.
Então vieram as gigantescas manifestações, o #vemprarua, e, na sequencia, pesquisas mostrando um sério, ainda que momentâneo, abalo na popularidade de Dilma Rousseff. Foi o que bastou para que as lideranças tucanas começassem a dar mostras de que a unanimidade em torno de Aécio era apenas a unanimidade em torno do nome que “vai perder a eleição para Dilma”. Na melhor das hipóteses, estavam apostando que Aécio apenas pavimentaria o caminho para 2018.
Sempre podemos contar com a falta de timing de Fernando Henrique
Fernando Henrique certamente não pretende voltar à presidência da república. E defende, de peito aberto, a candidatura de Aécio. Mas, vaidoso como ele só, não resistiu à tentação de aproveitar o péssimo momento do PT para empreender uma justiçazinha pessoal. Depois de uma década sendo escorraçado pela hegemonia petista no cenário político, ficou lisonjeado de voltar à luzes da ribalta para comentar o que interpretou como um sinal das ruas de que seus mais cruéis adversários estavam perdendo força.
A onipresença de Fernando Henrique neste momento é prejudicial não porque ele dispute a candidatura com Aécio, mas porque toma do mineiro um espaço precioso na imprensa. Um líder menos vaidoso e mais consciente de seu verdadeiro papel neste momento negaria entrevistas tentando forçar convites para o atual presidente do partido – mesmo arriscando perdê-las.
No mínimo porque, a despeito da predileção da imprensa por ele, o recall de Fernando Henrique não é bom nas classes menos privilegiadas – aquelas que enchem urnas. Também alguns de seus posicionamentos pessoais – como o apoio à liberação da maconha, por exemplo – podem afastar o eleitorado mais conservador, do qual o PSDB não pode prescindir se quiser derrotar o PT. Finalmente, que uma parte do país esteja gritando contra o PT nas ruas não significa que passou, enfim, a reconhecer o valor de Fernando Henrique. De novo: um líder consciente de seu verdadeiro papel neste momento evitaria cair em tal armadilha.
É, eu sei. Fernando Henrique é um intelectual respeitado, com uma atuação presidencial exemplar, que só enriquece e orgulha o partido, etc e tal. Mas a pergunta é: vocês querem fazer jus a Fernando Henrique ou ganhar a eleição?
José Serra e seu sonho pessoal : uma terceira derrota no horizonte
Sumido desde que perdeu a prefeitura de São Paulo para Fernando Haddad, José Serra ensaiou alguma resistência no período pré-convenção. Em abril ele reapareceu como articulista do Estadão, ao mesmo tempo em que a imprensa dava conta de uma possível mudança para o PPS – o velho estilo Serra de ameaçar o partido com uma retirada para tentar barrar o nome de Aécio. Mas como logo Roberto Freire apareceu para esclarecer que o convite não incluía uma candidatura à presidência, o assunto morreu.
Em maio, Serra foi à convenção e parecia conformado com a realidade posta. Mas bastou que, no início de junho, pesquisas realizadas pela CNI e CNT apontassem a possibilidade de um segundo turno em 2014, para que Serra mandasse um recado: ele ainda estava no jogo – o mural da vez foi a coluna de Dora Kramer no Estadão.
Quando, na segunda metade de junho, a onda das manifestações tomou força, José Serra arranjou duas páginas na Veja para falar de Albert Otto Hirschman e (podem rir) de “resultados que seriam considerados impossíveis por um raciocínio baseado apenas na probabilidade”. José Serra articulista de Veja é algo que, salvo algum lapso de memória, só se viu em fevereiro de 2010, quando ele tentava se consolidar como candidato para o pleito presidencial daquele ano.
Uma parte deste artigo já estava pronta ontem, enquanto a matéria da Folha de S. Paulo deste domingo ainda estava no prelo. Agora se sabe que Roberto Freire está revendo a possibilidade de apoiar Eduardo Campos e acenando para José Serra com uma candidatura presidencial via MD - uma nova legenda a ser formada a partir da fusão entre PPS e PMN. Serra ainda está pressionando o PSDB para que volte atrás. Se concretizar a ameaça, o máximo que ele vai conseguir é levar Marina Silva as disputar o segundo turno com Dilma.
Todo mundo tem, é claro, o direito de se candidatar à presidência da república. Serra tem todo o direito de achar que, como Lula, “vencerá na terceira tentativa” – ainda que a recente derrota para Haddad em São Paulo, tradicional reduto tucano, lhe esfregue na cara que não. Mas a militância do PSDB não tem o direito de cair nessa outra vez. Porque a pergunta é: vocês querem ver Serra candidato ou querem ganhar a eleição?
Fonte: Nariz gelado 2013
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