O fraudulento acordo que ferrou com a Petrobras
Por João Vinhosa
Firmado em 29 de janeiro de 2004, o Acordo de Quotistas da Gemini – sociedade da qual a Petrobras tem 40% das quotas, e uma empresa privada tem os outros 60% – é a mais perfeita prova da audácia dos espoliadores dos cofres públicos.
Simplesmente, entregaram o cartório nacional de produção e comercialização de Gás Natural Liquefeito (GNL) a uma multinacional de má reputação, e não se preocuparam nem mesmo em esconder a prova documental do crime, deixando-a registrada em tal Acordo.
A propósito, no prontuário da empresa escolhida para sócia da Petrobras, consta que ela foi multada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em R$ 2,3 bilhões por formação de cartel, agravado por um hediondo crime: fraudar licitações para superfaturar contra nossos miseráveis hospitais públicos. Maiores detalhes podem ser vistos no documento http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000551371270.pdf
Pior: o Acordo em questão – firmado no período em que Dilma Rousseff acumulava os cargos de Ministra de Minas e Energia e Presidenta do Conselho de Administração da Petrobras – deixou, para sempre, a Petrobras refém da sócia majoritária da Gemini, que poderá, inclusive, superfaturar contra a empresa a seu bel-prazer.
Para que ninguém tenha a ousadia de contestar as afirmativas acima, será demonstrado, a seguir, como a Sócia Majoritária poderá superfaturar contra a Gemini amparada no Acordo, cuja íntegra se encontra disponível no sitewww.maracutaiasnapetrobras.com
No item 3.2 (página 4 do Acordo) consta: “As Partes concordam que a Sociedade deverá (...) contratar a (Sócia Majoritária) ou Afiliada desta para a execução dos serviços de logística do fornecimento de gás natural liquefeito aos clientes da Sociedade, desde a planta de liquefação (...) até o ponto de entrega aos clientes, incluindo o transporte, o controle de estoques dos clientes, a definição e otimização das rotas de entrega, manutenção das carretas e tanques criogênicos e dos equipamentos utilizados na prestação de serviços aqui contemplados.”
No item 3.3 (página 5), o Acordo prevê a possibilidade de a Gemini contratar o fornecimento e/ou a prestação de serviços de outra empresa que não seja a Sócia Majoritária. Nesse caso, a Sociedade deverá providenciar a cotação de preços junto a “empresas idôneas”; e, em seguida submeter tal cotação à Sócia Majoritária.
Acontece que, em decorrência de uma flagrante malandragem, a Gemini só se livrará de ter a sua Sócia Majoritária como a prestadora de todos os serviços, se a Sócia abrir mão de seu direito. A malandragem é que a Sócia Majoritária poderá exercer o direito de preferência previsto no item 3.3.2 (página 6), a seguir transcrito:
“(A Sócia Majoritária), ou qualquer de suas Afiliadas, terá direito de preferência para o fornecimento e/ou a prestação de serviço à Sociedade (...) poderá, no prazo de 10 (dez) dias a contar do recebimento da notificação, notificar a Sociedade de que deseja igualar a melhor oferta para o fornecimento e/ou a prestação de serviço do item em questão, caso em que as partes se comprometem a (...) aprovar a contratação do fornecimento e/ou a prestação de serviço de tal item com a (Sócia Majoritária) ou qualquer de suas Afiliadas.”
Tomando como exemplo a prestação de serviços de transporte, serão apresentados, a seguir, dois fatos que demonstram porque o Acordo é altamente lesivo à Petrobras.
Primeiro: Passados mais de cinco anos de funcionamento da Gemini, a “sócia majoritária transportadora” que lhe presta serviços utiliza uma frota de várias dezenas de carretas especialmente fabricadas para transportar GNL. Por isso, ao se realizar uma concorrência para nova contratação, uma natural exigência impedirá qualquer disputa: o participante deverá possuir uma frota tão grande quanto a frota do transportador que ele pretende substituir. E, obviamente, não existe no mundo empresa que tenha, “na prateleira”, à espera de uma licitação, tamanha quantidade de tais carretas especiais.
Segundo: O direito de preferência, além de afugentar qualquer “empresa idônea” da farsa, possibilita a prática de imensos superfaturamentos contratualmente legais, levados a efeito pela detentora da preferência, conforme o hipotético caso abaixo.
Suponhamos que seja R$ 100 o preço justo de um determinado serviço para o qual haverá uma concorrência.
Basta que se faça uma combinação, de forma que um “concorrente amigo” vença a falsa disputa com o preço de R$ 300. A propósito, quem já participou de cartel sabe muito bem o que é um “concorrente amigo”.
A concretização da fraude se dará com o exercício do direito da preferência.
Em outras palavras, o detentor da preferência igualará seu preço ao do “concorrente amigo” que havia apresentado o mais baixo preço.
Assim, a detentora da preferência será contratada por R$ 300 para um serviço que vale R$ 100. E, o que é melhor: tudo contratualmente correto, conforme as regras estipuladas pelo fraudulento Acordo de Quotistas.
Sob outro aspecto, também merece atenção o seguinte fato estranho nesse Acordo de Quotistas: ele foi firmado em 29 de janeiro de 2004, enquanto a Gemini teve seu ato de constituição registrado na Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro em 12 de julho de 2004, e somente em 21 de outubro de 2004 a Diretoria Executiva da Petrobras aprovou a participação da empresa na sociedade.
Uma palavra final: conforme se vê nas discussões relativas à PEC 37, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal estão travando uma dura disputa a respeito de poderes investigatórios. Estranhamente, nenhum dos dois órgãos se dispôs a investigar este fraudulento Acordo de Quotistas, que já deu e tem tudo para continuar dando incomensuráveis prejuízos à combalida Petrobras. Assim sendo, só resta ao Brasil ver sua maior empresa submetida a uma rapinagem consentida.
João Vinhosa é Engenheiro - joaovinhosa@hotmail.com
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