Ateísmo e ética
Ateísmo e Ética
Embora exista um consenso geral em relação à correlação positiva entre educação e Ateísmo (documentada nas referências do meu artigo anterior), a maior parte das pessoas desconhece que os dados também demonstram uma correlação positiva entre Ateísmo e comportamento ético.
Eu já sabia que havia menor percentagem de Ateus nas cadeias que na sociedade (embora isso também se pudesse dever ao factor educação que referi no meu artigo anterior), e também sabia que nos EUA um estudo verificou que a percentagem de Ateus entre as pessoas apanhadas a fugir aos impostos é menor que a do resto da sociedade (vi isto num documentário no BBC prime), além de que já tinha essa ideia intuitiva.
Mas NESTA referência (a mesma do meu artigo anterior), cheia de estudos científicos devidamente referenciados, as conclusões são muito claras e esse respeito, e desfazem todas as dúvidas. Vou traduzir parte:
"De acordo com a revista Skeptic vol.6 #2 1998, em vários estudos, há uma correlação negativa entre teísmo e moralidade. De acordo com o estudo de 1934 de Franzblau, há uma correlação negativa entre religiosidade e honestidade. O estudo de 18950 de Ross 50 mostra que ateus e agnósticos mais facilmente mostram a sua vontade de ajudar os pobres que os profundamente religiosos. Em 1969, Hirschi e Stark não encontraram relação entre a probabilidade de uma criança desrespeitar uma lei e o facto de frequentar ou não a igreja."
Creio que esta correlação entre comportamento ético e Ateísmo se deve principalmente à correlação entre educação e comportamento ético. Devido à correlação exposta no meu artigo anterior entre Ateísmo e educação, estabelece-se assim uma correlação entre ateísmo e comportamento ético. Creio que esta é a razão principal, mas duvido que seja a única.
Eu já sabia que havia menor percentagem de Ateus nas cadeias que na sociedade (embora isso também se pudesse dever ao factor educação que referi no meu artigo anterior), e também sabia que nos EUA um estudo verificou que a percentagem de Ateus entre as pessoas apanhadas a fugir aos impostos é menor que a do resto da sociedade (vi isto num documentário no BBC prime), além de que já tinha essa ideia intuitiva.
Mas NESTA referência (a mesma do meu artigo anterior), cheia de estudos científicos devidamente referenciados, as conclusões são muito claras e esse respeito, e desfazem todas as dúvidas. Vou traduzir parte:
"De acordo com a revista Skeptic vol.6 #2 1998, em vários estudos, há uma correlação negativa entre teísmo e moralidade. De acordo com o estudo de 1934 de Franzblau, há uma correlação negativa entre religiosidade e honestidade. O estudo de 18950 de Ross 50 mostra que ateus e agnósticos mais facilmente mostram a sua vontade de ajudar os pobres que os profundamente religiosos. Em 1969, Hirschi e Stark não encontraram relação entre a probabilidade de uma criança desrespeitar uma lei e o facto de frequentar ou não a igreja."
Creio que esta correlação entre comportamento ético e Ateísmo se deve principalmente à correlação entre educação e comportamento ético. Devido à correlação exposta no meu artigo anterior entre Ateísmo e educação, estabelece-se assim uma correlação entre ateísmo e comportamento ético. Creio que esta é a razão principal, mas duvido que seja a única.
João Vasco
A moral atéia
por José Nivaldo Cordeiro
Ukrainian - Clube Cético
Pontuando o texto escrito por Roberto Gomes de Aguiar Veiga (“Ateísmo, liberalismo e moral”), parece-me que parte das respostas foi dada nos textos subseqüentes que escrevi. De qualquer formar, seguem aqui mais alguns argumentos.
1- Não há uma incoerência no fato de alguém ser ao mesmo tempo liberal e ateu. De fato, o liberalismo é caudatário dos valores do cristianismo. Não posso discordar da afirmação. O liberalismo é a forma mais light de ateísmo.
2- Mas não há uma incompatibilidade entre a moral ateísta e a moral do liberalismo, que é baseada em grande parte em valores cristãos? Aqui se coloca a questão do fundamento da moral. Para os religiosos, e não apenas os cristãos, a moral está fundada na Revelação. Para o liberal ateu, na sua consciência íntima. Ora, sem um referencial fixo, não há como não cair no relativismo e, partir dele, no descenso moral. Os que têm referencial religioso não têm nenhuma dúvida de comportamento, pois ele vem da tradição. Os que não têm uma tradição, têm que criá-la. Liberais ateus imersos no meio cristão tendem a copiar seus costumes, mas não necessariamente. Ateísmo, de qualquer espécie, é relativismo moral.
3- Mas afinal de contas, o que é um ateu? Pergunta pertinente, que creio já ter sido respondida, mas não custa insistir. Ateísmo é uma forma de paganismo, que no universo cristão é conhecido como satanismo. Há os grandes ateus, como Nietzsche, Marx, Lênin, Gramsci. São os verdadeiros sacerdotes do ateísmo, seguidos por milhões de pessoas, muitas vezes sem o saber. Fundaram correntes de opinião que, em muitos países, como o nosso, formam uma sólida maioria política. Não se nega impunemente a tradição religiosa, pois necessariamente se cai no campo oposto. Um ateu, isolado, pode levar uma vida tranqüila, em paz com a sua consciência. Já quando se formam maiorias com força política tendem a moldar as leis e os costumes. É o caso do aborto, da família, do casamento, do homossexualismo e toda a chamada pauta progressista que vemos, a cada dia, “avançar”. Uma pessoa pia não tem como ter uma existência de acordo com os seus valores, pois abrir a janela ou ligar a tv equivale é ter que presenciar tudo aquilo que abomina e não deseja para os seus. Os ateus menores são seguidores, muitas vezes não sabendo bem porque o fazem.
4- E o que justifica a não crença em Deus? Em primeiro lugar, a crença no seu oposto. As seitas satânicas de todos os tipos prosperaram em nosso mundo como nunca. Em segundo, um orgulho desmesurado do indivíduo, combinado com uma ignorância abissal do que seja o religioso. Por isso que as ciências foram colocadas como uma religião substituta para muitos. Em terceiro, uma cegueira espiritual causada pela quebra do elo com a tradição. No meu caso, até os meus trinta anos eu me declarava orgulhosamente ateu, um atestado de ignorância que eu passava sob o manto mal escondido de um enorme complexo de superioridade. Em quarto, a falta de vivência com alguma experiência com o sagrado: não há ouvidos para ouvir nem olhos para ver. Em quinto, um infantilismo com as coisas séries típicas de sociedades sem tradição. As pessoas são como que crianças e não querem amadurecer.
5- Mas sem o temor a Deus, o ateu não tende ao comportamento imoral? Essa é uma maneira de colocar a questão. A outra, que prefiro, é: sem o conhecimento de Deus, o ateu tende ao comportamento imoral? Sim, definitivamente sim. Sobretudo quando falamos dos comportamentos de massa. Alguns, mais burros ou mais cínicos, atribuem, por exemplo, os malefícios das drogas proibidas ao fato de serem proibidas. Ora, na prática não há proibição, pelo menos aquela que se esperaria eficiente. Quem quiser se drogar pode fazê-lo facilmente, a um custo competitivo. A proibição formal é ainda a última concessão que o vício faz à virtude. No mais, quem quiser fumar, fuma; quem quer cheirar, cheira, etc. O mesmo vale para as práticas sexuais. As clínicas de massagens em cada esquina, os sexshop, os classificados de todos os jornais não me deixam metir. Navios dionisíacos de homossexuais singram os mares. Orgias são anunciadas como um carnaval fora de época. Fala-se até em crise no mercado da prostituição, em face da concorrência “oficial”, que fez desabar os preços. É assim.
6- A militância ateísta é um perigo para o Ocidente? É evidente. Tirar as pessoas do bom caminho nunca produziu algo de bom, só ampliou o mal. O simples fato de eu ter escrito algumas linhas sobre o tema mostrou o quanto é forte a militância ateísta. Até a nota do autor pode ser uma prova do que essa militância pode fazer.
7- Por que se associa tanto o ateísmo ao comunismo? Porque o comunismo será talvez a mais bem sucedida forma que o ateísmo assumiu. Conquistou Estados e impérios, conquistou multidões, a despeito de todo o mal registrado pelos seus seguidores.
1- Não há uma incoerência no fato de alguém ser ao mesmo tempo liberal e ateu. De fato, o liberalismo é caudatário dos valores do cristianismo. Não posso discordar da afirmação. O liberalismo é a forma mais light de ateísmo.
2- Mas não há uma incompatibilidade entre a moral ateísta e a moral do liberalismo, que é baseada em grande parte em valores cristãos? Aqui se coloca a questão do fundamento da moral. Para os religiosos, e não apenas os cristãos, a moral está fundada na Revelação. Para o liberal ateu, na sua consciência íntima. Ora, sem um referencial fixo, não há como não cair no relativismo e, partir dele, no descenso moral. Os que têm referencial religioso não têm nenhuma dúvida de comportamento, pois ele vem da tradição. Os que não têm uma tradição, têm que criá-la. Liberais ateus imersos no meio cristão tendem a copiar seus costumes, mas não necessariamente. Ateísmo, de qualquer espécie, é relativismo moral.
3- Mas afinal de contas, o que é um ateu? Pergunta pertinente, que creio já ter sido respondida, mas não custa insistir. Ateísmo é uma forma de paganismo, que no universo cristão é conhecido como satanismo. Há os grandes ateus, como Nietzsche, Marx, Lênin, Gramsci. São os verdadeiros sacerdotes do ateísmo, seguidos por milhões de pessoas, muitas vezes sem o saber. Fundaram correntes de opinião que, em muitos países, como o nosso, formam uma sólida maioria política. Não se nega impunemente a tradição religiosa, pois necessariamente se cai no campo oposto. Um ateu, isolado, pode levar uma vida tranqüila, em paz com a sua consciência. Já quando se formam maiorias com força política tendem a moldar as leis e os costumes. É o caso do aborto, da família, do casamento, do homossexualismo e toda a chamada pauta progressista que vemos, a cada dia, “avançar”. Uma pessoa pia não tem como ter uma existência de acordo com os seus valores, pois abrir a janela ou ligar a tv equivale é ter que presenciar tudo aquilo que abomina e não deseja para os seus. Os ateus menores são seguidores, muitas vezes não sabendo bem porque o fazem.
4- E o que justifica a não crença em Deus? Em primeiro lugar, a crença no seu oposto. As seitas satânicas de todos os tipos prosperaram em nosso mundo como nunca. Em segundo, um orgulho desmesurado do indivíduo, combinado com uma ignorância abissal do que seja o religioso. Por isso que as ciências foram colocadas como uma religião substituta para muitos. Em terceiro, uma cegueira espiritual causada pela quebra do elo com a tradição. No meu caso, até os meus trinta anos eu me declarava orgulhosamente ateu, um atestado de ignorância que eu passava sob o manto mal escondido de um enorme complexo de superioridade. Em quarto, a falta de vivência com alguma experiência com o sagrado: não há ouvidos para ouvir nem olhos para ver. Em quinto, um infantilismo com as coisas séries típicas de sociedades sem tradição. As pessoas são como que crianças e não querem amadurecer.
5- Mas sem o temor a Deus, o ateu não tende ao comportamento imoral? Essa é uma maneira de colocar a questão. A outra, que prefiro, é: sem o conhecimento de Deus, o ateu tende ao comportamento imoral? Sim, definitivamente sim. Sobretudo quando falamos dos comportamentos de massa. Alguns, mais burros ou mais cínicos, atribuem, por exemplo, os malefícios das drogas proibidas ao fato de serem proibidas. Ora, na prática não há proibição, pelo menos aquela que se esperaria eficiente. Quem quiser se drogar pode fazê-lo facilmente, a um custo competitivo. A proibição formal é ainda a última concessão que o vício faz à virtude. No mais, quem quiser fumar, fuma; quem quer cheirar, cheira, etc. O mesmo vale para as práticas sexuais. As clínicas de massagens em cada esquina, os sexshop, os classificados de todos os jornais não me deixam metir. Navios dionisíacos de homossexuais singram os mares. Orgias são anunciadas como um carnaval fora de época. Fala-se até em crise no mercado da prostituição, em face da concorrência “oficial”, que fez desabar os preços. É assim.
6- A militância ateísta é um perigo para o Ocidente? É evidente. Tirar as pessoas do bom caminho nunca produziu algo de bom, só ampliou o mal. O simples fato de eu ter escrito algumas linhas sobre o tema mostrou o quanto é forte a militância ateísta. Até a nota do autor pode ser uma prova do que essa militância pode fazer.
7- Por que se associa tanto o ateísmo ao comunismo? Porque o comunismo será talvez a mais bem sucedida forma que o ateísmo assumiu. Conquistou Estados e impérios, conquistou multidões, a despeito de todo o mal registrado pelos seus seguidores.
Ukrainian - Clube Cético
Ateísmo Existencialista
O existencialismo de Sartre
O existencialismo de Sartre é um projecto ambicioso: a interpretação total do mundo. Baseado principalmente na fenomenologia de Husserl e em 'Ser e Tempo' de Heidegger, o existencialismo sartriano procura explicar todos os aspectos da experiência humana. A maior parte deste projeto está sistematizada em seus dois grandes livros filosóficos: "O ser e o nada" e "Crítica da razão dialética".
O Em-si
Segundo a fenomenologia e o existencialismo, o mundo é povoado de seres Em-si. Podemos entender um Em-si como qualquer objeto existente no mundo e que possui uma essência definida. Uma caneta, por exemplo, é um objeto criado para suprir uma necessidade: a escrita. Para criá-lo, parte-se de uma ideia que é concretizada, e o objeto construído enquadra-se nessa essência prévia. Um ser Em-si não tem potencialidades nem consciência de si ou do mundo. Ele apenas é. Os objetos do mundo apresentam-se à consciência humana através das suas manifestações físicas (fenómenos).
O Para-si
A consciência humana é um tipo diferente de ser, por possuir conhecimento a seu próprio respeito e a respeito do mundo. É uma forma diferente de ser, chamada Para-si. É o Para-si que faz as relações temporais e funcionais entre os seres Em-si e ao fazer isso constrói um sentido para o mundo em que vive. O Para-si não tem uma essência definida. Ele não é resultado de uma idéia pré-existente. Como o existencialismo sartriano é ateu, ele não admite a existência de um criador que tenha predeterminado a essência e os fins de cada pessoa. É preciso que o Para-si exista, e durante essa existência ele define, a cada momento o que é sua essência. Cada pessoa só tem como essência imutável, aquilo que já viveu. Posso saber que o que fui se definiu por algumas características ou qualidades, bem como pelos atos que já realizei, mas tenho a liberdade de mudar minha vida deste momento em diante. Nada me compele a manter esta essência, que só é conhecida em retrospecto. Podemos afirmar que meu ser passado é um Em-si, possui uma essência conhecida, mas essa essência não é predeterminada. Ela só existe no passado. Por isso se diz no existencialismo que "a existência precede e governa a essência". Por esta mesma razão cada Para-si tem a liberdade de fazer de si o que quiser.
A liberdade
Em decorrência disso, uma das afirmações mais conhecidas de Sartre é que o ser humano está condenado à liberdade. Isso significa que cada pessoa pode a cada momento escolher o que fará de sua vida, sem que haja um destino previamente concebido. Ao invés disso, as escolhas de cada um são direcionadas por projetos. Há vários tipos de projeto, como escrever um artigo na Wikipedia ou comprar uma casa, mas Sartre considerava que todas as pessoas são movidas por um projeto fundamental, o projeto de auto-realização, da transcendência. Todos temos o sonho de sermos pessoas que já realizaram todas as suas potencialidades, todos os projetos. Um ser que realizou tudo o que podia esgota suas potencialidades, torna-se um Em-si. Isso pode acontecer, por exemplo quando morremos. Nesse momento a consciência deixa de existir, e nos tornamos um ser de essência conhecida, completo e acabado. Mas a morte é uma contingência, algo que acontece sem que possamos evitar e impede a concretização de nossos projetos. Não é a morte a transcendência desejada. Sartre nos diz que o projeto fundamental é tornar-se um ser que já realizou tudo, mas preserva sua consciência, um ser Em-si-Para-si. Tal ser corresponde à noção que temos de Deus, um ser completo, sem limitações e com todas as suas potencialidades já realizadas, mas ainda consciente de si e do mundo. Em outras palavras, para Sartre, o homem é um ser que "projeta tornar-se Deus".
A liberdade é que torna possível escolher dentre todas as alternativas possíveis, aquela que vai nos levar a um caminho mais curto em direção ao projeto fundamental. Obviamente as pessoas estão sujeitas a limitações e contingências. Ela não pode sobrepujar seu limite físico e escolher que a partir de agora pode voar, mas pode agir, apesar destas limitações. Sartre explica que isso não diminui a liberdade. Pelo contrário, são as limitações que tornam a liberdade possível, pois se pudéssemos realizar instantaneamente qualquer coisa que quiséssemos, nós estaríamos no universo do sonho. No mundo real, são as limitações que me impõem escolhas. Mesmo um homem preso a uma cama pode ter a liberdade de querer se curar e andar. Esta é, para Sartre, a verdadeira liberdade da qual nenhum homem pode escapar: "não é a liberdade de realização, mas a liberdade de eleição". O importante não é o que o mundo faz de você, mas o que você faz com aquilo que o mundo fez de você. Uma conhecida fala de Sartre sobre a liberdade é esta:" Uma vez que a liberdade explode no peito de um homem, contra este homem nada mais podem os deuses"
A responsabilidade
Cada escolha carrega consigo uma responsabilidade. Se escolho ir a algum lugar, falar alguma coisa, escrever um artigo, tenho que ter consciência de que qualquer conseqüência desses atos terá sido resultado de minha própria escolha. E cada escolha ao ser posta em ação provoca mudanças no mundo que não podem ser desfeitas. Não posso, segundo o existencialismo, atribuir a responsabilidade por estes atos a nenhuma força externa, ao destino ou a Deus. Em cada momento, diante de cada escolha que faço, torno-me responsável não só por mim, mas por toda a humanidade. E faço isso por minha própria escolha, para que o mundo se torne mais como eu o projetei. Eis a essência da responsabilidade segundo os existencialistas: eu, por minha vontade e escolha ajo no mundo e afeto o mundo todo. É uma responsabilidade da qual não podemos fugir. Ser livre também tem que ser responsável, liberdade so dá certo quando o indivíduo age com responsabilidade.
A angústia
A responsabilidade por todo o mundo é um fardo pesado para qualquer pessoa. A angústia existencial decorre da consciência de que são as escolhas dessa pessoa que definem o que ela é ou se tornará. E também por saber que estas escolhas podem afetar, de maneira irreparável, o próprio mundo. A "angústia" decorre portanto, da consciência da liberdade e do receio de usar essa liberdade de forma errada.
É muito mais fácil acreditar que existe um plano, um propósito no universo, e que nossos atos são guiados por uma mão invisível em direção a esse propósito. Neste caso, meus atos não seriam responsabilidade minha, mas apenas o meu papel em um roteiro maior. Mas Sartre nos dá mais um de seus conceitos em oposição a essa crença: Não há um propósito ou um destino universal. E o homem diante desta constatação se desalenta. O desalento é a constatação de que nada fora de nós define nosso próprio futuro. Apenas nossa liberdade.
O existencialismo de Sartre é um projecto ambicioso: a interpretação total do mundo. Baseado principalmente na fenomenologia de Husserl e em 'Ser e Tempo' de Heidegger, o existencialismo sartriano procura explicar todos os aspectos da experiência humana. A maior parte deste projeto está sistematizada em seus dois grandes livros filosóficos: "O ser e o nada" e "Crítica da razão dialética".
O Em-si
Segundo a fenomenologia e o existencialismo, o mundo é povoado de seres Em-si. Podemos entender um Em-si como qualquer objeto existente no mundo e que possui uma essência definida. Uma caneta, por exemplo, é um objeto criado para suprir uma necessidade: a escrita. Para criá-lo, parte-se de uma ideia que é concretizada, e o objeto construído enquadra-se nessa essência prévia. Um ser Em-si não tem potencialidades nem consciência de si ou do mundo. Ele apenas é. Os objetos do mundo apresentam-se à consciência humana através das suas manifestações físicas (fenómenos).
O Para-si
A consciência humana é um tipo diferente de ser, por possuir conhecimento a seu próprio respeito e a respeito do mundo. É uma forma diferente de ser, chamada Para-si. É o Para-si que faz as relações temporais e funcionais entre os seres Em-si e ao fazer isso constrói um sentido para o mundo em que vive. O Para-si não tem uma essência definida. Ele não é resultado de uma idéia pré-existente. Como o existencialismo sartriano é ateu, ele não admite a existência de um criador que tenha predeterminado a essência e os fins de cada pessoa. É preciso que o Para-si exista, e durante essa existência ele define, a cada momento o que é sua essência. Cada pessoa só tem como essência imutável, aquilo que já viveu. Posso saber que o que fui se definiu por algumas características ou qualidades, bem como pelos atos que já realizei, mas tenho a liberdade de mudar minha vida deste momento em diante. Nada me compele a manter esta essência, que só é conhecida em retrospecto. Podemos afirmar que meu ser passado é um Em-si, possui uma essência conhecida, mas essa essência não é predeterminada. Ela só existe no passado. Por isso se diz no existencialismo que "a existência precede e governa a essência". Por esta mesma razão cada Para-si tem a liberdade de fazer de si o que quiser.
A liberdade
Em decorrência disso, uma das afirmações mais conhecidas de Sartre é que o ser humano está condenado à liberdade. Isso significa que cada pessoa pode a cada momento escolher o que fará de sua vida, sem que haja um destino previamente concebido. Ao invés disso, as escolhas de cada um são direcionadas por projetos. Há vários tipos de projeto, como escrever um artigo na Wikipedia ou comprar uma casa, mas Sartre considerava que todas as pessoas são movidas por um projeto fundamental, o projeto de auto-realização, da transcendência. Todos temos o sonho de sermos pessoas que já realizaram todas as suas potencialidades, todos os projetos. Um ser que realizou tudo o que podia esgota suas potencialidades, torna-se um Em-si. Isso pode acontecer, por exemplo quando morremos. Nesse momento a consciência deixa de existir, e nos tornamos um ser de essência conhecida, completo e acabado. Mas a morte é uma contingência, algo que acontece sem que possamos evitar e impede a concretização de nossos projetos. Não é a morte a transcendência desejada. Sartre nos diz que o projeto fundamental é tornar-se um ser que já realizou tudo, mas preserva sua consciência, um ser Em-si-Para-si. Tal ser corresponde à noção que temos de Deus, um ser completo, sem limitações e com todas as suas potencialidades já realizadas, mas ainda consciente de si e do mundo. Em outras palavras, para Sartre, o homem é um ser que "projeta tornar-se Deus".
A liberdade é que torna possível escolher dentre todas as alternativas possíveis, aquela que vai nos levar a um caminho mais curto em direção ao projeto fundamental. Obviamente as pessoas estão sujeitas a limitações e contingências. Ela não pode sobrepujar seu limite físico e escolher que a partir de agora pode voar, mas pode agir, apesar destas limitações. Sartre explica que isso não diminui a liberdade. Pelo contrário, são as limitações que tornam a liberdade possível, pois se pudéssemos realizar instantaneamente qualquer coisa que quiséssemos, nós estaríamos no universo do sonho. No mundo real, são as limitações que me impõem escolhas. Mesmo um homem preso a uma cama pode ter a liberdade de querer se curar e andar. Esta é, para Sartre, a verdadeira liberdade da qual nenhum homem pode escapar: "não é a liberdade de realização, mas a liberdade de eleição". O importante não é o que o mundo faz de você, mas o que você faz com aquilo que o mundo fez de você. Uma conhecida fala de Sartre sobre a liberdade é esta:" Uma vez que a liberdade explode no peito de um homem, contra este homem nada mais podem os deuses"
A responsabilidade
Cada escolha carrega consigo uma responsabilidade. Se escolho ir a algum lugar, falar alguma coisa, escrever um artigo, tenho que ter consciência de que qualquer conseqüência desses atos terá sido resultado de minha própria escolha. E cada escolha ao ser posta em ação provoca mudanças no mundo que não podem ser desfeitas. Não posso, segundo o existencialismo, atribuir a responsabilidade por estes atos a nenhuma força externa, ao destino ou a Deus. Em cada momento, diante de cada escolha que faço, torno-me responsável não só por mim, mas por toda a humanidade. E faço isso por minha própria escolha, para que o mundo se torne mais como eu o projetei. Eis a essência da responsabilidade segundo os existencialistas: eu, por minha vontade e escolha ajo no mundo e afeto o mundo todo. É uma responsabilidade da qual não podemos fugir. Ser livre também tem que ser responsável, liberdade so dá certo quando o indivíduo age com responsabilidade.
A angústia
A responsabilidade por todo o mundo é um fardo pesado para qualquer pessoa. A angústia existencial decorre da consciência de que são as escolhas dessa pessoa que definem o que ela é ou se tornará. E também por saber que estas escolhas podem afetar, de maneira irreparável, o próprio mundo. A "angústia" decorre portanto, da consciência da liberdade e do receio de usar essa liberdade de forma errada.
É muito mais fácil acreditar que existe um plano, um propósito no universo, e que nossos atos são guiados por uma mão invisível em direção a esse propósito. Neste caso, meus atos não seriam responsabilidade minha, mas apenas o meu papel em um roteiro maior. Mas Sartre nos dá mais um de seus conceitos em oposição a essa crença: Não há um propósito ou um destino universal. E o homem diante desta constatação se desalenta. O desalento é a constatação de que nada fora de nós define nosso próprio futuro. Apenas nossa liberdade.
A má-fé
Segundo Sartre, a má-fé é uma defesa contra a angústia e o desalento, mas uma defesa equivocada. Pela má-fé renunciamos à nossa própria liberdade, fazendo escolhas que nos afastam do projeto fundamental, atribuindo conformadamente estas escolhas a fatores externos, ao destino, a Deus, aos astros, a um plano sobre humano. Sartre também considerava a idéia freudiana de inconsciente como um exemplo de má-fé.
Segundo Sartre, a má-fé é uma defesa contra a angústia e o desalento, mas uma defesa equivocada. Pela má-fé renunciamos à nossa própria liberdade, fazendo escolhas que nos afastam do projeto fundamental, atribuindo conformadamente estas escolhas a fatores externos, ao destino, a Deus, aos astros, a um plano sobre humano. Sartre também considerava a idéia freudiana de inconsciente como um exemplo de má-fé.
Ma-fé, no existencialismo, não é mentir para outras pessoas, mas mentir para si mesmo e permitir-se fugir de sua própria auto-determinação.
Quando Sartre refere-se à má-fé, ele o faz no sentido de que a mesma compreende mentir para si próprio. Porém, o fato de não utilizá-la leva o indivíduo à angústia uma vez que ele não mente mais para si, tendo consciência de que tudo aquilo que lhe ocorrera em vida é atribuído às suas escolhas, somadas evidentemente às suas limitações naturais, socilógicas, econômicas, históricas e culturais. Assim, não há como responsabilizar o destino ou qualquer providência divina pelos acontecimentos de sua vida. Diria Sartre: "Estamos sós e sem desculpas".
Ao abandonar a má-fé, o homem passa a viver em angústia, pois ele deixa de se enganar. Esta passagem do estado de má-fé para a o de angústia é extremamente importante para que o sujeito possa encontrar sua liberdade no âmbito metafísico.
Sartre e Kant: convergências
Immanuel Kant afirma que o ser racional tem a causalidade na vontade da mesma maneira como nos irracionais é a necessidade natural. Isso porém não serve para demonstrar a essência da liberdade do ser racional (Fundamentos da Metafísica dos Costumes, p. 101). Partindo da física mecânica onde a relação causa-conseqüência é dado universal, a vontade autônoma seria a causa, e a liberdade, a conseqüência. Assim, a vontade está submetida à lei moral ou o imperativo categórico, e, desta forma Kant, define sua máxima "age de modo que a máxima de tua vontade possa valer sempre, ao mesmo tempo, como princípio de legislação universal" tornando o dever uma possibilbidade. Num hipotético diálogo entre Sartre e Kant, o pensador francês diria ser mera ilusão a natureza humana, pois o homem é projeto inacabado de si mesmo, inserido num mundo absurdo e fadado a uma condição intransponível: ser livre! Partindo disso, deve-se entender que o ser livre é condição universal humana e esta condição não resulta em outra coisa senão o querer, sujeito livre, almejar a liberdade de todos os homens. Ambos colocam o ser humano na condição de sujeitos que não podem agir em conformidade com a má-fé, seja pelo dever ou pela liberdade.´´ O inferno são os outros``
Críticas ao existencialismo sartriano
O existencialismo ateu de Sartre, por sua natureza avessa aos dogmas da igreja e da moral constituída, atraiu muitos grupos que viam na defesa da liberdade e da vida autêntica um endosso à vida desregrada - obviamente, por um erro na compreensão do que há de essencial na concepção de liberdade elaborada pelo filósofo francês. Por razões semelhantes foi vista por muitos como uma filosofia nociva aos valores da sociedade e à manutenção da ordem. Seria uma filosofia contra a humanidade. Esta é uma das razões porque toda a obra de Sartre foi incluída no Index de obras proibidas pela Igreja Católica.
Sartre responde a isso na conferência "O existencialismo é um humanismo" em que afirma que o existencialismo não pode ser refúgio para os que procuram o escândalo, a inconseqüência e a desordem. O movimento, segundo este texto, não defende o abandono da moral, mas a coloca em seu devido lugar: na responsabilidade individual de cada pessoa. O existencialismo prega uma moral laica em que nossas escolhas não são determinadas pelo medo da punição divina, mas pela consciência de nossa responsabilidade.
No meio acadêmico, o existencialismo foi criticado por tratar exclusivamente de questões ontológicas, e por sua defesa da auto-determinação. O existencialismo seria uma filosofia excessivamente preocupada com o indivíduo, sem levar em conta os fatores sócio-econômicos, culturais e os movimentos históricos coletivos que, segundo o marxismo e o estruturalismo, determinam as escolhas e diminuem a liberdade individual.
Em resposta a esta crítica, Sartre fez alterações ao seu sistema, e escreveu "A crítica da razão dialética" como tentativa de compatibilizar o existencialismo ao marxismo. Dos dois tomos planejados, apenas o primeiro foi publicado em vida em 1960. O segundo tomo, inacabado, foi publicado postumamente. Neste texto, afirma que "o marxismo é a filosofia insuperável de nosso tempo", e admite que enquanto a humanidade estiver limitada por leis de mercado e pela busca da sobrevivência imediata, a liberdade individual não poderia ser totalmente alcançada.
Não se pode negar sua duradoura influência sobre os mais variados ramos do conhecimento humano. Por ser muito voltado à discussão de aspectos formadores da personalidade humana, o existencialismo exerceu influência na psicologia de Carl Rogers, Fritz Perls, R. D. Laing e Rollo May. Na literatura, influenciou a poesia da Geração Beat, cujos maiores expoentes foram Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William S. Burroughs, além dos dramaturgos do chamado Teatro do absurdo. Sartre prova sua relevância até na TV contemporânea, onde o cultuado produtor Joss Whedon costuma inserir o existencialismo em seus projetos Buffy, a Caça Vampiros, Angel e Firefly - o que, através da repetição descontextualizada dos jargões existencialistas, acaba por contribuir para a incompreensão e reforça preconceitos já existentes. Através de suas contribuições à arte, Sartre conseguiu inserir a filosofia na vida das pessoas comuns. Esta continua a ser sua maior contribuição à cultura mundial.
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