09/06/2013
às 18:00 \ Política & Cia Lya Luft: Brasileiro bonzinho? Na verdade, estamos indefesos e apavorados
Artigo publicado em edição impressa de VEJA
BRASILEIRO BONZINHO?
Tempos atrás, num programa cômico de televisão, uma jovem americana radicada no Brasil, a cada comentário sobre violência ou malandragem neste país, pronunciava com muita graça: “Brasileiro bonzinho!”. E a gente se divertia.
Hoje nos sentiríamos insultados, pois não somos bonzinhos nem sequer civilizados. O crime se tornou banal, a vida vale quase nada. Poucos de meus conhecidos não foram assaltados ou não conhecem alguém assaltado: ser assaltado é quase natural – não só em bairros ditos perigosos ou nas grandes cidades, mas também no interior se perdeu a velha noção de bucolismo e segurança.
Em São Paulo, só para dar um exemplo, os arrastões são tão comuns que em alguns restaurantes o cliente é recebido por dois ou quatro seguranças fortemente armados, com colete à prova de bala, que o acompanham olhando para os lados – atentos como em séries criminais americanas. Quem, nessas condições, ainda se arrisca a esta coisa tão normal e divertida, comer fora?
Pessoas inocentes são chacinadas: vemos protestos, manifestações, choro e imprensa no cemitério, mas nada compensará o desespero das famílias ou pessoas destroçadas, cujo número não para de crescer. Em nossas ruas não se vê um só policial, daqueles que poucos anos atrás andavam em nossas calçadas. A gente até os cumprimentava com certo alívio. Não sei onde foram parar, em que trabalho os colocaram, nem por que desapareceram. Mas sumiram.
Morar em casa é considerado loucura, a não ser em alguns condomínios, e mesmo nesses o crime controla o porteiro, entra, rouba, maltrata, mata. Recomenda-se que moremos em edifícios: “mais seguros”, seria a ideia. Mas, mesmo nos edifícios, nem pensar, a não ser com boa portaria, ou será alto risco, diz a própria polícia, aconselhando ainda porteiros preparados e instruídos para proteger dentro do possível nossos lares agora precários.
Somos uma geração assustada, desamparada, confinada, gradeada – parece sonho que há não tanto tempo fosse natural morar em casa, a casa não ter cerca, a meninada brincar na calçada; e não morávamos em ilhas longínquas de continentes remotos, mas aqui mesmo, em bairros de cidades normais. Éramos gente “normal”.
Hoje, a população, apavorada, está nas mãos de criminosos, frequentemente impunes. Na desorganização geral, presídios superlotados onde não se criariam porcos também abrigam pessoas inocentes ou que nunca foram julgadas.
A impunidade é tema de conversas cotidianas, leis atrasadas ou não cumpridas nos regem, e continua valendo a inacreditável lei de responsabilidade criminal só depois dos 18 anos. Jovens monstros, assassinos frios, sem remorso, drogados ou simplesmente psicopatas saem para matar e depois vão beber no bar, jogar na lan house, curtir o Facebook, com cara de bons meninos.
Num artifício semântico insensato e cruel, se apanhados, não os devemos chamar de assassinos: são infratores, mesmo que tenham violentado, torturado, matado. Não são presos, mas detidos em chamados centros socioeducativos.
E assim se quer disfarçar nosso incrível atraso em relação a países civilizados. No Canadá, Holanda e outros, a idade limite é de 12 anos; na Alemanha e outros, 14 anos. No Brasil, consideramos incapazes assassinos de 17 anos, onze meses e 29 dias.
Recentemente, um criminoso de 15 anos confessou tranquilamente ter matado doze pessoas. “Me deu vontade”, explicou, sem problema, e sorria. “Hoje a gente saiu a fim de matar”, comentou outro adolescentezinho, depois de assaltar, violentar e matar um jovem casal junto com outro comparsa.
Esses e muitos outros, caso estejam em uma dessas instituições em que se pretende educar e socializar indiscriminadamente psicopatas e infratores eventuais, logo estarão entre nós, continuando a matança. Quem assume a responsabilidade? Ninguém, pois estamos em uma guerra civil que autoridades não conseguem resolver, uma vez que nem a lei ajuda.
Estamos indefesos e apavorados, nas mãos do acaso. Até quando?
BRASILEIRO BONZINHO?
Tempos atrás, num programa cômico de televisão, uma jovem americana radicada no Brasil, a cada comentário sobre violência ou malandragem neste país, pronunciava com muita graça: “Brasileiro bonzinho!”. E a gente se divertia.
Hoje nos sentiríamos insultados, pois não somos bonzinhos nem sequer civilizados. O crime se tornou banal, a vida vale quase nada. Poucos de meus conhecidos não foram assaltados ou não conhecem alguém assaltado: ser assaltado é quase natural – não só em bairros ditos perigosos ou nas grandes cidades, mas também no interior se perdeu a velha noção de bucolismo e segurança.
Em São Paulo, só para dar um exemplo, os arrastões são tão comuns que em alguns restaurantes o cliente é recebido por dois ou quatro seguranças fortemente armados, com colete à prova de bala, que o acompanham olhando para os lados – atentos como em séries criminais americanas. Quem, nessas condições, ainda se arrisca a esta coisa tão normal e divertida, comer fora?
Pessoas inocentes são chacinadas: vemos protestos, manifestações, choro e imprensa no cemitério, mas nada compensará o desespero das famílias ou pessoas destroçadas, cujo número não para de crescer. Em nossas ruas não se vê um só policial, daqueles que poucos anos atrás andavam em nossas calçadas. A gente até os cumprimentava com certo alívio. Não sei onde foram parar, em que trabalho os colocaram, nem por que desapareceram. Mas sumiram.
Morar em casa é considerado loucura, a não ser em alguns condomínios, e mesmo nesses o crime controla o porteiro, entra, rouba, maltrata, mata. Recomenda-se que moremos em edifícios: “mais seguros”, seria a ideia. Mas, mesmo nos edifícios, nem pensar, a não ser com boa portaria, ou será alto risco, diz a própria polícia, aconselhando ainda porteiros preparados e instruídos para proteger dentro do possível nossos lares agora precários.
Somos uma geração assustada, desamparada, confinada, gradeada – parece sonho que há não tanto tempo fosse natural morar em casa, a casa não ter cerca, a meninada brincar na calçada; e não morávamos em ilhas longínquas de continentes remotos, mas aqui mesmo, em bairros de cidades normais. Éramos gente “normal”.
Hoje, a população, apavorada, está nas mãos de criminosos, frequentemente impunes. Na desorganização geral, presídios superlotados onde não se criariam porcos também abrigam pessoas inocentes ou que nunca foram julgadas.
A impunidade é tema de conversas cotidianas, leis atrasadas ou não cumpridas nos regem, e continua valendo a inacreditável lei de responsabilidade criminal só depois dos 18 anos. Jovens monstros, assassinos frios, sem remorso, drogados ou simplesmente psicopatas saem para matar e depois vão beber no bar, jogar na lan house, curtir o Facebook, com cara de bons meninos.
Num artifício semântico insensato e cruel, se apanhados, não os devemos chamar de assassinos: são infratores, mesmo que tenham violentado, torturado, matado. Não são presos, mas detidos em chamados centros socioeducativos.
E assim se quer disfarçar nosso incrível atraso em relação a países civilizados. No Canadá, Holanda e outros, a idade limite é de 12 anos; na Alemanha e outros, 14 anos. No Brasil, consideramos incapazes assassinos de 17 anos, onze meses e 29 dias.
Recentemente, um criminoso de 15 anos confessou tranquilamente ter matado doze pessoas. “Me deu vontade”, explicou, sem problema, e sorria. “Hoje a gente saiu a fim de matar”, comentou outro adolescentezinho, depois de assaltar, violentar e matar um jovem casal junto com outro comparsa.
Esses e muitos outros, caso estejam em uma dessas instituições em que se pretende educar e socializar indiscriminadamente psicopatas e infratores eventuais, logo estarão entre nós, continuando a matança. Quem assume a responsabilidade? Ninguém, pois estamos em uma guerra civil que autoridades não conseguem resolver, uma vez que nem a lei ajuda.
Estamos indefesos e apavorados, nas mãos do acaso. Até quando?
Tags: arrastões, assalto, assassinos, chacina, desorganização social, impunidade, Lya Luft, malandragem, responsabilidade criminal, violência
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