domingo, 22 de setembro de 2013



Detroit, a cidade quebrada
por , sábado, 3 de agosto de 2013


As lições a serem aprendidas com a falência de Detroit, uma cidade que já foi o exemplo cintilante do poderio industrial americano, estão sendo ignoradas pela mídia e por políticos mundo a fora.  Embora a espiral de morte da cidade do automóvel possa parecer extrema em relação às condições de outros governos, a diferença é apenas de grau, e não de organização.  A falência de Detroit é produto de uma combinação entre decadência produtiva, governos incompetentes, sindicatos agressivos e endividamento incontrolável. 
Como que para comprovar que políticos só pensam em contar mentiras reconfortantes para eleitores, o atual candidato a prefeito de Detroit, Tom Barrow, garantiu de maneira vigorosa que a crise fiscal da cidade não passa de pura ficção.  Em uma recente entrevista, ele descreveu uma conspiração de longo prazo entre forças do Partido Republicano e do setor privado para roubar os ativos dos cidadãos de Detroit, destruir os sindicatos e acabar com os direitos civis dos eleitores.  Detalhe: a cidade está sob inteiro controle do Partido Democrata desde o início da década de 1960.
Graças a anos de excessivos e generosos gastos governamentais, a cidade não possui hoje recursos para financiar nem mesmo os serviços mais básicos para sua população.  Não são poucos os que afirmam que Detroit é tão digna de socorro federal quanto aquelas cidades devastadas por desastres naturais, como furacões e terremotos.  A questão é que não há nada de "natural" no desastre fiscal de Detroit.
A verdadeira história de Detroit é que seus problemas, em vez de naturais, foram totalmente 'criados pelo homem', e podem ser resumidos em sete palavras: o setor privado construiu, o governo destruiu.  Essa é a manchete percuciente que infelizmente está ausente da cobertura midiática.
Na primeira metade do século XX, Detroit oferecia empregos industriais para aproximadamente 200.000 trabalhadores.  O efervescente mercado de trabalho fez com que a população da cidade crescesse para 1,8 milhão de pessoas até a década de 1950.  E os empregos não vieram de programas governamentais ou de "investimentos" públicos em educação e programas de treinamento; eles foram criados pela vitalidade do capitalismo americano, pela visão estratégica e voltada para o longo prazo de industrialistas, pela forte ética do trabalho da população, e pela relativa ausência de interferência do governo e dos sindicatos.  (As três grandes fabricantes de automóveis — GM, Ford e Chrysler — só começariam a lidar com o poderoso sindicato United Auto Workers em 1941).
Qualquer um que já teve o prazer de encontrar um carro americano clássico, como um Oldsmobile 8 Convesível de 1934 ou um Chrysler Town & Country de 1941, é capaz de entender por que Detroit prosperou da forma como prosperou.  Não apenas estes carros eram impressionantes obras de engenharia e de perícia profissional, como também eram surpreendentemente acessíveis para vários americanos de classe média.  A riqueza gerada pelos grandes fabricantes destes automóveis, bem como pela variedade de pequenos fabricantes que lhes forneciam peças e serviços, fluía para todas as classes de pessoas em Detroit, permitindo à cidade construir imponentes prédios e espaços cívicos, estabelecer instituições artísticas de nível internacional, e contribuir enormemente para as realizações culturais do país.
Porém, quando a cidade atingiu seu apogeu, toda a sua riqueza se tornou tentadora demais para as organizações sindicais e para todas as esferas de governo (federal, estadual, municipal).  Embora Detroit continuasse a produzir e a prosperar durante toda a década de 1950, foi na década de 1960, mais especificamente após a guerra do Vietnã, que ocorreu a inflexão da indústria automotiva e da cidade que a representava.  Não obstante a própria indústria automotiva ter a sua parcela de culpa — sua estrutura burocrática e sua arrogância míope a deixaram despreparadas para a concorrência estrangeira, o que certamente contribuiu para seu próprio declínio nos anos pós-guerra —, a real culpa deve ser atribuída diretamente aos sindicatos e ao governo.  Tendo de enfrentar o inabalável poder de uma força de trabalho monopolizada e protegida pela poderosa máquina política controlada pelo Partido Democrata, que comanda a cidade desde a década de 1960, as fabricantes de automóveis tiveram de aquiescer com seguidos aumentos salariais, com leis trabalhistas restritivas, e com generosas e crescentes pensões, o que inviabilizou totalmente sua capacidade de investimento.  Era simplesmente impossível sobreviver a esse conjunto de demandas.
Politicamente, a própria dinâmica eleitoral de uma cidade fortemente sindicalizada criou uma tempestade perfeita para Detroit.  Prefeitos e vereadores passaram a ser eleitos exclusivamente de acordo com sua capacidade de prometer cada vez mais benesses para os sindicatos e seus membros, os quais, obviamente, irrigavam seus políticos preferidos com nababescas doações de campanha.  E, embora as fabricantes fossem livres para apoiar os candidatos que quisessem, não havia como concorrer em número com os reais eleitores, que eram os sindicatos, os operários e suas famílias.  Como resultado, desde a década de 1960, Detroit passou a sofrer com gerações de governos corruptos e incompetentes financiados por sindicatos corruptos e incompetentes.  Ambos os lados não possuem a mais mínima compreensão de como sua cidade foi construída e de como as promessas que estavam fazendo para as gerações futuras jamais poderiam ser mantidas tão logo as indústrias sucumbissem sob a pesada mão da tributação, das regulações e da coerção sindical.
No final da década de 1950, a população caucasiana começou a sair da cidade, mudando-se para a região norte, acima da mítica 8 Mile (veja o filme homônimo com o rapper Eminem).  Os violentos distúrbios de 1967 intensificaram ainda mais este êxodo, o qual a mídia rotulou de "fuga dos brancos".  Em 1974, foi eleito o prefeito Coleman A. Young, com um forte discurso anti-brancos, que ficaria no poder por incríveis 20 anos e intensificaria ainda mais a "fuga dos brancos".  O legado de Young foi desastroso.  Durante seu reinado, a cidade foi imersa em inúmeros escândalos de corrupção ao mesmo tempo em que a administração, com sua retórica fortemente racial, foi criando um verdadeiro e profundo apartheid urbano.  Dentre os principais "feitos" de Young estão a adoção de políticas de ação afirmativa como critério padrão para se preencher empregos municipais; um departamento de polícia chafurdado em escândalos e ligado ao narcotráfico, o que culminou com o chefe de polícia indo para a cadeia; a terceirização de obras públicas exclusivamente para empresas formadas por minorias, independentemente de sua qualificação; e a imposição de que todas as empreiteiras que fizessem obras com dinheiro da prefeitura contratassem nativos de Detroit.
Tudo isso gerou um enorme êxodo populacional, o que encolheu ainda mais a base tributária.  Atualmente, a população de Detroit é de apenas 40% do que era em seu auge, e o número de empregos na indústria caiu 90%, para menos de 20.000.  Enquanto isso, a dívida municipal é de mais de US$18 bilhões, o que equivale a aproximadamente de US$25.000 por cidadão.  E isso em uma cidade em que menos da metade da população adulta está empregada e praticamente metade é formada por analfabetos funcionais. 
A cidade prometeu mais de US$3 bilhões para 20.000 pensionistas municipais (US$150.000 para cada um), um dinheiro que simplesmente não existe.  Kevin Orr, escolhido para administrar o processo de falência de Detroit, recentemente veio a público mostrar que a cidade gasta 38 cents de cada dólar de imposto com estes "custos herdados", e a previsão é que tal cifra irá crescer para 65 cents.  Isso significa simplesmente que não sobrou nenhum dinheiro para administrar a cidade.  E em vez de reconhecer estes problemas, os políticos de Detroit, bem como o atual candidato a prefeito, preferem apenas fingir que eles não existem.
A boa notícia é que as mesmas forças que construíram Detroit podem ajudar a reerguer a cidade, desde que deixadas livres para atuar.  Em primeiro lugar, Detroit tem de declarar moratória em sua dívida.  Isso significa que aqueles indivíduos que contavam com suas pensões nababescas, investidores que compraram títulos municipais e demais cidadãos comuns irão sofrer.  O governo municipal, por sua vez, se tornará totalmente indigno de crédito, o que significa que investidores não mais irão retirar dinheiro do setor produtivo para emprestar para a burocracia municipal.  Tão logo esse processo doloroso esteja completo, Detroit passará a apresentar várias vantagens.  Seus imóveis estarão inacreditavelmente baratos e a cidade terá uma mão-de-obra desesperada por trabalho.  Se o governo relaxar as regulamentações e as leis trabalhistas, cortar impostos, adotar uma linha dura com relação às táticas de intimidação dos sindicatos, e abolir o salário mínimo, empreendedores poderão vislumbrar ali uma oportunidade e voltar para a cidade.
Muito embora a indústria não possa oferecer os altos salários que oferecia no passado, Detroit ao menos voltaria a fornecer empregos.  E embora a cidade fosse retroceder gerações, ela ao menos estaria apresentando algum dinamismo.  Mas a verdade é que a esquerda entraria em erupção e irromperia em fúria.  Estamos programados para interpretar tais medidas de mercado como sendo apenas um exemplo cruel de 'exploração gananciosa' em vez de entendê-las como sendo a maneira natural como o capitalismo cura os excessos do intervencionismo e recomeça o jogo.  A esquerda prefere ver os desempregados em sua situação atual a permitir que eles voltem a trabalhar mais horas e recebendo salários menores. 
Portanto, em vez de uma cura honesta, é de se esperar que Detroit tente sair da crise aumentando seu endividamento, reforçando suas promessas irrealistas e suplicando por socorros do governo federal, ao mesmo tempo em que seus políticos fingem estar atacando os problemas crônicos. 
No final, Detroit é apenas mais um exemplo do que ocorre quando governo e sindicatos se unem e impõem pensões dadivosas, legislações trabalhistas draconianas, regulamentações irrealistas e privilégios dignos de realeza.  Acrescente a isso uma forte dose de discurso racial anti-brancos, ações afirmativas, medidas que afastam empreendedores e endividamento crescente, e você entenderá a situação atual.  Embora as contas públicas de Detroit não tenham correspondentes, a cidade do automóvel é apenas um exemplo mais avançado de uma tendência que pode vir a afetar governos de todo o mundo caso eles não controlem seus gastos e seu endividamento, e não restrinjam as demandas de seus funcionários públicos e de seus sindicatos favoritos.


Link:


http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1658

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