sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Ascensão de Marina é o pesadelo do agronegócio

Ruralistas não enxergam vontade conciliadora na ex-senadora, e o abismo entre ambientalistas ‘marineiros’ e o setor agrícola tende a se ampliar

Luís Lima
Após experiência "traumática" como ministra do Meio Ambiente, representantes do agronegócio temem restrições ao setor, caso Marina vença a disputa eleitoral
Experiência traumática com Marina: representantes do agronegócio temem restrições ao setor (Fernando Bizerra Jr/EFE/VEJA)
Se nenhuma outra reviravolta desancar o mundo da política nas próximas horas, a ex-senadora Marina Silva deve ser oficializada candidata à Presidência da República pelo PSB, substituindo Eduardo Campos, morto há uma semana num acidente aéreo em Santos. A chegada de Marina transforma o cenário eleitoral. E, diante das intenções de voto que suscitou na população já na primeira pesquisa Datafolha estampando seu nome, torna-se imprescindível recapitular como a virtual candidata enxerga determinados setores da economia – em especial o agronegócio, seu maior alvo no período em que ocupou cargos proeminentes da República. A ex-senadora foi combatente voraz da bancada ruralista do Congresso e votou contra o novo Código Florestal, considerado por muitos um avanço na legislação ambiental brasileira. Ainda que a breve campanha de Campos tenha amenizado, de certa forma, o ranço do setor em relação a sua então vice, não foi suficiente para apagar as divergências ideológicas. O site de VEJA ouviu especialistas e políticos que apontam barreiras possivelmente intransponíveis entre a visão da ex-senadora sobre  a exploração da terra pela agricultura e aquela dos donos de terras.

A decisão sobre a candidatura de Marina será oficializada na reunião da Executiva Nacional da sigla, marcada para esta quarta-feira, em Brasília. Nela, também será chancelado o nome do vice, o deputado federal Beto Albuquerque (PSB-RS), o que não representa nenhum alívio nas desavenças. De acordo com aliados, o aval de Marina para a escolha de Albuquerque foi influenciado, entre outras coisas, pelo fato de o deputado ter se esforçado para costurar a aliança do partido com o candidato ao governo do Rio Grande do Sul José Ivo Sartori (PMDB), evitando uma aproximação com a ruralista Ana Amélia (PP). Diante da impossibilidade de diálogo entre “marineiros” e empresários do setor agrícola, caberá a Albuquerque, já desgastado pelo episódio político, fazer as vezes de conciliador. O socialista tem bom trânsito entre empresas de celulose e produtores de cereais gaúchos, que são, inclusive, importantes doadores de sua campanha, mas guarda distância dos grandes produtores de soja do Mato Grosso e do Norte do país -- os mais influentes em Brasília.

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Para quebrar a resistência, Marina e seus seguidores precisariam reavaliar muitas de suas convicções sobre o agronegócio e o novo Código, afirma Ricardo Tomczyk, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja). Segundo um levantamento feito pelo Centro de Liderança Pública (CLP), em parceria com a Economist Intelligence Unit (EIU), consultoria ligada à revista The Economist, entre 2012 e 2013, uma das poucas melhoras no ambiente de negócios no Brasil foi justamente a da regulamentação ambiental, proporcionada pela nova legislação. Contudo, o próprio Tomczyk reconhece que as chances de mudança são remotas. “Não acredito que haverá um apoio formal do setor a Marina, pelo menos em um primeiro momento, dado o histórico traumático que tivemos durante sua gestão como ministra do Meio Ambiente, de 2003 a 2008”, afirmou. Segundo ele, a resignação da ex-senadora em relação à entrada em vigor do Código é primordial para que o setor continue funcionando de forma estável. “Caso isso não aconteça, o relacionamento ficará insuportável”, disse.

Em sabatina na sede da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), no início de agosto, Eduardo Campos defendeu sua vice e buscou aproximar a relação entre produção agrícola e sustentabilidade. “É uma agenda que parece que quem está no campo está derrubando a Mata Atlântica, defendendo o trabalho escravo e sendo contra a reforma agrária. Esse ambiente não é de futuro", afirmou o socialista. Em 2010, quando candidata pelo Partido Verde (PV), Marina nem chegou a comparecer ao evento. “O problema é que bandeiras históricas que nós defendemos não são as mesmas bandeiras dela”, afirmou o deputado federal Luiz Carlos Heinze (PP-RS), presidente da frente parlamentar da agropecuária no Congresso.

Para o deputado federal Ronaldo Caiado (DEM-GO), o jogo de cintura na hora da gestão contava a favor de Campos, mas o mesmo não ocorre com Marina. O deputado elogia a experiência do político pernambucano, por ter sido governador e gestor, diferente de Marina, que, segundo ele, "se baseia em dogmas, preconceitos e teses lunáticas e ultrapassadas, principalmente no plano da agropecuária”. Caiado reforça que, durante sua gestão como ministra, Marina prestou um grande desserviço ao setor, se posicionando fortemente contra o avanço de pesquisas na área de transgênicos e atrapalhando, inclusive, o trabalho da Embrapa. “Como governante, você deve ter a noção clara de que não se pode governar o Brasil sem dialogar com o único setor que deu certo na economia nacional, que é o agronegócio.” O deputado rompeu o acordo que firmara com o PSB de Goiás, após a filiação de Marina ao partido, no início de outubro.

Nem tudo está perdido – Apesar da descrença de muitos representantes do setor, há quem acredite que o cenário de aversão a Marina possa ser parcialmente revertido. Para o diretor da consultoria Agroicone, André Nassar, ela ainda pode conquistar uma parcela dos produtores se adequar seu discurso às expectativas do setor. “Uma fala que os produtores não gostam, por exemplo, é a tese de Marina sobre o bom e o mau agronegócio”, disse. Na avaliação de Nassar, o primeiro está comprometido com o cumprimento de leis e incorporou princípios de sustentabilidade. Já o segundo tem, sobretudo, uma visão produtivista, sem se preocupar com o meio ambiente. “Se ela perceber que pode ganhar a eleição, acredito que terá uma preocupação maior em adaptar o discurso, sem abrir mão da necessidade de punir quem desmatou ilegalmente”, acrescentou.

No setor sucroalcooleiro, há também certo otimismo. Representantes esperam que Marina mantenha o discurso conciliador de Campos. “Ele fez defesas também em nome de Marina, então acreditamos que ela dará continuidade ao que estava sendo dito", afirmou Luiz Carlos Corrêa Carvalho, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e sócio-diretor da Canaplan. "Não acredito que qualquer que seja o substituto, a própria Marina ou outra pessoa, irá rasgar o discurso que Eduardo Campos construiu nos últimos tempos", disse André Rocha, presidente do Fórum Nacional Sucroenergético.

Já a CNA informou, em comunicado divulgado nesta terça-feira, que não se pronunciará – pelo menos oficialmente – sobre a candidatura da ex-senadora. Diz a nota que “não é papel da entidade assumir posição em relação aos presidenciáveis no processo eleitoral”. A entidade, principal defensora, no campo privado, dos interesses agrícolas, afirmou que seu único papel é o de “transmitir, aos que postulam a Presidência, os problemas e necessidades do setor agropecuário”. O diálogo com tribos dissonantes, sabe-se, não é o forte de Marina. Por isso Campos servia como interlocutor ideal, amortecendo o impacto das críticas desferidas pela companheira de legenda a seus desafetos. Sem Campos, a lacuna política é desoladora. E as dificuldades do partido em reduzir o abismo ideológico tampouco parecem de fácil solução. Caberá a Marina escolher aprofundar a distância ou tentar a conciliação. Optar pelo segundo é uma forma de mostrar traquejo político – característica abundante em Campos, e apenas nele.

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