Eles querem “endireitar” o Brasil.
O Movimento Integralista atual
O primeiro grande evento neointegralista aconteceu em 2004 em São Paulo. No auditório que sediava o Primeiro Congresso Integralista para o Século 21 estavam diversos grupos de todo o país, reivindicando para si a identidade de integralistas. Na pauta, a proposta de unificação de todas as organizações sob uma única denominação e a fundação de um novo partido político. Acompanhando as palestras estavam também membros de grupos nacionalistas como o Movimento pela Valorização da Cultura, do Idioma e das Riquezas do Brasil, ex-militares, skinheads e até um meio-irmão do senador petista Eduardo Suplicy. Seu nome é Anésio Campos Lara, um simpatizante do integralismo que já foi acusado de negar o Holocausto.“As palestras deste primeiro congresso traziam críticas aos governos FHC e Lula, e apontavam a necessidade de uma união entre as forças de direita”, recorda Márcia Carneiro, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) que assistiu ao evento na qualidade de pesquisadora. Neta de integralistas, Márcia começou a estudar a história de sua família e tornou-se pioneira nos estudos sobre o neointegralismo.
“Também se falava contra a atuação de movimentos sociais e de grupos defensores de minorias. A certa altura, um grupo de punks começou a fazer um protesto do lado de fora. Daí algumas pessoas foram até lá para enfrentá-los e a tensão só terminou com a chegada da polícia”, conta ela. A construção de uma grande articulação integralista de caráter nacional, porém, fracassou por divisões internas. Só o Estado de São Paulo sedia dois dos grupos mais atuantes, a Frente Integralista Brasileira (FIB) e o Movimento Integralista e Linearista Brasileiro (MIL-B).
MIL-B
A reportagem de Unesp Ciência esteve na sede de ambos e conversou com seus representantes. O MIL-B é liderado pelo servidor público Cássio Guilherme, 43 anos, e tem seu escritório principal em Campinas. Na parede, o desenho de um verme com duas cabeças ilustra suas crenças políticas, as mesmas sustentadas pelos integralistas dos anos 1930. “Uma cabeça representa o capitalismo liberal e a outra, o marxismo. Para nós, essas duas correntes não têm nada de antagônicas”, diz Guilherme. “Ambas estão a serviço do grande capital. Só parecem ser inimigas. É um grande teatro. Somos fervorosamente contrários às duas.”
FIB
No FIB, cuja sede fica no bairro da Vila Maria, zona norte de São Paulo, o gerente de tecnologia Lucas Pavão Xavier, 32, ocupa o cargo de diretor administrativo. A entidade, explica, aproveita eventos cívicos como os desfiles de 7 de setembro para difundir suas ideias por meio de panfletagem. Mas o principal canal de transmissão delas é o site, que tem por volta de 60 mil acessos semanais. Segundo ele, a maior parte dos que querem conhecer o neointegralismo são homens jovens, e os picos de acesso ocorrem por ocasião das eleições, o que é interpretado como um sinal de inconformismo com o quadro eleitoral brasileiro.“Todos os partidos, até o DEM, apresentam elementos do pensamento marxista. O povo não se identifica com eles”, diz. “As pesquisas de opinião pública mostram que as instituições com maior credibilidade são as Forças Armadas e a Igreja, e que o brasileiro rejeita temas como a união homossexual ou o aborto”, prossegue.
Como Guilherme, Xavier também se diz preocupado com a apatia política da população, cujas raízes, segundo ele, remontariam ao regime militar. “Todo mundo hoje associa política com corrupção e prefere se distanciar do assunto.” Xavier não quer ser enquadrado como uma pessoa de direita, no sentido amplo do termo. “Só no sentido de ser antimarxista”, enfatiza. Mas não vê problemas em colaborar com estes setores. “Enquanto não lançamos um partido integralista, podemos apoiar a formação de um partido de direita, pois faz falta na democracia brasileira”, justifica.
Outra possibilidade é o apoio a candidatos integralistas por outras legendas. “No passado, já foram eleitos candidatos adeptos do integralismo, que não explicitaram sua condição”, conta. O objetivo destes esforços seria evitar uma revolução comunista supostamente em andamento e que teria suas bases ideológicas no pensamento do filósofo italiano Antonio Gramsci (1891-1937). Em sua coluna na Folha de S. Paulo de 16 de março de 2013, a senadora Kátia Abreu (PSD-TO) discute o assunto: “Gramsci ensinava que o teatro de operações da revolução comunista não era o campo de batalha, mas o ambiente cultural (…) sustentava que o novo homem, anunciado por Marx, emergiria não do terror revolucionário, mas da transformação das mentes. Para tanto, impunha-se a infiltração e o domínio pelo partido dos meios de comunicação – jornais, cinema, teatro, editoras etc. – e a quebra gradual dos valores cristãos por meio do que chamava de guerra psicológica (…) Desnecessário dizer que essa revolução está em pleno curso no Brasil – e não é de hoje”. A esquerda segue uma estratégia sofisticada, segundo Xavier. “Mas esse ciclo político que se iniciou após o período militar já se aproxima do fim. Estes grupos [de esquerda] estão num processo de decadência inevitável, do qual o mensalão é só um exemplo. Vão apodrecer por si mesmos.”
Os neointegralistas foram o objeto de uma tese de doutorado defendida em 2012 por Jefferson Barbosa, professor da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Unesp em Marília. Ele avaliou quanto das motivações originais do movimento ainda está presente nos militantes de hoje. “No grupo do integralismo linearista (MIL-B) há alguns pontos divergentes, mas, de modo geral, grande parte dos militantes segue as mesmas ideias da década de 1930”, diz.
Uma destas ideias é a democracia orgânica, um conceito bem diferente da democracia partidária, em que os diferentes grupos disputam o poder por meio das urnas. Na versão orgânica dos neointegralistas, as câmaras legislativas deixariam de ser a principal instância de representação eleitoral. Em seu lugar entrariam representantes escolhidos pelas diferentes categorias profissionais. O modelo também é chamado de corporativista e foi adotado na Itália fascista. “Todos os regimes autoritários do início do século 20 seguiam o corporativismo”, afirma Barbosa.
Revista UNESP Ciência, Junho 2013, pág. 20 et seq
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