Em meio aos saqueadores, a classe média e suas picapes
Depois que moradores da periferia iniciam os assaltos, chegam as caminhonetes
21 de dezembro de 2013 | 15h 59
Guilherme Russo, Enviado especial / Córdoba,
Argentina
Policiais em greve na região de Córdoba, em meio à onda de saques: aumento salarial aprovado (Foto: Guilherme Russo/Estadão)
CÓRDOBA, ARGENTINA - Os saques em Córdoba, segunda maior cidade da Argentina, no início do mês, transcenderam as classes sociais. Após a chegada de motociclistas, de moradores de bairros pobres da cidade, que arrombavam lojas e davam início aos assaltos, várias picapes de luxo eram estacionadas diante dos estabelecimentos comerciais saqueados.
Os "saqueadores coxinhas" levavam principalmente eletrodomésticos sofisticados e recheavam a carroceria das caminhonetes com aparelhos caros, como TVs de tela plana.
"Enchiam as picapes completamente. Depois, saiam para esvaziar os veículos e voltavam para enchê-los outra vez. Primeiro, vinha o pessoal mais pobre - e logo, pessoas claramente da classe média", afirmou Federico Lacase, de 40 anos, gerente da loja Ribeiro, da Avenida Tenente-General Donato Álvarez, no bairro de Arguellos, no norte de Córdoba.
Ele disse que, ao ser avisado de que o estabelecimento estava sendo saqueado, foi ao local, à meia-noite do dia 4,e observou o assalto de uma distância que considerou segura. "Sabiam que não aconteceria nada que os pudesse deter. Entravam aqui como se viessem comprar, mas sem pagar", disse, relatando que o saque durou cerca de cinco horas e, depois que os criminosos levaram todas as mercadorias, incendiaram as instalações.
O analista político Sergio Suppo, secretário de redação e articulista do jornal cordobês La Voz del Interior, afirmou que "nem todos os saqueadores eram pobres ou delinquentes comuns". "Foi como se tivessem rompido um dique. A sensação agora na sociedade é de medo, pesar e vergonha. Ninguém ficou alheio", disse.
"O que ocorreu foi uma ruptura institucional. O Estado desapareceu. As pessoas começaram a delinquir simplesmente porque não havia polícia - isso foi como a lua cheia para os lobisomens. Quando não existe polícia, as pessoas transformam-se em bestas", disse o cientista político Claudio Fantini, afirmando que o levante dos saqueadores reforçou as reivindicações dos policiais. "Não foi uma questão de fome, mas tem a ver com a inflação."
A população argentina não confia nos índices de inflação divulgados pelo Indec, o organismo oficial de estatísticas do país, e acredita que a taxa seja muito superior aos 24% divulgados pelo governo da presidente Cristina Kirchner.
Na tarde do dia 4, o governo provincial de Córdoba concordou com as reivindicações dos policiais grevistas, que, entre benefícios e aumentos salariais, significou um aumento de cerca de 30% nos ganhos dos agentes da corporação.
"No fim do mês já terão de começar a pagar essas cifras irreais. Terão de aumentar os impostos, contrair empréstimos, pedir créditos, imprimir moeda", disse Fantini, afirmando que a inflação deverá aumentar na Argentina em razão dos acordos que os governos provinciais fizeram com as polícias locais.
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