segunda-feira, 2 de julho de 2012

Não foi golpe e sim uma ruptura de governo será?

'O que houve no Paraguai foi ruptura política e não golpe', diz especialista
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ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

Autor de um dos livros mais respeitados sobre o Paraguai no Brasil, "Maldita Guerra", da Companhia das Letras, o professor da Universidade de Brasília (UnB) Francisco Doratioto diz que a deposição de Fernando Lugo da Presidência "foi ruptura política e, definitivamente, não um golpe de Estado".
"Lugo foi constitucionalmente eleito e constitucionalmente deposto. Não só ele foi eleito, os deputados e os senadores também foram", disse Doratioto, paulista, 55, doutor em história das relações internacionais.
Folha - Foi golpe?
Francisco Doratioto - Houve uma ruptura política e, definitivamente, não um golpe de Estado. Não houve uso de violência, persiste a ordem, não há estado de sítio, a liberdade de imprensa é a mesma de antes --maior que em muitos países da região.
Os procedimentos seguiram as leis e a Constituição paraguaia, que preveem impeachment por "mau desempenho das funções" e não falam em prazos. Poderia ter sido em meia hora, um mês, quem determina é o Senado. Foi um julgamento político.

Lula Marques/Folhapress
Professor da UnB Francisco Doratioto defende que imagem de Fernando Lugo se desgastou por escândalos de paternidade
Professor da UnB Francisco Doratioto defende que imagem de Fernando Lugo se desgastou por escândalos de paternidade

Qual a gênese da ruptura?
Lugo só chegou ao poder em uma coligação com o Partido Radical Liberal porque o grupo dele, de esquerda, com forte vinculação com camponeses sem-terra, não tinha estrutura para, sozinho, assumir a Presidência. Tanto que o vice, Federico Franco, é do Partido Liberal.
Só que o Lugo, assim que assumiu, sempre tratou com menosprezo o partido aliado e o seu vice. O resultado foi o rompimento com o Partido Liberal e o isolamento. Na Câmara, ele teve um voto só.
Como avalia o governo Lugo?
Teve iniciativas muito interessantes, por exemplo, na área da educação, mas, no geral, decepcionou bastante. A própria figura dele se desgastou muito por ser um bispo que teve filhos e relações até com menores de idade.
A concentração de renda no Paraguai é terrível, e Lugo propunha a reforma agrária, mas nunca tentou implementá-la para valer, sempre manteve uma política populista, ambígua, em relação ao campo e aos movimentos de contestação. E o clientelismo e a corrupção, que ficaram fortemente entranhadas no Paraguai desde a ditadura de [Alfredo] Stroessner [1954-1989], permaneceram.
As 17 mortes no campo foram só pretexto para a queda?
Foi a gota d'água, mas é verdade que o Partido Colorado, que representa os setores mais conservadores, principalmente os latifundiários, sempre quis tirá-lo do poder.
Como também é verdade que a ambiguidade de Lugo, a indecisão dele, levou a uma forte decepção. Os historiadores que conhecem bem o país não previam a queda dele, mas, sim, a forte possibilidade de o Partido Colorado ganhar as eleições [em 2013].
Se Lugo tivesse seguido o exemplo de Hugo Chávez e tivesse mudado a Constituição, as instituições e os partidos, teria mais chance?
No Paraguai, as características da sociedade são totalmente diferentes das da Venezuela. O Partido Colorado é conservador, mas com penetração popular urbana e agrária. Tem mais de um milhão de filiados, ampla maioria no Congresso e inserção nas Forças Armadas, que nunca virariam Forças Armadas Bolivarianas.
O sr. não acusa Lugo de ambiguidade e de indecisão justamente porque ele não pesou a mão para mudar as coisas? Sob esse aspecto, Chávez não teve razão em fazer o que fez?
Tem razão quem fortalece as instituições. Chávez, Evo Morales [Bolívia] não são exemplos de modernidade, de construção de sociedades avançadas e inclusivas.
E Lugo?
Ao contrário da Venezuela e da Bolívia, não houve cerceamento à imprensa, constrangimento à oposição.
O próprio Lugo reconheceu a destituição, está em liberdade, dá entrevistas, vai viajar pelo interior. Só tentou mudar o discurso depois que viu que Venezuela, Equador, Bolívia e principalmente a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, estavam, ou estão, agitando a questão.
Então, viu uma réstia de poder político, mas ele próprio já sabe que só voltaria ao poder por "um milagre".
E a posição brasileira?
O Itamaraty em nenhum minuto falou em golpe e tentou assumir um papel de moderador.
Como disse o chanceler [Antonio] Patriota, o Brasil mantém relações com Estados, não com governos.
A Venezuela [de Chávez] e a Bolívia [de Evo] não perdem nada com o isolamento do Paraguai, mas o Brasil tem muito a perder. Não é uma questão ideológica.
Basta falar de Itaipu e dos 180 mil brasileiros vivendo no país. Precisa mais?

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