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ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
Autor de um dos livros mais respeitados sobre o Paraguai no Brasil, "Maldita Guerra", da Companhia das Letras, o professor da Universidade de Brasília (UnB) Francisco Doratioto diz que a deposição de Fernando Lugo da Presidência "foi ruptura política e, definitivamente, não um golpe de Estado".
"Lugo foi constitucionalmente eleito e constitucionalmente deposto. Não só ele foi eleito, os deputados e os senadores também foram", disse Doratioto, paulista, 55, doutor em história das relações internacionais.
Folha - Foi golpe?
Francisco Doratioto - Houve uma ruptura política e, definitivamente, não um golpe de Estado. Não houve uso de violência, persiste a ordem, não há estado de sítio, a liberdade de imprensa é a mesma de antes --maior que em muitos países da região.
Os procedimentos seguiram as leis e a Constituição paraguaia, que preveem impeachment por "mau desempenho das funções" e não falam em prazos. Poderia ter sido em meia hora, um mês, quem determina é o Senado. Foi um julgamento político.
Qual a gênese da ruptura?
Lugo só chegou ao poder em uma coligação com o Partido Radical Liberal porque o grupo dele, de esquerda, com forte vinculação com camponeses sem-terra, não tinha estrutura para, sozinho, assumir a Presidência. Tanto que o vice, Federico Franco, é do Partido Liberal.
Só que o Lugo, assim que assumiu, sempre tratou com menosprezo o partido aliado e o seu vice. O resultado foi o rompimento com o Partido Liberal e o isolamento. Na Câmara, ele teve um voto só.
Como avalia o governo Lugo?
Teve iniciativas muito interessantes, por exemplo, na área da educação, mas, no geral, decepcionou bastante. A própria figura dele se desgastou muito por ser um bispo que teve filhos e relações até com menores de idade.
A concentração de renda no Paraguai é terrível, e Lugo propunha a reforma agrária, mas nunca tentou implementá-la para valer, sempre manteve uma política populista, ambígua, em relação ao campo e aos movimentos de contestação. E o clientelismo e a corrupção, que ficaram fortemente entranhadas no Paraguai desde a ditadura de [Alfredo] Stroessner [1954-1989], permaneceram.
As 17 mortes no campo foram só pretexto para a queda?
Foi a gota d'água, mas é verdade que o Partido Colorado, que representa os setores mais conservadores, principalmente os latifundiários, sempre quis tirá-lo do poder.
Como também é verdade que a ambiguidade de Lugo, a indecisão dele, levou a uma forte decepção. Os historiadores que conhecem bem o país não previam a queda dele, mas, sim, a forte possibilidade de o Partido Colorado ganhar as eleições [em 2013].
Se Lugo tivesse seguido o exemplo de Hugo Chávez e tivesse mudado a Constituição, as instituições e os partidos, teria mais chance?
No Paraguai, as características da sociedade são totalmente diferentes das da Venezuela. O Partido Colorado é conservador, mas com penetração popular urbana e agrária. Tem mais de um milhão de filiados, ampla maioria no Congresso e inserção nas Forças Armadas, que nunca virariam Forças Armadas Bolivarianas.
O sr. não acusa Lugo de ambiguidade e de indecisão justamente porque ele não pesou a mão para mudar as coisas? Sob esse aspecto, Chávez não teve razão em fazer o que fez?
Tem razão quem fortalece as instituições. Chávez, Evo Morales [Bolívia] não são exemplos de modernidade, de construção de sociedades avançadas e inclusivas.
E Lugo?
Ao contrário da Venezuela e da Bolívia, não houve cerceamento à imprensa, constrangimento à oposição.
O próprio Lugo reconheceu a destituição, está em liberdade, dá entrevistas, vai viajar pelo interior. Só tentou mudar o discurso depois que viu que Venezuela, Equador, Bolívia e principalmente a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, estavam, ou estão, agitando a questão.
Então, viu uma réstia de poder político, mas ele próprio já sabe que só voltaria ao poder por "um milagre".
E a posição brasileira?
O Itamaraty em nenhum minuto falou em golpe e tentou assumir um papel de moderador.
Como disse o chanceler [Antonio] Patriota, o Brasil mantém relações com Estados, não com governos.
A Venezuela [de Chávez] e a Bolívia [de Evo] não perdem nada com o isolamento do Paraguai, mas o Brasil tem muito a perder. Não é uma questão ideológica.
Basta falar de Itaipu e dos 180 mil brasileiros vivendo no país. Precisa mais?
COLUNISTA DA FOLHA
Autor de um dos livros mais respeitados sobre o Paraguai no Brasil, "Maldita Guerra", da Companhia das Letras, o professor da Universidade de Brasília (UnB) Francisco Doratioto diz que a deposição de Fernando Lugo da Presidência "foi ruptura política e, definitivamente, não um golpe de Estado".
"Lugo foi constitucionalmente eleito e constitucionalmente deposto. Não só ele foi eleito, os deputados e os senadores também foram", disse Doratioto, paulista, 55, doutor em história das relações internacionais.
Folha - Foi golpe?
Francisco Doratioto - Houve uma ruptura política e, definitivamente, não um golpe de Estado. Não houve uso de violência, persiste a ordem, não há estado de sítio, a liberdade de imprensa é a mesma de antes --maior que em muitos países da região.
Os procedimentos seguiram as leis e a Constituição paraguaia, que preveem impeachment por "mau desempenho das funções" e não falam em prazos. Poderia ter sido em meia hora, um mês, quem determina é o Senado. Foi um julgamento político.
Lula Marques/Folhapress |
Professor da UnB Francisco Doratioto defende que imagem de Fernando Lugo se desgastou por escândalos de paternidade |
Qual a gênese da ruptura?
Lugo só chegou ao poder em uma coligação com o Partido Radical Liberal porque o grupo dele, de esquerda, com forte vinculação com camponeses sem-terra, não tinha estrutura para, sozinho, assumir a Presidência. Tanto que o vice, Federico Franco, é do Partido Liberal.
Só que o Lugo, assim que assumiu, sempre tratou com menosprezo o partido aliado e o seu vice. O resultado foi o rompimento com o Partido Liberal e o isolamento. Na Câmara, ele teve um voto só.
Como avalia o governo Lugo?
Teve iniciativas muito interessantes, por exemplo, na área da educação, mas, no geral, decepcionou bastante. A própria figura dele se desgastou muito por ser um bispo que teve filhos e relações até com menores de idade.
A concentração de renda no Paraguai é terrível, e Lugo propunha a reforma agrária, mas nunca tentou implementá-la para valer, sempre manteve uma política populista, ambígua, em relação ao campo e aos movimentos de contestação. E o clientelismo e a corrupção, que ficaram fortemente entranhadas no Paraguai desde a ditadura de [Alfredo] Stroessner [1954-1989], permaneceram.
As 17 mortes no campo foram só pretexto para a queda?
Foi a gota d'água, mas é verdade que o Partido Colorado, que representa os setores mais conservadores, principalmente os latifundiários, sempre quis tirá-lo do poder.
Como também é verdade que a ambiguidade de Lugo, a indecisão dele, levou a uma forte decepção. Os historiadores que conhecem bem o país não previam a queda dele, mas, sim, a forte possibilidade de o Partido Colorado ganhar as eleições [em 2013].
Se Lugo tivesse seguido o exemplo de Hugo Chávez e tivesse mudado a Constituição, as instituições e os partidos, teria mais chance?
No Paraguai, as características da sociedade são totalmente diferentes das da Venezuela. O Partido Colorado é conservador, mas com penetração popular urbana e agrária. Tem mais de um milhão de filiados, ampla maioria no Congresso e inserção nas Forças Armadas, que nunca virariam Forças Armadas Bolivarianas.
O sr. não acusa Lugo de ambiguidade e de indecisão justamente porque ele não pesou a mão para mudar as coisas? Sob esse aspecto, Chávez não teve razão em fazer o que fez?
Tem razão quem fortalece as instituições. Chávez, Evo Morales [Bolívia] não são exemplos de modernidade, de construção de sociedades avançadas e inclusivas.
E Lugo?
Ao contrário da Venezuela e da Bolívia, não houve cerceamento à imprensa, constrangimento à oposição.
O próprio Lugo reconheceu a destituição, está em liberdade, dá entrevistas, vai viajar pelo interior. Só tentou mudar o discurso depois que viu que Venezuela, Equador, Bolívia e principalmente a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, estavam, ou estão, agitando a questão.
Então, viu uma réstia de poder político, mas ele próprio já sabe que só voltaria ao poder por "um milagre".
E a posição brasileira?
O Itamaraty em nenhum minuto falou em golpe e tentou assumir um papel de moderador.
Como disse o chanceler [Antonio] Patriota, o Brasil mantém relações com Estados, não com governos.
A Venezuela [de Chávez] e a Bolívia [de Evo] não perdem nada com o isolamento do Paraguai, mas o Brasil tem muito a perder. Não é uma questão ideológica.
Basta falar de Itaipu e dos 180 mil brasileiros vivendo no país. Precisa mais?
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