Médico cubano vem trabalhar no Brasil e vira prefeito de Mucajaí (RR)
Depoimento a
CYNEIDA CORREIA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM MUCAJAÍ (RR)
CYNEIDA CORREIA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM MUCAJAÍ (RR)
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Sou da primeira leva de médicos cubanos que veio a Roraima integrar o programa "Médico em Sua Casa". Quando falaram que vínhamos, procurei no mapa e achava que era só selva, índio e malária, aquela imagem estereotipada. Mas era totalmente diferente.
Não tínhamos medo, pois vivíamos em Cuba o espírito da solidariedade, de nacionalismo proletário e da ajuda ao próximo. Era um desafio.
Chegamos em maio de 1997 e fomos levados a uma residência médica no centro de Boa Vista, cidade linda e planejada. Quando vi aquele banquete de recepção, com tanta fartura, fiquei feliz.
Na ilha, a realidade econômica era muito difícil. Éramos pobres, mas não passávamos fome. Eu plantava arroz, caçava e pescava para complementar a alimentação.
Cuba enviava médicos a todo o mundo, gratuitamente. No convênio com o Brasil, não fomos aceitos de graça, então nos pagavam R$ 3.000.
Mandávamos metade do salário para Cuba, pois nossa formação acadêmica não nos custou nada e ainda contribuíamos para outros se formarem. Ficávamos com
R$ 1.500 -éramos ricos.
O idioma foi o maior problema. Tenho dificuldade com certas palavras até hoje.
Divulgação | ||
Prefeito cubano discursando para a comunidade de Mucajaí (RR) |
NOVO LAR
Em 1998, fui morar em Mucajaí. Eram mais de mil casos de malária em uma cidade de 9.000 habitantes.
Atendíamos mais de cem pacientes por dia. Íamos a todas as estradas do interior, de casa em casa.
Em alguns lugares, era a primeira vez que a população via um médico.
Nessa época, conheci Leila, minha mulher. Nos apaixonamos em 2001, antes de eu voltar para Cuba, pois o contrato iria terminar.
FAMÍLIA
Consegui convencê-la a ir comigo. Queríamos casar e viver perto da minha família.
Mas a situação econômica de meu país era muito difícil e o governo não aceitou que ela ficasse. Leila tinha que entrar e sair da ilha de dois em dois meses.
Decidi retornar ao Brasil quando vi que, após quatro anos trabalhando em Cuba, não era bem tratado e não aceitavam a mulher que esperava um filho meu. Pedi permissão e virei brasileiro.
Comecei a trabalhar atendendo os moradores em Mucajaí. Quando não existe dinheiro no meio, tudo flui, você vê o ser humano como ele é. Eu me sentia um rei: querido, paparicado por todos. Era muito feliz.
Até entrar para a política.
VOLTA POR CIMA
Fui convencido a entrar num partido e, depois de pedir votos para um candidato derrotado, me demitiram após dez anos de trabalho.
A comunidade fez um abaixo-assinado com 3.000 assinaturas pela minha volta, mas não teve jeito. Fiquei sem emprego, sofri perseguição politica e tive que me mudar.
Fiquei vários anos sem estabilidade, isso roubou a paz da minha família.
No final, acabei aceitando o apelo da população e concorri à prefeitura de Mucajaí, mas minha campanha não teve comício, nem uma placa sequer. Eu não tinha dinheiro para nada. Ia de casa em casa visitando as pessoas.
Agora, eleito com 4.698 votos em 2012, sou o primeiro cubano prefeito no país.
Ser prefeito é uma bomba. Tive problemas financeiros na prefeitura e enfrento protestos por salários atrasados.
A coisa é dura.
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