Faz sentido existir “crime de organização criminosa”?
Por Bernardo Santoro
A Presidente Dilma sancionou, nesta sexta-feira, uma nova lei sobre “crime de organização criminosa”, adicionando mais uma regulamentação a esse crime cuja existência precisa ser questionada.
O direito brasileiro há muito entende que a prática de um crime por um determinado número de pessoas em bases organizadas é mais grave do que se fosse cometido por uma pessoa ou por várias pessoas de maneira desorganizada.
A boa filosofia liberal penal defende que crimes só fazem sentido na medida em que existe um dano objetivo a alguém. No direito romano existia uma máxima chamada “nullum crimen sine iniuria”, cuja tradução literal seria “não há crime sem injúria”. Embora o instituto romano não tivesse exatamente o sentido que queremos empregar, por se tratar de uma época anterior à elaboração de conceitos liberais básicos por Locke, podemos afirmar que criar tipos penais sem que o núcleo desse tipo seja um dano a alguém acaba por ser inflação legislativa e, inevitavelmente, será ou (i) inútil, ou (ii) repetitivo, ou, por fim, (iii) instrumento de repressão social baseado em moralidade própria do legislador. Essa é a interpretação liberal do princípio da ofensividade.
O “crime de organização criminosa” se encaixa na segunda opção, sendo um tipo penal repetitivo, que tende a punir um sujeito duas vezes pelo mesmo crime, o que atenta contra outro princípio de direito penal liberal, o “ne bis in idem”.
Jogando para um exemplo concreto, se um grupo de pessoas se une para praticar homicídios em massa (grupo de extermínio), essas pessoas devem ser julgadas e presas pelos homicídios, e não pela criação do grupo em si, que antes da realização do verdadeiro crime, nada fizeram além de se reunir, e direito de associação é um dos mais basilares institutos de direito civil liberal.
Portanto, esse crime é apenas um argumento para aumentar a burocracia e o custo de processos e investigações criminais, além dos honorários advocatícios dos advogados de defesa. Caso seja da vontade da população aumentar a severidade das penas em crimes, melhor seria simplesmente aumentar as penas dos crimes que geram danos, e não criar novos crimes que não são crimes em si, por não gerarem dano.
Superada a questão, podemos falar ainda da confusão que é esse tipo penal no Brasil. Temos vários atos normativos falando sobre o mesmo tema: Código Penal (crime de formação de quadrilha), Lei 12.694, Convenção de Palermo e agora essa nova lei, cujo número só conhecerei na próxima segunda. Cada um tratando esse crime de um jeito. Até coisas mais elementares, como o fato de quantas pessoas no mínimo seriam necessárias para uma organização criminosa, são tratados de maneira diversa por essas normas. Uma completa bagunça.
A grande ironia dessa lei é que ela é uma piada pronta, afinal, se formos pensar em um grupo de pessoas que se juntam de maneira organizada para praticar crimes, a primeira coisa que pensamos é em um grupo de políticos brasileiros, exatamente os mesmos que elaboraram e aprovaram essa lei.
O que precisamos no Brasil não é de mais leis com mais crimes. A receita de um sistema penal que funcione são poucas leis, que criminalizem apenas condutas que geram danos para terceiros, e penas duras para esses crimes de verdade, com um sistema de recursos enxuto e racional, com ampla garantia de defesa e contraditório sem cair na burocracia processual criminal. Qualquer coisa diferente disso é insistir em um modelo criminal e processual criminal inchado e falido.
Bernardo Santoro é Diretor do Instituto Liberal.
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