O combate à corrupção nas prefeituras do Brasil
Antoninho Marmo Trevisan, Antonio Chizzotti, João Alberto Ianhez, José Chizzotti e Josmar Verillo
Versão eletrônica de responsabilidade da Transparência Brasil. Reprodução em papel permitida apenas em cópia única.
Antoninho Marmo Trevisan, nascido em Ribeirão Bonito, é presidente da Trevisan Auditores e Consultores e fundador da Faculdade Trevisan. É membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República e vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências Contábeis, autor do livro Empresários do Futuro, e presidente fundador da AMARRIBO.
Antonio Chizzotti, nascido em Ribeirão Bonito, doutor em educação pela PUC-SP e pós-doutorado em Paris, França. É professor do Programa de Pós-Graduação em Educação na PUC-SP, conselheiro da AMARRIBO.
João Alberto Ianhez, nascido em Ribeirão Bonito, profissional de relações públicas e jornalista, presidente da Ianhez Comunicação Ltda, Presidente voluntário da ABD-Associação Brasileira de Dislexia e da APREND - Associação Brasileira de Distúrbios de Aprendizagem, tesoureiro do Conselho Federal de Profissionais de Relações Públicas, conselheiro da AMARRIBO.
José Chizzotti, nascido em Ribeirão Bonito, formado em direito pela PUC-SP, advogado, procurador do estado aposentado, foi assessor de ministro do STF e chefe de gabinete do Ministério da Justiça. Cursou especialização em Direito Processual Civil na Università Degli Studi di Milano (agraciado com bolsa de estudos do governo italiano), conselheiro da AMARRIBO.
Josmar Verillo, nascido em Ribeirão Bonito, formou-se em administração na PUC-SP, mestre em Administração pelo IESA, Venezuela, mestre e doutor em economia pela Michigan State University - USA. Prestou serviços a diversas empresas, sendo que nos últimos treze anos na Klabin, os últimos quatro como diretor geral. Atualmente é presidente da Alcoa América Latina, presidente do Conselho de Administração da AMARRIBO.
Edição preliminar: Henrique Ostronoff
Organização do projeto: Claudio Weber Abramo (Transparência Brasil)
Gestão de apoios: Josmar Verillo (Amarribo)
Apoio institucional: Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
Antonio Chizzotti, nascido em Ribeirão Bonito, doutor em educação pela PUC-SP e pós-doutorado em Paris, França. É professor do Programa de Pós-Graduação em Educação na PUC-SP, conselheiro da AMARRIBO.
João Alberto Ianhez, nascido em Ribeirão Bonito, profissional de relações públicas e jornalista, presidente da Ianhez Comunicação Ltda, Presidente voluntário da ABD-Associação Brasileira de Dislexia e da APREND - Associação Brasileira de Distúrbios de Aprendizagem, tesoureiro do Conselho Federal de Profissionais de Relações Públicas, conselheiro da AMARRIBO.
José Chizzotti, nascido em Ribeirão Bonito, formado em direito pela PUC-SP, advogado, procurador do estado aposentado, foi assessor de ministro do STF e chefe de gabinete do Ministério da Justiça. Cursou especialização em Direito Processual Civil na Università Degli Studi di Milano (agraciado com bolsa de estudos do governo italiano), conselheiro da AMARRIBO.
Josmar Verillo, nascido em Ribeirão Bonito, formou-se em administração na PUC-SP, mestre em Administração pelo IESA, Venezuela, mestre e doutor em economia pela Michigan State University - USA. Prestou serviços a diversas empresas, sendo que nos últimos treze anos na Klabin, os últimos quatro como diretor geral. Atualmente é presidente da Alcoa América Latina, presidente do Conselho de Administração da AMARRIBO.
Edição preliminar: Henrique Ostronoff
Organização do projeto: Claudio Weber Abramo (Transparência Brasil)
Gestão de apoios: Josmar Verillo (Amarribo)
Apoio institucional: Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
Por que esta cartilha foi escrita
Este texto tem como objetivo indicar caminhos que se podem trilhar no combate à corrupção. Ele é resultado da experiência bem sucedida da comunidade paulista de Ribeirão Bonito, da qual os autores participaram.
O testemunho sistemático de operações e atos suspeitos por parte de autoridades de Ribeirão Bonito, encabeçadas pelo então prefeito, levaram a organização não governamental Amigos Associados de Ribeirão Bonito (AMARRIBO) a liderar um movimento para o monitoramento, a cobrança e a contestação de atos das autoridades municipais, buscando para isso o apoio da comunidade.
Como resultado, o prefeito da cidade renunciou para não ser cassado, e hoje responde a diversos processos judiciais.
No curso do trajeto, os autores acumularam conhecimentos a respeito dos mecanismos empregados em fraudes municipais e dos instrumentos que se podem empregar para combatê-las.
A percepção pública é de que casos como o de Ribeirão Bonito não constituem exceção no Brasil. O acompanhamento e supervisão permanentes da conduta dos administradores públicos é uma forma essencial de controlar a corrupção. Para isso, é necessário informação. Por isso esta cartilha foi escrita.
Na primeira parte, descrevem-se os sinais típicos da presença de corrupção numa administração municipal, como identificá-los e quais as ações possíveis para combatê-la. A segunda parte relata a experiência de Ribeirão Bonito. A parte final reúne informações sobre instituições que podem ser acionadas para se contrapor à fraude, dispositivos legais pertinentes e outros dados.
Os autores agradecem à Ateliê Editorial a oportunidade da edição impressa, bem como às entidades e empresas que apoiaram a publicação e se dispuseram a disseminá-la mais amplamente. Agradecem também ao Instituto Ethos de Responsabilidade Social pelo apoio institucional prestado. Por fim, agradecem o empenho da Transparência Brasil na concretização deste projeto.
Introdução
O exercício da cidadania pressupõe indivíduos que participem da vida comum. Organizados para alcançar o desenvolvimento do local onde vivem, devem exigir comportamento ético dos poderes constituídos e eficiência nos serviços públicos. Um dos direitos mais importantes do cidadão é o de não ser vítima da corrupção.
De qualquer modo que se apresente, a corrupção é um dos grandes males que afetam o poder público, principalmente o municipal. E também pode ser apontada como uma das causas decisivas da pobreza das cidades e do país.
A corrupção corrói a dignidade do cidadão, contamina os indivíduos, deteriora o convívio social, arruína os serviços públicos e compromete a vida das gerações atuais e futuras. O desvio de recursos públicos não só prejudica os serviços urbanos, como leva ao abandono obras indispensáveis às cidades e ao país. Ao mesmo tempo, atrai a ganância e estimula a formação de quadrilhas que podem evoluir para o crime organizado e o tráfico de drogas e armas. Um tipo de delito atrai o outro, e quase sempre estão associados. Além disso, investidores sérios afastam-se de cidades e regiões onde vigoram práticas de corrupção e descontrole administrativo.
Os efeitos da corrupção são perceptíveis na carência de verbas para obras públicas e para a manutenção dos serviços da cidade, o que dificulta a circulação de recursos e a geração de empregos e riquezas. Os corruptos drenam os recursos da comunidade, uma vez que tendem a aplicar o grosso do dinheiro desviado longe dos locais dos delitos para se esconderem da fiscalização da Justiça e dos olhos da população.
A corrupção afeta a qualidade da educação e da assistência aos estudantes, pois os desvios subtraem recursos da merenda e do material escolar, desmotivam os professores, prejudicam o desenvolvimento intelectual e cultural das crianças e as condenam a uma vida com menos perspectivas de futuro.
A corrupção também subtrai verbas da saúde, comprometendo diretamente o bem-estar dos cidadãos. Impede as pessoas de ter acesso ao tratamento de doenças que poderiam ser facilmente curadas, encurtando as suas vidas.
O desvio de recursos públicos condena a nação ao subdesenvolvimento econômico crônico.
Por isso, o combate à desonestidade nas administrações públicas deve estar constantemente na pauta das pessoas que se preocupam com o desenvolvimento social e sonham com um país melhor para seus filhos e netos. Os que compartilham da corrupção, ativa ou passivamente, e os que dela tiram algum tipo de proveito, devem ser responsabilizados. Não só em termos civis e criminais, mas também eticamente, pois os que a praticam de uma forma ou de outra fazem com que seja aceita como fato natural no dia-a-dia da vida pública e admitida como algo normal no cotidiano da sociedade.
É inaceitável que a corrupção possa ter espaço na cultura nacional. O combate às numerosas modalidades de desvio de recursos públicos deve, portanto, constituir-se em compromisso de todos os cidadãos e grupos organizados que queiram construir uma sociedade justa e solidária.
Em ambiente em que a corrupção predomine dificilmente prospera um projeto para beneficiar os cidadãos, pois suas ações se perdem e se diluem na desesperança. De nada adianta uma sociedade organizada ajudar na canalização de esforços e recursos para projetos sociais, culturais ou de desenvolvimento de uma cidade, se as autoridades municipais, responsáveis por esses projetos, se dedicam ao desvio do dinheiro público.
A AMARRIBO de Ribeirão Bonito
A organização não-governamental AMARRIBO foi criada para promover o desenvolvimento social e humano da cidade de Ribeirão Bonito, no interior do estado de São Paulo. Ao procurar colocar seus planos em prática, deparou-se com a necessidade de combater uma administração municipal corrupta, que minava o progresso das iniciativas da ONG.
Tal atuação demandou meses de muito trabalho e gerou alto grau de tensão. Numerosas reuniões se realizaram para discutir caminhos, orientações jurídicas e investigações. Milhares de e-mails e telefonemas foram trocados. Além de todo esse trabalho, os membros da entidade tiveram de conviver com ameaças, cartas anônimas, acusações falsas e todo tipo de golpe baixo que se pode esperar de quem chega ao ponto de desviar recursos da alimentação de crianças.
As ações anticorrupção são complexas, pois envolvem diferentes aspectos que se entrecruzam - políticos, jurídicos, legais, formais, estratégicos, de motivação e mobilização popular. Uma falha ou erro em qualquer desses procedimentos poderia beneficiar e fortalecer os corruptos.
O padrão típico de corrupção
O padrão de corrupção identificado em Ribeirão Bonito é típico de muitas cidades do Brasil. Em vez de procurar cumprir suas promessas eleitorais em benefício da população, os eleitos usam essas mesmas promessas para empregar amigos e parentes, para favorecer aqueles que colaboraram com suas campanhas ou para privilegiar alguns comerciantes “amigos” em detrimento de outros. Grande parte do orçamento do município é orientado em proveito do restrito grupo que assume o poder municipal e se beneficia dessa situação.
Uma estratégia utilizada habitualmente em desvios de recursos públicos se dá por meio de notas fiscais fictícias ou “frias”, que são aquelas nas quais os serviços declarados não são prestados ou os produtos discriminados não são entregues.
A burla pode ser feita com as chamadas empresas-fantasmas, ou seja, que inexistem física ou juridicamente. Para isso, foi criado um comércio fluente de venda de “notas frias” desse tipo de empresa. Há pessoas especializadas em negociá-las.
Mas a fraude também utiliza empresas legalmente constituídas e com funcionamento normal. Com o conluio dos administradores públicos cúmplices do “esquema”, tais empresas vendem ao município produtos e serviços superfaturados, ou recebem contra a apresentação de notas que discriminam serviços não executados e produtos não entregues.
Tais fornecedoras ou prestadoras de serviço agem mediante acordo pré-estabelecido com o prefeito e/ou seus assessores. As empresas emitem notas fiscais e a prefeitura segue todos os trâmites administrativos de uma compra normal. Quando necessário uma licitação, monta todo o procedimento de forma a dirigir o certame para uma empresa “amiga”, dificultando ou impedindo a participação de outras. Depois, dá recibo de entrada da mercadoria, empenha a despesa, emite o cheque e faz o pagamento. Posteriormente, o montante é dividido entre o fornecedor e os membros da administração comprometidos com o esquema de corrupção.
Em geral, os recursos obtidos dessa maneira chegam ao prefeito e aos que participam do esquema na forma de dinheiro vivo, a fim de não se deixarem vestígios da falcatrua. Os corruptos evitam que tais recursos transitem pelas suas contas bancárias, pois seriam facilmente rastreados por meio de uma eventual quebra de sigilo bancário.
As quadrilhas que se formam para dilapidar o patrimônio público têm se especializado e vêm sofisticando seus estratagemas. O modo de proceder varia: apoderam-se de pequenas quantias de forma continuada ou então, quando o esquema de corrupção está consolidado, de quantias significativas sem nenhuma parcimônia.
Uma forma de fraudar a prefeitura é por meio de notas superfaturadas. Para serviço que foi realmente prestado e teria um determinado custo, registra-se na nota fiscal um valor maior. Nas licitações, o processo de superfaturamento se dá com cotações de preços dos produtos em valores muito superiores aos de mercado. Nos dois casos, a diferença entre o preço real o valor superfaturado é dividida entre os fraudadores.
Notas preenchidas com uma quantidade de produtos muito superior àquela realmente entregue é outra maneira de fraudar a prefeitura. Nessa modalidade, os valores cobrados a mais e que constam da nota emitida são divididos entre os “sócios”. Diferentemente do superfaturamento de preços, que exige uma combinação entre fornecedores, o superfaturamento de quantidades só depende do conluio de um fornecedor com o pessoal da prefeitura que atesta o recebimento.
Esses tipos de fraude requerem, invariavelmente, a conivência de funcionários da prefeitura - o responsável pelo almoxarifado deve sempre dar quitação do serviço realizado ou da mercadoria entregue e a área contábil tem de empenhar a despesa e pagar as notas, emitindo o cheque correspondente. Quando se trata de serviços técnicos, como por exemplo os de eletricidade, construção civil e hidráulica, a execução deve ser certificada por funcionários capacitados, normalmente um engenheiro ou técnico. Assim, quando há irregularidade, todos são coniventes, mesmo que por omissão. É praticamente impossível para o prefeito fraudar a prefeitura sozinho.
Quando há necessidade de licitação, mesmo nas formas mais simples de tomada de preços e convite, a comissão de licitações da prefeitura é obrigada a habilitar as empresas. Segundo a lei n° 8.666/93, estas devem estar “devidamente cadastradas na prefeitura ou atenderem todas as condições exigidas para cadastramento”. Para se cadastrarem, há uma série de pré-requisitos que as empresas devem preencher e documentos que precisam apresentar. Dessa forma, no caso de empresas-fantasmas, é impossível que saiam vencedoras de uma licitação sem a participação ou conivência da comissão de licitações. E é muito fácil verificar se uma empresa existe ou não. Por isso, não há justificativa para que essas empresas-fantasmas sejam habilitadas a participar de concorrências.
Existem quadrilhas especializadas em fraudar prefeituras com a participação do poder público municipal. Esses grupos e seus especialistas são formados localmente, ou trazidos de fora, já com experiência em gestão fraudulenta. O objetivo é implantar ou administrar procedimentos ilícitos, montar concorrências viciadas e acobertar ilegalidades.
O método mais usual consiste em forjar a participação de três concorrentes, usando documentos falsos de empresas legalmente constituídas. Outra maneira é incluir na licitação, apenas formalmente, algumas empresas que apresentam preços superiores, combinados de antemão, para que uma delas saia vencedora.
As quadrilhas têm aperfeiçoado as suas formas de atuar. Por isso, é preciso que os controles por parte da sociedade também se aprimorem. Como foi observado no caso de Ribeirão Bonito, o Tribunal de Contas do Estado tende a verificar somente os aspectos formais das despesas. O órgão fiscalizador não entra no mérito se a nota fiscal contabilizada é “fria” ou não, se a empresa é “fantasma” ou não, se o valor é compatível com o serviço ou não e se o procedimento licitatório foi montado e conduzido adequadamente ou não. O Tribunal só examina tais questões quando estimulado especificamente. Contudo, mesmo que os aspectos formais examinados sejam irrelevantes diante da grosseira falsificação de documentos verificada em muitas prefeituras do país, os Tribunais de Contas insistem em manter seus procedimentos.
Como, na maioria das vezes, os aspectos formais são observados cuidadosamente pelos fraudadores, o Tribunal, ao aprovar as contas do Município, acaba por passar atestado de idoneidade a um grande número de corruptos e exime publicamente de culpa quem desvia dinheiro público no país. Na forma como atua hoje, os Tribunais de Contas beneficiam indiretamente os corruptos.
Um sinal que pode indicar ato criminoso é o que acontece com o fornecimento de alimentos para a merenda das escolas em algumas regiões do país. Muitas vezes, os produtos que chegam não seguem nenhuma programação e muito menos qualquer lógica nutricional. Nem as merendeiras sabem, em alguns casos, o que será servido aos alunos. A escolha dos produtos que serão entregues às escolas é, na realidade, feita pelos fornecedores, e não pelos funcionários.
Sinais de irregularidades na administração municipal
Apesar de não determinarem necessariamente a presença de corrupção, a presença de alguns fatores deve estimular uma atenção especial. Entre eles estão:
- histórico comprometedor da autoridade eleita e de seus auxiliares;
- falta de transparência nos atos administrativos do governante;
- ausência de controles administrativos e financeiros;
- subserviência do Legislativo e dos Conselhos municipais;
- baixo nível de capacitação técnica dos colaboradores e ausência de treinamento de funcionários públicos;
- alheamento da comunidade quanto ao processo orçamentário.
Algumas atitudes tomadas pelas administrações e certos comportamentos das autoridades municipais se autodenunciam como fatores com muita chance de se relacionar à corrupção. Esses comportamentos são facilmente detectados, não demandando investigações mais profundas. Basta apenas uma observação mais atenta. A simples observação é um meio eficaz de detectar indícios típicos da existência de fraude na administração pública.
Sinais exteriores de riqueza
Sinais exteriores de riqueza são as evidências mais fáceis de serem percebidas e as que deixam mais claro que algo de errado ocorre na administração pública. São perceptíveis quando o grupo de amigos e parentes das autoridades municipais exibe bens caros, adquiridos de uma hora para a outra, como carros e imóveis. E também na ostentação por meio de gastos pessoais incompatíveis com suas rendas. Alguns passam a ter uma vida social intensa, freqüentando locais de lazer que antes não freqüentavam, como bares e restaurantes, onde realizam grandes despesas.
Os corruptos assumem feições diversas. Há o do tipo grosseiro e despudorado, que se compraz em fazer demonstrações ostensivas de poder e riqueza, exibindo publicamente acesso a recursos extravagantes. Geralmente, não se preocupa em ser discreto, pois necessita alardear o seu sucesso econômico e sua nova condição, mesmo quando os que estão à sua volta possam perceber que o dinheiro exibido não tem procedência legítima. Com esse tipo de corrupto, a apropriação de recursos públicos é associada a um desejo incontrolável de ascender socialmente e de exibir essa ascensão. Como não encontra maneiras de enriquecer honestamente, recorre a atos ilícitos.
Já o fraudador discreto tem formas de agir que tornam mais difícil a descoberta do ilícito. O dinheiro é subtraído aos poucos e em quantias pequenas, por meio de esquemas bem articulados com os fornecedores. O resultado dos golpes é aplicado longe do domicílio. Em geral, utilizando-se de “laranjas” (pessoas que, voluntária ou involuntariamente, emprestam suas identidades para encobrir os autores das fraudes), adquirem bens móveis ou semoventes: dólar, ouro, papéis do mercado de capitais, gado, commodities etc.
Entretanto, mesmo quando a corrupção é bem planejada, deixa vestígios.
Às vezes, os que se sentem traídos na partilha acabam por denunciar o esquema. Além disso, a necessidade de manter os atos ilegais ocultos torna difícil para o próprio corrupto, e até mesmo para os seus familiares, usufruírem da riqueza. Quando essa situação não gera um conflito entre os participantes da quadrilha, os comparsas acabam por ficar com a maior parte dos bens adquiridos.
Independente dos tipos de corrupção praticados, os cidadãos que desejem um governo eficiente e transparente devem ficar atentos aos seus sinais. Um administrador sério e bem intencionado escolhe como assessores pessoas representativas e que tenham boa reputação e capacidade administrativa. Deve-se desconfiar de grupos fechados que gravitam em torno do poder. A nomeação de parentes de autoridades (prefeito, secretários, vereadores etc.) é também indício de corrupção.
Resistência das autoridades a prestar contas
Corruptos opõem-se veementemente a qualquer forma de transparência. Evitam que a Câmara Municipal fiscalize os gastos da prefeitura e buscam comprometer os vereadores com esquemas fraudulentos. Ao mesmo tempo, não admitem que dados contábeis e outras informações da administração pública sejam entregues a organizações independentes e aos cidadãos, nem que estes tenham acesso ao que se passa no Executivo.
A Lei de Responsabilidade Fiscal impõe um princípio altamente salutar ao equilíbrio financeiro das prefeituras: não se pode gastar mais do que se arrecada. Também por defender a transparência absoluta das contas públicas, essa lei se tornou um entrave à corrupção. Mesmo assim, em governos em que se praticam atos ilegais na administração, existe uma grande resistência à liberação de informações sobre os gastos públicos.
Qualquer cidadão tem o direito de saber, e os políticos têm o dever de demonstrar, como o dinheiro público está sendo empregado. Para que isso se transforme em prática usual, é necessário que os municípios brasileiros aperfeiçoem suas leis orgânicas, para tornar mais transparentes as ações das administrações municipais. As organizações instituídas na cidade têm um papel fundamental nisso, pois, quando bem estruturadas e com enraizamento na sociedade, têm a capacidade de mobilizar as pessoas.
Falta crônica de verba para os serviços básicos
Os orçamentos das prefeituras são, normalmente, previstos para custear os serviços básicos da cidade, como manutenção e limpeza das ruas e praças, coleta de lixo e provimento de água e de esgoto. Também prevê verbas para os serviços sociais, educação, saúde e obras públicas.
A negligência em relação a esses serviços básicos, observada pelo aspecto de abandono que as cidades adquirem, pode ser um indício não só de incompetência administrativa, como de desvio de recursos públicos. Esses sinais ficam mais claros quando se constata que a prefeitura mantém um quadro de funcionários em número muito maior do que o necessário para a realização dos serviços.
Parentes e amigos aprovados em concursos
Eventualmente, concursos públicos podem ser abertos pelas autoridades recém-empossadas para pagar promessas de campanha e dar empregos para correligionários, amigos e parentes. Isso acontece mesmo quando a prefeitura se encontra em situação de déficit orçamentário e impedida de contratar funcionários por força da Lei de Responsabilidade Fiscal, que impede a administração pública de gastar mais do que arrecada e impõe à folha salarial um limite de 60% dos gastos totais.
Esses concursos públicos arranjados normalmente incluem provas com avaliações subjetivas, que permitem à banca examinadora habilitar os candidatos segundo os interesses das autoridades municipais. Uma das artimanhas é incluir uma “entrevista” classificatória, realizada com critérios que retiram a objetividade da escolha. Concursos com essas características têm sido anulados, quando examinados pelo Judiciário, pois há uma reiterada jurisprudência determinada pelos tribunais sobre o assunto, inclusive por parte do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.
Falta de publicidade dos pagamentos efetuados
Normalmente, a Lei Orgânica do Município obriga o prefeito a afixar diariamente na sede da prefeitura o movimento de caixa do dia anterior (o chamado boletim de caixa), no qual devem estar discriminados todos os pagamentos efetuados. A mesma lei exige também que, mensalmente, seja tornado público o balancete resumido com as receitas e despesas do município. A ausência desses procedimentos faz com que os cidadãos fiquem impedidos de acompanhar e verificar a movimentação financeira da municipalidade, e assim pode ser indicação de acobertamento de fatos ilícitos.
Comunicação por meio de códigos sobre transferências de verbas orçamentárias
Quando aprovado pela Câmara Municipal, o orçamento deve ser rigorosamente cumprido. As alterações posteriores devem ser novamente submetidas ao Legislativo local e tornadas públicas, para que as razões do remanejamento possam ser entendidas pelos cidadãos. Alguns prefeitos burlam essas determinações, publicando de forma ininteligível as transferências de verbas do orçamento. Por meio de códigos, procuram esconder quais contas estão sendo manipuladas e quais os elementos orçamentários remanejados. Esse esquema dificulta a fiscalização dos gastos públicos.
Perseguição a vereadores que pedem explicações sobre gastos públicos
Há, por outro lado, vereadores honestos e incorruptíveis que exercem seus mandatos com dignidade e responsabilidade. Esses, em geral, são marginalizados ou perseguidos pelo esquema de um prefeito corrupto, o qual se utiliza de qualquer motivo para dificultar a atuação desses vereadores, ou mesmo, para afastá-los da Câmara Municipal. No cumprimento de suas funções, os vereadores que se baseiam na ética encontram obstáculos ao seu desempenho, pois normalmente não são atendidos pelas autoridades municipais em seus pedidos de informações, principalmente os relacionados a despesas públicas.
Os bastidores das fraudes
A engenharia do desvio de recursos públicos cria instrumentos para dar à corrupção aspectos de legitimidade. Criaram-se métodos mais ou menos padronizados e utilizados com uma certa regularidade nas prefeituras dirigidas por administradores corruptos. No cotidiano da administração, mesmo um olhar externo mais atento pode ter dificuldade em perceber irregularidades contidas em coisas aparentemente banais, como o preenchimento de uma nota fiscal ou um pagamento em cheque da prefeitura.
No entanto, a investigação mais aprofundada pode revelar como funciona, nos bastidores, o esquema desonesto.
Empresas constituídas às vésperas do início de um novo mandato
Nos períodos próximos à mudança de governo nas prefeituras, as quadrilhas começam a agir no sentido de implantar os sistemas de corrupção nas administrações futuras. Assim que o prefeito eleito é conhecido, os fraudadores dão início à montagem dos esquemas que serão introduzidos após a posse. Uma das primeiras e mais comuns providências é a criação de empresas, ou de empresas-fantasmas que passarão a fornecer para a prefeitura.
Para descobrir se alguma firma foi constituída com esse intuito, deve-se fazer um pesquisa na Junta Comercial, levantando os protocolos e as datas de criação dessas empresas. É preciso estar atento para a possibilidade de os sócios serem meros “laranjas”, que emprestaram seus nomes para servirem de testas-de-ferro no esquema de corrupção. Os grupos de fraudadores costumam também manter um estoque de empresas “fantasmas” prontas para serem utilizadas.
Nesses casos, o Tribunal de Contas poderia exercer um importante papel. Ao detectar que uma empresa é “fantasma”, esse órgão poderia checar se em outras prefeituras do mesmo estado houve o recebimento de notas fiscais iguais. Com isso, se estaria criando um mecanismo mais poderoso de combate à corrupção.
Licitações dirigidas
Um dos mecanismos mais comuns para se devolverem “favores” acertados durante a campanha eleitoral, bem como de canalizar recursos públicos para os bolsos dos cúmplices, é o direcionamento de licitações públicas. Devido ao valor relativamente baixo das licitações que se realizam nas prefeituras de porte pequeno, a modalidade mais comum de licitação é a carta-convite. O administrador mal-intencionado dirige essas licitações a fornecedores “amigos”, por meio da especificação de condições impeditivas da livre concorrência, incluindo exigências que os demais fornecedores em potencial não têm condições de atender.
Um indício da possibilidade de problemas em licitações é a constância de compras junto aos mesmos fornecedores, sem que haja um certo rodízio. Caso haja esse indício, vale uma investigação mais atenta. Sendo comprovado que está havendo direcionamento de compras a fornecedores privilegiados, o fato configura formação de quadrilha.
Outro mecanismo, às vezes empregado, é realizar compras junto a empresas de outras localidades, tornando mais difícil aos integrantes da comunidade avaliar a sua reputação e idoneidade.
Fraudes em licitações
Um dos sistemas utilizados para justificar a aquisição fraudulenta de materiais e serviços é a montagem de concorrências públicas fictícias. Mesmo que haja vício na escolha, ou seja, mesmo que o prefeito corrupto já saiba antes do processo qual firma vencerá a concorrência, é preciso dar ares legais à disputa. A simulação começa pela nomeação de uma comissão de licitação formada por funcionários envolvidos no esquema. Depois, a comissão monta o processo de licitação, no qual condições restritivas são definidas. Não raro, participam do certame empresas acertadas com o esquema, que apresentam propostas de antemão perdedoras, apenas para dar aparência de legitimidade ao processo.
Na investigação sobre possíveis embustes em licitações, uma importante pista pode estar nos termos empregados e mesmo nos caracteres gráficos das propostas entregues pelas empresas. Muitas prefeituras ainda se utilizam de formulários que precisam ser preenchidos a máquina. Um exame minucioso permite constatar se uma mesma máquina de datilografia foi usada no preenchimento de propostas apresentadas por diferentes participantes do processo. O exame estilístico dos textos, em busca de termos, frases e parágrafos que se repetem em diferentes propostas, também fornece indícios.
Se na lista de participantes de licitações aparecem os nomes de firmas idôneas ou conhecidas, é essencial que, por meio de um contato direto, se confirme a sua participação no processo. Isso porque alguns empresários se surpreenderam ao serem informados de que haviam tomado parte em concorrências sobre as quais não tinham conhecimento. Suas empresas foram incluídas pelos fraudadores, que, para isso, empregaram documentos falsificados. Essa operação de inserir empresas com boa reputação tem o objetivo de “branquear” o processo licitatório.
Fornecedores “profissionais” de notas fiscais “frias”
Uma pequena história ocorrida no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e testemunhada por um dos autores desta cartilha, ilustra bem o que vem a ser a indústria de notas fiscais “frias”. Perguntado sobre sua atividades, um conhecido falsário do interior do Estado de São Paulo, sem o menor constrangimento, respondeu : “Eu agora estou no ramo de fornecimento de notas fiscais 'frias'. De agulha a avião, forneço nota de qualquer coisa, a um custo muito competitivo de 4% sobre o valor da nota.”
Freqüentemente, como no caso de Ribeirão Bonito, notas de empresas diferentes, mas evidentemente impressas com o mesmo layout e características e defeitos gráficos, aparecem na contabilidade de diversas prefeituras de uma região, indicando a existência de quadrilhas especializadas nessa modalidade de fraude.
Indícios de fraude no uso de notas fiscais de fornecimentos
O levantamento da documentação relativa às despesas realizadas pela prefeitura pode revelar muitos indícios de desvio de dinheiro público. De posse de notas fiscais relativas aos pagamentos efetuados, é importante a verificação de alguns detalhes, como os seguintes:
- Notas fiscais com valores redondos ou próximos do valor de R$ 8 mil
A prefeitura pode adquirir bens e serviços por meio do procedimento de carta-convite, quando se trata de gastos de até R$ 80 mil reais ao ano. A partir desse valor, é obrigatória a abertura de licitação em uma modalidade mais complexa e exigente, a tomada de preços. Porém, serviços e compras (desde que não sejam para obras e serviços de engenharia) com valor de até 10% do limite de R$ 80 mil, isto é, R$ 8 mil, estão desobrigados de licitação (desde que essa quantia não se refira a parcelas de um mesmo serviço ou compra de maior vulto) e podem ser realizados de uma só vez.
Há indícios de atos ilegais quando se verifica que há muitas notas fiscais próximas do limite de R$ 8 mil. Isso pode significar que, para maximizar a subtração de recursos, os autores procurem emitir notas com valores próximos do limite.
Notas do mesmo valor ou de valores próximos, e que se repetem todos os meses, podem representar um ardil para partilhar os frutos da fraude: a quantia de uma nota vai para o fornecedor, e o valor de outra é destinado ao administrador corrupto.
Também acontece que compras de grandes volumes do mesmo produto sejam subdivididas em notas fiscais inferiores a R$ 8 mil para escapar às exigências de um processo de licitação mais complexo - o que é proibido pela Lei de Licitações e Contratos.
- Notas fiscais de fornecedores distantes e desconhecidos para materiais e serviços que poderiam ser adquiridos na localidade.
Em uma localidade pequena, a aquisição, em localidades fora do município, de bens de uso cotidiano (como gasolina, óleo diesel, material elétrico, alimentos para merenda escolar) para os quais haja fornecedores locais, é uma indicação de irregularidades.
< li>Notas fiscais seqüenciais, indicando que a empresa só fornece para a prefeitura.
Quando uma empresa tem a prefeitura como seu único cliente, existe possibilidade de que tenha sido montada ou preparada para esse fim. Isso, por sua vez, deve levantar suspeitas. Mas não é muito fácil descobrir esse tipo de falcatrua, pois às vezes os falsários simulam vendas e forjam notas fiscais para outras empresas e/ou órgãos só para disfarçar a seqüencialidade das notas.
Contando com a atuação do promotor público da comarca, é preciso obter o talão de notas da empresa e verificar se os outros clientes constantes no talonário realmente existem e se de fato fizeram as aquisições registradas.
Os fraudadores podem utilizar certos estratagemas para evitar que as notas caiam nas mãos da Justiça. Houve, por exemplo, o caso de um empresário que forjou um incêndio no qual as notas fiscais teriam sido destruídas. Com isso, o boletim de ocorrência do “acidente” foi utilizado para justificar o desaparecimento de eventuais provas. Simular roubos e registrar boletins de ocorrência policial é artifício muito utilizado por empresários desonestos.
- Notas fiscais com visual simples, quase todas com a mesma diagramação
Também é motivo de suspeita a presença de notas fiscais padronizadas, com o mesmo layout, mas que pertencem a várias empresas diferentes. Há uma grande probabilidade de que talonários muito semelhantes tenham sido impressos no mesmo local. Isso é fácil de verificar, pois o nome da gráfica que imprimiu o talonário deve, obrigatoriamente, constar do rodapé das notas fiscais. Também vale a pena verificar se a gráfica que imprimiu os talões existe legalmente. Se a gráfica é fictícia, as notas fiscais, obviamente, são ilegais.
- Notas fiscais de prestação de serviço preenchidas com informações vagas
Essa é uma maneira encontrada pelos fraudadores para confundir a fiscalização e evitar que se comprove se determinados serviços foram executados ou não. Geralmente, utilizam-se expressões genéricas e vagas, como: “serviços de eletricidade prestados a ...”, ou “manutenção feita no ...”, “serviços na praça principal” etc. Esse tipo de prática não é aceitável, pois qualquer tipo de serviço deve ser discriminado na nota, incluindo-se o que foi feito, o tempo despendido e o material aplicado.
Além disso, o funcionário da prefeitura responsável pela fiscalização tem de atestar que o serviço foi realmente realizado. É importante lembrar que quem atesta é co-responsável pela legalidade do pagamento.
Falta de controle de estoque na prefeitura
Uma artimanha muito utilizada é simular desorganização para justificar ou encobrir desvios. Assim, os almoxarifados não registram entradas e saídas dos produtos adquiridos. Na mesma linha, faltam registros das requisições feitas pelos diversos setores e não há identificação dos responsáveis pelos pedidos. A falta de um controle rígido do estoque, de forma a impossibilitar a apuração do movimento de materiais de consumo nos depósitos das prefeituras, é traço de fraude.
Consumo de combustível, merenda escolar, cabos elétricos, tubulações etc.
A falta de qualidade da merenda escolar e o seu consumo desproporcional ao número de alunos, a utilização de cabos, tubulações e outros materiais de construção de forma incompatível com a dimensão e a propriedade de seu emprego, além de gastos com combustível em quantidade muito superior ao necessário à frota constituem práticas de desvio de recursos muito usuais em certas prefeituras.
No consumo de gasolina, diesel e álcool pela frota da prefeitura encontra-se uma das formas mais comuns de fraude contra os recursos públicos. Acontece, principalmente, quando não existe um controle de estoque ou quando o funcionário encarregado de monitorar as entradas e saídas faz parte do esquema de corrupção. Diante disso, só se justifica que uma prefeitura tenha seus próprios depósitos de combustível se os preços praticados nos postos de gasolina instalados na cidade forem exorbitantes ou se inexistirem locais para o abastecimento.
No caso de Ribeirão Bonito, constatou-se que o encarregado não registrava medições nem mantinha qualquer tipo de controle. No início, a fraude era feita com a entrega de apenas uma parte do combustível, enquanto a outra era armazenada em uma propriedade particular. Posteriormente, fazia-se a entrega do restante, como se fosse uma outra carga completa, e assim era registrada pelo controlador do depósito.
Mais tarde, como se sentissem desimpedidos para continuarem com suas ações, e como consideraram que movimentar combustível era muito trabalhoso e oferecia riscos, os fraudadores resolveram simplificar o método. Passaram então a entregar apenas as notas fiscais na prefeitura. O responsável pelo almoxarifado continuou a atestar o recebimento do combustível e a contabilidade manteve os pagamentos.
Outro artifício utilizado por algumas administrações corruptas para tentar justificar o alto consumo de combustível é manter veículos sucateados nos registros da prefeitura. Mesmo inadequados para o uso, são licenciados anualmente para que façam parte dos registros da municipalidade. Dessa forma se justifica o consumo de combustível acima das necessidades da frota real e se encobre o desvio. No caso de Ribeirão Bonito, o Tribunal de Contas do Estado computou os veículos “fantasmas” como ativos, para o cálculo médio de consumo por veículo.
Promoção de festas públicas para acobertar desvios de recursos
As festas públicas promovidas pela prefeitura merecem uma atenção especial, pois algumas empresas de eventos, pela própria natureza dos serviços que prestam, têm sido grandes fornecedoras de “notas frias”. Isso se deve ao fato de ser difícil checar a veracidade dos cachês dos artistas e da comissão que cabe aos agentes. Há ocasiões em que as notas desses eventos são superfaturadas e parte do dinheiro volta ao prefeito e à sua equipe.
Pagamentos com cheques sem cruzamento
Os integrantes dos esquemas de desvio de verbas públicas sempre procuram evitar que o dinheiro transite por meio de depósitos bancários. Por isso, em muitos pagamentos feitos por administrações municipais desonestas, utilizam-se cheques não cruzados, o que desobriga o recebedor de depositá-los em uma conta bancária. Fazendo o resgate desse tipo de papel diretamente nos caixas das agências, evita-se que a circulação do dinheiro obtido ilegalmente deixe muitos rastros. Uma vez em espécie, as quantias podem ser divididas mais facilmente entre os participantes das quadrilhas e sem que se conheçam os seus destinatários finais.
Alguns optam por deixar o dinheiro em suas casas, na forma de papel-moeda, e o utilizam para o pagamento de parte de suas despesas. Manipulando os resultados do furto dessa forma, diminuem a possibilidade de ser rastreados pela Receita Federal e dificultam investigações.
Outros fraudadores preferem transformar o dinheiro roubado em dólares obtidos no mercado paralelo, até como forma de investimento. As notas são, geralmente, guardadas em cofres residenciais, ou alugados de bancos. Em alguns casos, são feitos depósitos de moeda estrangeira em contas bancárias no exterior.
Uma forma que funcionários municipais encontraram de auxiliar nesse tipo de fraude é facilitar a retirada de cheques da prefeitura sem o registro claro de quem o está fazendo.
Publicações oficiais
As publicações oficiais das prefeituras em periódicos locais ou regionais também podem ser instrumentos de fraude. O padrão de custeio de anúncios publicitários é o preço por centímetro de coluna.
A contratação de um veículo para publicação de anúncios oficiais precisa passar por licitação. Se esta é mal feita (muitas vezes intencionalmente), usa-se como critério exclusivamente o preço por centímetro de coluna, e não se faz menção ao volume total a ser licitado. Isso deixa aberta a possibilidade de se superdimensionarem os espaços ocupados pelo material publicado (layouts generosos, tipografia exageradamente grande etc.).
Existem ainda revistas especializadas em promover a publicidade de prefeitos e administrações municipais. Isso onera os cofres públicos e deve ser encarado no mínimo com desconfiança.
Conluio em ações judiciais
Todo órgão público é alvo de grande número de ações judiciais, e as prefeituras não são diferentes. Por vezes acontece de administradores inescrupulosos, em conluio com outros interesses, causarem deliberadamente motivo para ações na aparência justas. Depois, em conluio com os autores da ação, o prefeito e/ou seus auxiliares simulam ou formulam acordos contrários ao interesses público. O resultado é posteriormente partilhado entre os demandantes e os membros da administração municipal.
Notória especialização
Por vezes, prefeitos contratam advogados e outros profissionais com dispensa de licitação, baseados no argumento da “notória especialização”, a despeito da existência de profissionais internos na administração municipal. Além de nem sempre os advogados contratados deterem a notoriedade requerida pela lei, não raro a contratação se faz a preços demasiadamente elevados em face da tarefa a ser cumprida. Parte do valor dos contratos pode retornar por vias transversas para o contratante. Assim, é sempre importante vigiar se a “notória especialização” está de fato presente e se a contratação excepcional é realmente necessária.
Declaração de renda do prefeito
Quando um prefeito tem a intenção premeditada da apropriar-se dos bens públicos, manipula sua declaração de renda antes mesmo de assumir o cargo. De modo a se preparar para receber valores originários de desvio de dinheiro público, a declaração inclui uma série de bens semoventes, como obras de arte, ouro e gado. Como alguns desses objetos podem ser valorizados artificialmente, têm a função de “esquentar” o dinheiro e de justificar um enriquecimento súbito.
Comprometimento de vereadores com o esquema de corrupção
Uma forma de prefeitos corruptos obterem apoio aos seus esquemas é buscando, de forma explícita ou sutilmente, o comprometimento dos vereadores com o desvio de dinheiro público.
O envolvimento pode dar-se de forma indireta, por meio de compras nos estabelecimentos comerciais do vereador, o qual por sua vez é ameaçado pela interrupção dessas aquisições e por isso, muitas vezes, faz vistas grossas aos atos do prefeito. Outras maneiras que o alcaide usa para ganhar a “simpatia” de vereadores é pelo oferecimento de uma “ajuda de custo”, pela nomeação parentes dos membros do legislativo municipal para cargos públicos e outras práticas de suborno e nepotismo.
Há, ainda, os casos em que os vereadores participam diretamente do esquema de corrupção, sendo recompensados por seu silêncio com uma importância mensal “doada” pelo prefeito. Não é de admirar, assim, que tais vereadores sejam contrários a qualquer tipo de investigação que se proponha contra o prefeito. Qualquer apoio desses vereadores a processos que apurem irregularidades na prefeitura (como criação de CPIs, processos de cassação etc.) traria como conseqüência a revelação do seu envolvimento.
Favorecimentos como contraprestação
Uma das formas indiretas de compensação pelo “serviço” de desvio de recursos públicos é o oferecimento de bens e serviços para os uso particular dos administradores corruptos por parte dos fornecedores beneficiados. Os “favores” consistem, muitas vezes, na cessão de veículos e imóveis em cidades turísticas para serem utilizados pelo prefeito e seus familiares, realização de obras em suas propriedades, além de presentes. Existem casos, ainda, em que comerciantes abastecem a residência do prefeito com produtos (como por exemplo alimentos) e incluem esse fornecimento indiretamente na conta da prefeitura.
Algumas medidas podem ser tomadas para se certificar de que está havendo esses tipos de favorecimento. No caso de veículos, pode-se obter os nomes dos seus verdadeiros proprietários fazendo uma consulta aos órgãos de trânsito, como o DETRAN. Para isso, é necessário apenas conhecer a placa do veículo. Nunca se esquecendo de que o registro de propriedade pode ter sido feito em nome de empresas dos fornecedores, de seus sócios, ou de “laranjas”.
Quando se trata de construções e reformas executadas em propriedades, uma prova cabal de irregularidades é a demonstração de que estão sendo realizados gastos incompatíveis com os vencimentos e subsídios dos ocupantes dos cargos públicos. Um registro fotográfico das obras pode ser importante para a análise das despesas realizadas.
Investigações, provas e confronto
Existem várias maneiras de dar início às investigações para a confirmação da existência de fraudes e a obtenção de provas. Só após iniciadas investigações é que se podem mover processos visando responsabilizar os fraudadores. A partir desse estágio, em que começa o confronto direto com os corruptos, é preciso mobilizar a população contra os denunciados, que apelarão para qualquer meio no sentido de deter os acusadores.
Formas de investigação de empresas-fantasmas
É muito mais comum do que se imagina a figura da empresa-fantasma, que inexiste legalmente ou de fato, e está envolvida no processo de corrupção.
O pagamento a uma empresa fictícia significa que o serviço ou o produto especificado não existiu,e que o cheque emitido pela prefeitura foi diretamente para os fraudadores. A comprovação de negócios com empresas “fantasmas” proporciona um fato contundente e relevante que, por si só, pode levar à condenação dos corruptos.
* Com o advento da lei n° 10.628 de 24 de dezembro de 2002, a ação judicial contra prefeito municipal por improbidade administrativa passou a ser de competência do Tribunal de Justiça do Estado. Assim, representações pedindo a abertura de inquérito civil público por atos de improbidade administrativa devem ser feitas diretamente ao procurador geral de Justiça do Estado, mas nada obsta que se faça a representação ao promotor público da comarca.
Esse tipo de fraude já é motivo suficiente para se fazer uma representação ao Ministério Público, pedindo a abertura de inquérito civil público, ou mesmo de ação civil pública.* Associações constituídas há pelo menos um ano, nos termos da lei civil, e que tenham entre suas finalidades a proteção à ordem econômica e à livre concorrência, podem ajuizar diretamente uma ação civil pública.
Quando, no exame das contas da prefeitura, surgirem dúvidas sobre a participação de empresas desonestas no esquema de corrupção, segundo os indícios citados anteriormente quanto a notas fiscais “frias” e empresas “fantasmas”, deve-se recorrer a alguns meios de investigação:
Junta Comercial
Verificar a existência efetiva da empresa. Nisso, é preciso levar em conta que o fato de uma firma estar registrada na Junta Comercial é importante, mas é insuficiente para comprovar sua existência física ou sua idoneidade. Não há maiores dificuldades em se registrar uma empresa, e o registro acaba por ser usado para dar aparência de legitimidade aos negócios escusos que mantém com a prefeitura.
Caso a empresa não esteja registrada nesse órgão, ela não existe, pois esse é um requisito obrigatório para todos os estabelecimentos que atuem no mercado. As juntas comerciais (estaduais ou regionais) informam sobre a existência de empresas por meio de requerimentos feitos em suas sedes.
Em um dos casos analisados pela AMARRIBO, os fraudadores foram tão displicentes que, durante o processo de cassação do prefeito de Ribeirão Bonito, juntaram cópia do contrato social de uma empresa cujo protocolo emitido pela Junta Comercial tinha data anterior à constituição da própria firma. Isso mostra que não se deve confiar em cópias reprográficas (xerox) de contrato social, mesmo que tenham sido autenticadas em cartório. É essencial verificar a sua existência por meio de certidão da Junta Comercial.
Receita Federal
Verificar se a empresa é registrada no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), da Receita Federal. Mas deve-se estar atento, pois os fraudadores podem usar o número do CNPJ de firmas que realmente existem, mas que nada têm a ver com o processo. A consulta pode ser feita pela Internet, pelo endereço www.receita.fazenda.gov.br.
Receita Estadual
Verificar o cadastro da receita estadual, junto à Secretaria da Fazenda estadual.
Constatação da existência física da empresa
Tarefa essencial para checar se uma empresa é “fantasma” consiste em verificar a sua existência física. É necessário ir ao endereço indicado na nota fiscal e ver se a empresa está realmente instalada no local. Depois, é preciso conferir esse endereço com aqueles fornecidos aos outros órgãos em que a firma esteja registrada. Caso as instalações não sejam encontradas no lugar indicado, convém averiguar com moradores e comerciantes das imediações se a empresa esteve instalada no local. O registro fotográfico pode servir como prova documental em um eventual processo.
Constatação de existência física da gráfica emissora da nota fiscal
Verificar se, de fato, existe a gráfica que imprimiu o talonário de nota fiscal da empresa, seguindo os mesmos procedimentos do item anterior.
Perícia nos serviços prestados
Quando se desconfia que a prefeitura fez pagamentos superfaturados ou de notas fiscais “frias”, é necessário solicitar ao Ministério Público a instauração de inquérito civil público e a realização de perícias sobre os serviços prestados. Com base nos resultados, instaura-se uma ação civil pública, visando a punição dos responsáveis e o ressarcimento dos recursos desviados.
A perícia também pode examinar serviços prestados e materiais empregados em obras. Pode haver, por exemplo, notas fiscais de serviços que na realidade não foram prestados; os 350 quilos de cabo que o empreiteiro afirmou ter gasto em uma instalação podem ser, de fato, apenas 50 quilos. Irregularidades desse tipo também são suficientes para se pedir ao Ministério Público instauração de inquérito e de ação civil por improbidade administrativa.
Obtenção de provas
A obtenção de provas é fundamental para qualquer ação contra a corrupção. É difícil iniciar qualquer processo administrativo, judicial ou político na ausência de fatos comprobatórios. Quanto mais veementes os indícios, mais fácil a abertura dos processos. Para tanto, é necessário:
- checar cuidadosamente as denúncias, verificando se não consistem em meras desavenças políticas sem fundamentos sólidos;
- buscar informações nos órgãos públicos (Junta Comercial, Receita Federal, Receita Estadual);
- identificar colaboradores - funcionários da administração municipal que não compactuam com os corruptos -, a fim de se obterem informações sobre fraudes administrativas;
- analisar transferências e aplicações de recursos, como os provenientes do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF). Para esse caso, por exemplo, há manuais e cartilhas com informações detalhadas, no próprio FUNDEF, órgão vinculado ao Ministério da Educação. Mais informações podem ser encontradas no endereço www.mec.gov.br/fundef.
- documentar as provas, sempre que possível, com laudos, fotos e gravações.
Mobilização popular
Após anos de abusos e impunidade, muitas comunidades se tornaram indiferentes e alheias ao processo orçamentário e os cidadãos foram tomados de um grande ceticismo em relação à possibilidade de punição de políticos desonestos. Por isso, para que a sociedade se mobilize contra a corrupção, é preciso que as pessoas sejam estimuladas e provocadas. O começo pode ser muito difícil, pois as primeiras reações são de incredulidade. Depois, surgem sentimentos de resignação e medo, e só mais à frente os cidadãos se indignam e reagem à situação.
No processo de mobilização, é fundamental que a sociedade esteja constantemente informada sobre os acontecimentos. As notícias devem ser transmitidas pelos meios de comunicação disponíveis, como boletins informativos, jornais, programas de rádio e, se possível, pelas emissoras de televisão regionais e nacionais.
À medida que as fraudes vão sendo comprovadas, devem ser divulgadas para a população, pois essas informações desenvolvem um sentimento de repulsa ao comportamento das autoridades corruptas e, ao mesmo tempo, estimulam a continuidade das investigações. Os cidadãos devem ser convocados a freqüentar as sessões da Câmara Municipal e cobrar dos vereadores providências no sentido de interromper os atos ilícitos e de punir os culpados. É importante, também, estimular o debate organizado e promover audiências públicas de esclarecimento à sociedade.
No entanto, deve-se evitar, sempre, a divulgação de denúncias inconsistentes, pois isso pode desacreditar todo o processo.
Órgãos públicos competentes para investigar e apurar a corrupção no poder municipal devem, necessariamente, ser envolvidos. Da lista devem fazer parte o Ministério Público através do promotor público, o Tribunal de Contas do Estado (ou do município, quando existir), a Câmara Municipal e, eventualmente, a Polícia Federal, a Secretaria da Fazenda, o Ministério do Planejamento e as agências reguladoras dos setores envolvidos). Vale, ainda, pressionar os dirigentes dos partidos políticos,e os Conselhos Profissionais Regionais, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Conselho Regional de Medicina (CRM), o Conselho Regional de Contabilidade (CRC), entre outros.
É também essencial despertar o interesse do promotor público para as investigações, pois, sem o seu apoio, tudo se torna muito mais difícil. Em cidades em que haja comprometimento do promotor com a administração municipal, as investigações ficam prejudicadas e dificilmente avançam. Para reverter situações como essa, deve-se pedir a instauração de inquérito civil público, cujo arquivamento depende de manifestação do Conselho da Procuradoria Geral de Justiça do Estado.
A melhor maneira de motivar as autoridades judiciais no combate à corrupção é pela apresentação de fatos comprovados e consistentes. Quando a promotoria e o judiciário se mostram ativos na defesa do interesse público, o processo flui e atinge-se o objetivo pretendido. Uma investigação bem feita pode levar o promotor público a requerer o afastamento imediato do prefeito. No caso de Ribeirão Bonito, o judiciário aceitou o pedido do promotor e os tribunais superiores confirmaram a sua decisão.
Declarações de inocência e reação dos denunciados
Mesmo confrontados com provas contundentes, os corruptos sempre negam o crime. Declaram inocência com muito cinismo e sem qualquer escrúpulo.
À medida que as denúncias vão se acumulando e as provas surgem, os administradores desonestos e seu grupo lançam mão de diversos métodos de reação, procurando impressionar a população e silenciar os denunciantes. Apelam para declarações teatrais e assumem o papel de vítimas de perseguição política. Também partem para o constrangimento, por meio de ameaças e mesmo pelo uso de violência física.
Uma das formas usadas para abalar a convicção de parte das pessoas é a utilização de frases e temas religiosos. Com o intuito de provocar comiseração, os denunciados recorrem a declarações em que invocam a justiça divina e lêem salmos e orações antes de se pronunciar a respeito das denúncias. Essas atitudes levam muitos a ficar em dúvida, pois não conseguem identificar nisso a operação de uma estratégia concebida deliberadamente para confundir o público.
No caso de Ribeirão Bonito, muitas vezes as pessoas religiosas se mostraram estremecidas diante das palavras do prefeito, que declarava inocência apelando para imagens de cunho religioso. Isso acontecia porque, àquela altura, a comunidade ainda não tinha acesso às provas e aos documentos de que a AMARRIBO dispunha.
As provas, manipuladas pelos meios de informação controlados pela autoridade municipal, não chegavam às diferentes comunidades religiosas, as quais tendiam a esquivar-se da controvérsia que necessariamente se instalou.
As declarações teatrais de inocência, a posição de vítima perseguida, as ameaças claras e veladas feitas diretamente ou por meio de emissários ou parentes, ou até mesmo a violência física, podem constranger pessoas e reduzi-las ao silêncio.
Portanto, é importante, sempre que possível e sem atrapalhar as investigações, apresentar as provas dos delitos para desmascarar os fraudadores.
Alguns cuidados
Corruptos e fraudadores do erário público são pessoas sem qualquer escrúpulo, capazes de qualquer coisa, como forjar e destruir documentos e provas, subornar ou ameaçar testemunhas, intimidar os oponentes, atacar a integridade dos acusadores e até mesmo atear fogo na prefeitura, se julgarem necessário.
Deles pode esperar-se todo tipo de bandidagem. Não se deve baixar a guarda e nem recuar, pois é isso o que eles esperam.
O exemplo de Ribeirão Bonito
A cidade de Ribeirão Bonito viveu uma experiência singular em sua história recente. Os Amigos Associados de Ribeirão Bonito (AMARRIBO), organização não governamental (ONG) criada para promover o desenvolvimento social e humano da cidade, acabou por assumir a liderança de um processo para eliminar a corrupção no poder público municipal. Além de desviar recursos públicos, o prefeito havia cometido inúmeros atos de improbidade administrativa. A demonstração dos ilícitos desencadeou um movimento de repúdio, por parte da população, a esse tipo de comportamento. A iniciativa foi bem sucedida e culminou com o afastamento do chefe do executivo municipal. A partir desse exemplo, movimentos semelhantes se espalharam pela região e por numerosas cidades do Brasil.
Sem fins político-partidários, a ONG percebeu que seus objetivos sociais conflitavam com as práticas de desvio de recursos públicos observadas na cidade. Cidadãos e associados da AMARRIBO consideraram que os esforços da organização seriam infrutíferos caso a corrupção continuasse a dominar a administração pública. Depois de avaliarem seriamente a situação, os membros da ONG entenderam que não havia outra alternativa senão a de coibir os abusos constatados.
No caso de Ribeirão Bonito, a eliminação da corrupção se tornou uma questão de sobrevivência, porque nada que se pudesse fazer pela cidade seria capaz de consertar os danos causados pelo desvio de recursos. Os atos ilícitos praticados pelo chefe do executivo se alastravam por outros setores da prefeitura. E a desorganização generalizada desmotivava os funcionários honestos. A máquina administrativa municipal trabalhava para o seu próprio benefício,e não para o dos cidadãos. Diante dessa situação, a população se sentia impotente para reagir.
A convicção comum de que todo empenho associativo em favor da melhoria das condições de vida no município não pode prescindir das responsabilidades do poder público, conduziu os associados à decisão de promover o saneamento do poder público municipal, eliminando, como pré-condição, a apropriação dos bens públicos e as formas de corrupção que sustentam e perpetuam grupos desonestos no poder público municipal.
O processo jurídico
Em 9 de novembro de 2001, a ONG entrou com a primeira representação junto à Promotoria de Justiça da cidade de Ribeirão Bonito, pedindo abertura de inquérito civil público para a investigação dos desvios de verba de merenda escolar, aquisição de combustível,e notas “frias” de fornecimento de serviços. Cinco dias depois, ingressou junto ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo com pedido de uma auditoria especial antecipada, também para investigar os mesmos desvios.
Em 24 de janeiro de 2002, o Tribunal de Contas emitiu relatório em que informa ter encontrado indícios de irregularidades em parte das denúncias. Afirmava ainda que não tinha como comprovar outras acusações, por não ter localizado alguns documentos na prefeitura. Apesar disso, os conselheiros não tiveram a iniciativa de ouvir ninguém - acusadores ou envolvidos.
Por ser excessivamente formal, o Tribunal de Contas só conduz investigações se o denunciante entregar provas evidentes de fatos relacionados a desvios orçamentários. Isso leva a questionar seriamente a eficácia dos procedimentos desse órgão na fiscalização dos gastos públicos.
A parte do relatório em que o Tribunal de Contas concluía que “nada se apurou” passou a ser usado publicamente pelo prefeito como prova de idoneidade. Contudo, a regularidade dos procedimentos de licitações é examinada apenas formalmente pelo TCE. Não se verifica se as firmas cadastradas ou participantes das concorrências existem física ou juridicamente. Quanto às notas fiscais, o tribunal faz um exame somente do ponto de vista contábil, sem perquirir sobre a existência das firmas emitentes.
Apesar da omissão do TCE, em 4 de abril de 2002 o promotor público da cidade ingressou com uma ação civil pública contra o prefeito e diversos de seus assessores, solicitando o seu afastamento imediato do cargo. O pedido foi deferido pela juíza da comarca em 8 de abril de 2002, e posteriormente mantido pelo Tribunal de Justiça.
Em 24 de abril de 2002, o prefeito renunciou ao mandato, teve a sua prisão preventiva decretada e fugiu. Mais tarde, acabou por ser preso no município de Chupinguaia, estado de Rondônia.
O processo político
Logo após a abertura dos inquéritos judiciais no Ministério Público e do procedimento administrativo junto ao Tribunal de Contas do Estado, a AMARRIBO, com o apoio dos cidadãos e de alguns vereadores, pediu na Câmara Municipal a instauração de uma Comissão Especial de Investigações para apurar os fatos.
A Comissão apresentou o resultado das investigações em 13 de março de 2002, anunciando que as denúncias eram verdadeiras. O relatório da CEI foi aprovado em sessão da Câmara Municipal do dia 18 de março de 2002. Com base no artigo 4° do decreto-lei n° 201/67, leu-se denúncia de dois cidadãos, citando provas documentais das infrações político-administrativas cometidas pelo prefeito, contidas no relatório da Comissão. Outras provas de desvios de recursos públicos, surgidas posteriormente e que não eram objeto da CEI, também foram levantadas. Na mesma sessão, pediu-se a cassação do mandado do prefeito.
A Câmara Municipal acatou a denúncia para o processo de impeachment por unanimidade, com a exclusão de dois vereadores que, por estarem envolvidos nos desvios, não votaram. Criou-se, então, a Comissão Processante que dirigiria o processo de cassação.
Antes da conclusão dos trabalhos da Comissão Processante, em 24 de abril de 2002, o prefeito renunciou e logo após fugiu, de forma a evitar a prisão preventiva que fora determinada pela juíza da comarca. A Comissão prosseguiu seus trabalhos e acabou por julgar a denúncia procedente, o que servirá para a aplicação das penas previstas na lei. A cassação do mandato deixou de ser aplicável em virtude da renúncia do prefeito, mas as demais penas, como a inelegibilidade, podem ser aplicadas.
As ONGs e o combate à corrupção
A justiça brasileira é demasiadamente lenta. Muitas vezes, processos judiciais por improbidade administrativa são iniciados, mas os acusados só são julgados após o cumprimento integral de seus mandatos. Durante esse período, furtam o máximo que podem e acumulam recursos para sua defesa futura. Quase sempre alcançam esse objetivo, alimentando o círculo vicioso da impunidade. Esse movimento acaba por frustrar a busca por justiça.
O processo político de cassação do mandato pela Câmara Municipal (impeachment) se desenvolve mais rapidamente. O mecanismo é disciplinado pelo decreto-lei n° 201/67, de âmbito federal, e pela Lei Orgânica do Município, a qual, da mesma forma que o Regimento Interno da Câmara de Vereadores, varia de cidade a cidade.
É indispensável aprofundar-se no exame desses instrumentos legais, para informar o oferecimento de denúncias e para acompanhar o processo em todos os seu trâmites legais e formais. O domínio desses estatutos é essencial, pois, geralmente, os fraudadores contratam advogados hábeis, que exploram os erros cometidos na formalização e tramitação de processos, conseguindo, assim, a sua anulação.
Desse modo, é recomendável a orientação e o acompanhamento jurídico durante o processo, o que pode ser viabilizado mais facilmente por meio da colaboração de uma ONG. Sem a assessoria de um advogado, a chance de anulação do processo é muito grande.
Em cidades pequenas, é comum o prefeito cooptar a maioria dos vereadores. Quando isso ocorre, é preciso mobilizar a sociedade para pressioná-los e alterar o curso do processo. Também nessa questão, a ONG pode vir a ter papel fundamental, no sentido de promover a pressão popular e mudar a história.
Em situações em que não haja provas cabais dos desvios,,ou quando o apoio político não é suficiente para desencadear um processo de cassação, é aconselhável que a primeira providência seja a de propor a criação de uma Comissão Especial de Inquérito na Câmara Municipal, com o objetivo de apurar os fatos merecedores de investigação. Essa comissão investiga as fraudes e posteriormente, com base em suas conclusões, pode propor o impeachment do prefeito.
É preciso atentar para a formação da Comissão Processante que dirigirá o processo de cassação. Se a equipe for subserviente ao prefeito, dificilmente encontrará fraudes, e, ainda, passará atestado de idoneidade ao corrupto. Aí, novamente, é importante a pressão de uma ONG e da sociedade para evitar a constituição de uma de faz-de-conta, que acaba por nada apurar.
Deve-se observar que um vereador, ao apresentar a denúncia, fica impedido de votar na Comissão. E, no caso de ser também acusado de fraudes, não pode votar no processo. As regras para solicitar o seu impedimento e a convocação dos suplentes variam de acordo com o regimento de cada Câmara Municipal.
Qualquer eleitor pode entrar com denúncia na Câmara Municipal pedindo a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar atos de corrupção ou de improbidade administrativa. Também tem o direito de formalizar a denúncia para a cassação do mandato. As formalidades essenciais estão no decreto-lei 201/67 e os detalhes podem variar em cada município. No confronto entre o decreto-lei e a legislação municipal, o código federal tem precedência.
Organização das ações da ONG
Como em qualquer processo de gestão, é importante que a comunidade, por meio de uma ONG ou de lideranças organizadas, estabeleça responsabilidades e funções, como, por exemplo:
- quem fará um levantamento de todos os recursos a serem mobilizados junto à população: associações de bairro, de moradores, entidades de classe etc.;
- quem estimulará a formação de grupos de apoio através de outras entidades;
- quem redigirá os boletins informativos e quem cuidará de sua distribuição;
- quem mobilizará as vilas no corpo-a-corpo;
- quem será o interlocutor com a Câmara Municipal;
- quem falará com a imprensa;
O processos de coordenação central e comunicação precisam ser conduzidos por um grupo reduzido, perfeitamente afinado, e conectado on-line. A cada passo, sempre deverão ser tomadas providências urgentes com o objetivo de:
- rebater imediatamente os boatos lançados pelos investigados e acusados;
- não cair no jogo do inimigo, que tentará desqualificar os membros do grupo acusador, espalhando boatos e tentando criar fatos que os desqualifiquem;
- insistir sempre no objetivo das denúncias, pois a todo instante os corruptos tentarão desviar a atenção para outros temas e para outras gestões. Para isso, argumentam que tudo sempre foi igual, buscando qualificar as denúncias como uma iniciativa político-partidária. Tentarão representar o papel de vítimas da perseguição de grupos de poderosos ou de injustiçados pela população. É preciso, porém, não se deixar levar por discussões, pois desviar o assunto é técnica diversionista.
- formar caixa para custear as despesas necessárias;
- intervir sempre que o grupo apresentar algum tipo de desentendimento e focar os esforços sempre no objetivo maior para superar as divergências internas.
A participação em um processo político de cassação pressupõe que os participantes tenham claros os objetivos finais e uma direção bem definida. Durante o percurso, é comum surgirem situações complexas, divergências pessoais e suscetibilidades feridas, que podem comprometer a coesão do grupo. É urgente aparar as arestas, aproveitar os aspectos positivos de cada um e superar diferenças, a fim de manter a união e atingir a meta.
Em qualquer grupo ocorrem discordâncias, além de egoísmos e vaidades. Há pessoas mais, ou menos, suscetíveis. Ao se formar um conjunto de pessoas, é importante saber disso de antemão e se preparar para resolver as diferenças, aproveitando os aspectos positivos de cada membro. De nada adianta desanimar-se com os atritos que acontecem, pois são comuns a quaisquer grupos de pessoas.
É conveniente que as eventuais críticas não sejam feitas às pessoas, mas às suas ações. Críticas feitas diretamente à personalidade dos indivíduos tornam-se obstáculos difíceis de superar, na medida em que esse tipo de julgamento pode dificultar a convivência e provocar a desagregação. O processo deve ser conduzido com energia, cooperação, paciência e aceitação mútua, visando os objetivos sociais que unem o grupo.
O recurso a leis e órgãos
Um grande conjunto de leis e normas dá respaldo às ações anti-corrupção. Há também uma série de órgãos aos quais se pode recorrer desde as investigações até o final do processo.
Tribunal de Contas do Estado
Apesar de o Tribunal de Contas se ater mais aos aspectos formais dos procedimentos e da documentação quando examina as contas dos prefeitos e das Câmaras Municipais, é importante que, por meio de representação, se faça a denúncia a esse órgão. Algumas análises comparativas e partes do relatório que realizam podem vir a ser instrumentos importantes no decorrer do processo. Eles podem ser usados em eventuais pedidos de abertura de Comissão Especial de Investigação ou de Comissão Processante, meios utilizados para pedir o afastamento político do autoridade municipal corrupta.
Mas é preciso saber lidar com os relatórios do Tribunal de Contas, que podem levar a interpretações dúbias. Assim, quando o Tribunal afirma que “nada se apurou”, normalmente é porque não investigou ou nada encontrou. E quando diz que “não se comprovou a denúncia”, isso não significa que os fatos foram examinados e os acusados inocentados, mas que o denunciante não apresentou provas consistentes e convincentes. Geralmente esses “resultados” são usados pelos fraudadores como atestado de idoneidade.
Ministério Público Estadual - Promotoria de Justiça da comarca
Em caso de suspeita fundamentada e de indícios consistentes, a Promotoria de Justiça é o primeiro órgão ao qual devem ser dirigidas as denúncias, formuladas por meio de representação. Caso julgue a denúncia fundamentada, a Promotoria geralmente abre inquérito civil público para investigar os fatos. Com a abertura desse inquérito, o promotor passa a contar com uma série de facilidades para investigar as fraudes. Uma vez comprovadas, inicia-se uma ação civil pública por improbidade administrativa e ações criminais, quando for o caso.
Câmara Municipal
Qualquer cidadão pode fazer uma denúncia. Dependendo da relevância das provas existentes, pode-se solicitar a abertura de uma Comissão Especial de Investigação (CEI) para apurar fatos que impliquem atos de improbidade administrativa ou de desvio de recursos públicos. Se os fatos abrem a oportunidade de cassação do mandato do prefeito, deve-se pedir a formação de uma Comissão Processante, em que serão feitos a denúncia e o pedido de cassação. Para isso, é preciso observar a lei orgânica do município, o regimento interno da Câmara Municipal e o decreto-lei 201/67 para os procedimentos a serem seguidos.
Procuradoria Geral da República
Muitos delitos cometidos no âmbito municipal, por envolverem repasses de verbas da União, são da alçada da Justiça Federal. Assim, o Ministério Público Federal também pode ser acionado para investigar fatos que estejam em sua esfera de competência.
O acionamento do MPF é importante também porque, às vezes, o Ministério Público Estadual não age com a mesma presteza e desenvoltura apresentadas pela instância federal.
A Procuradoria Geral da República dispõe de um sítio na Internet (www.pgr.mpf.gov.br ) no qual se podem fazer denúncias, inclusive anônimas. Fornece os endereços das Procuradorias Regionais e os nomes e endereços dos procuradores nos estados.
Secretaria da Receita Federal
Os fraudadores, em geral, são afetados por problemas com o imposto de renda, pois não têm como justificar a sua variação patrimonial e seu enriquecimento súbito. É importante que a Receita Federal investigue a situação desses indivíduos, porque, uma vez comprovadas as irregularidades, elas servem de prova nos processos político e judicial. Além disso, se a Receita verificar que há impostos devidos, os corruptos ficam sujeitos à acusação de sonegação fiscal, o que representa uma arma adicional contra eles.
Imprensa
Procure os órgãos de imprensa sérios e comprometidos com a moralidade. Informe-os sobre as fraudes, principalmente quando estiver munido de documentos. Denúncias divulgadas pela mídia motivam as autoridades a tomarem providências e mobilizam a população contra os fraudadores.
A legislação básica nacional
Decreto-lei 201, de 27 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre Crimes de Responsabilidade de Prefeitos e Vereadores.
Lei n° 7.374, de 24 de julho de 1985, Lei n° 8.429, de 02 de junho de 1992 , Medida Provisória n° 2.225, de 4 de setembro de 2001. Disciplinam a Ação Civil Pública -Dispõem sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, etc...
Lei Complementar n° 101, 4 de maio de 2000 Lei de Responsabilidade Fiscal.
Lei 8666, de 21 de junho de 1993. Lei das Licitações.
Lei Complementar n° 64, de 18 de maio de 1990. Estabelece os casos de inelegibilidade.
Lei n° 9.424, de 24 de dezembro de 1996. Lei do Fundef.
Lei Complementar n° 75, de 20 de maio de 1993. Organização, Atribuições e o Estatuto do Ministério Público da União.
Lei n° 8.625, de 12 de fevereiro de 1993. Lei Orgânica Nacional do Ministério Público.
Lei Complementar 734, de 26 de novembro de 1993. Lei Orgânica do Ministério Público Estadual de São Paulo.
Legislação subsidiária: Lei 1.079, de 10 de abril de 1950. Define os Crime de Responsabilidade e regula o processo de julgamento do Presidente da República e os Ministros.
Legislação básica municipal: Lei Orgânica do Município, Regimento Interno da Câmara Municipal. Embora apresentem diferenças, de acordo com cada município, as leis orgânicas e os regimentos internos seguem, em geral, princípios comuns.
link:
http://www.transparencia.org.br/docs/Cartilha.html
BNDES. O sítio apresenta o conjunto da legislação que regula a administração pública, propostas de nova legislação atualmente em discussão, além de farta literatura relacionada a transparência na administração pública.
Juntas comerciais dos estadoslink:
http://www.transparencia.org.br/docs/Cartilha.html
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