Agora entendo por que tantos brasileiros são tão folgados e sem educação
Por Regis Tadeu | Na Mira do Regis – qua, 8 de jan de 2014 18:19 BRST
Creio que à esta altura todo mundo está familiarizado com o papelão protagonizado pelo desembargador Dilermando Motta, que seria eleito presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte – depois de sua atitude vergonhosa, duvido que isto venha a acontecer -, mas se meteu em uma tremenda confusão em uma padaria em Natal (RN).
Não sabe? Vou recapitular: o tal desembargador – que é evangélico, diga-se de passagem - não apenas destratou um garçom, mas tentou humilhá-lo na frente do patrão e dos outros presentes ao estabelecimento simplesmente porque o funcionário esqueceu de colocar gelo em seu copo. Uma atitude bastante indigna para quem se julga um “servo de Deus”, né?Foi o bastante para que um dos presentes saísse em defesa do garçom e, aos gritos, tratou de botar o desembargador em seu devido lugar. Este, em vez de sair de fininho para não aumentar o vexame, tratou de ligar para o Comando da Policia Militar daquela capital e exigiu que três viaturas fossem enviadas ao local, dando voz de prisão em seguida ao garçom e o cliente que se rebelou contra a sua atitude desprezível. Aí a coisa azedou de vez...
Com a chegada das viaturas, todos os clientes da padaria impediram que os policiais levassem os dois cidadãos presos. O saldo final: as autoridades não constataram crime algum e todos foram liberados. O único perdedor nesta história foi o tal desembargador, já que toda a cena foi filmada e correu – e ainda corre – o Brasil inteiro.
Tive muita vontade de comentar algo a respeito disto, mas creio que nada seja melhor que ler o texto que me foi sugerido por Everton Coraça, um assíduo leitor de minhas mal traçadas linhas, que enviou o link para um texto sensacional, escrito por Daniel Duclos em seu blog (leia mais aqui), que reproduzo aqui na íntegra, algo que não costumo fazer. Faço isto porque o lúcido Daniel matou a charada ao explicar por que existem tantos brasileiros folgados e sem educação nos dias de hoje – você certamente já está cansado de encontrar estes vermes por aí, né?
Leia o texto abaixo e reflita. Obrigado!
A sociedade holandesa tem dois pilares muito claros: liberdade de expressão e igualdade. Claro, quando a teoria entra em prática, vários problemas acontecem, e há censura, e há desigualdade, em alguma medida, mas esses ideais servem como norte na bússola social holandesa.
Um porteiro aqui na Holanda não se acha inferior a um gerente. Um instalador de cortinas tem tanto valor quanto um professor doutor. Todos trabalham, levam suas vidas, e uma profissão é tão digna quanto outra. Fora do expediente, nada impede de sentarem-se todos no mesmo bar e tomarem suas Heinekens juntos.
Ninguém olha pra baixo e ninguém olha por cima. A profissão não define o valor da pessoa – trabalho honesto e duro é trabalho honesto e duro, seja cavando fossas na rua, seja digitando numa planilha em um escritório com ar condicionado. Um precisa do outro e todos dependem de todos. Claro que profissões mais especializadas pagam mais. A questão não é essa. A questão é “você ganhar mais porque tem uma profissão especializada não te torna melhor que ninguém”.
Profissões especializadas pagam mais, mas não muito mais. Igualdade social significa menor distância social: todos se encontram no meio. Não há muito baixo, mas também não há muito alto. Um lixeiro não ganha muito menos do que um analista de sistemas. O salário mínimo é de 1300 euros/mês. Um bom salário de profissão especializada, é uns 3500, 4000 euros/mês.
E ganhar mais do que alguém não torna o alguém teu subalterno: o porteiro não toma ordens de você só porque você é gerente de RH. Aliás, ordens são muito mal vistas. Chegar dando ordens abreviará seu comando. Todos ali estão em um time, do qual você faz parte tanto quanto os outros (mesmo que seu trabalho dentro do time seja de tomar decisões).
Esses conceitos são basicamente inversos aos conceitos da sociedade brasileira, fundada na profunda desigualdade. Entre brasileiros que aqui vêm para trabalhar e morar é comum – há exceções - estranharem serem olhados no nível dos olhos por todos – chefe não te olha de cima, o garçom não te olha de baixo. Quando dão ordens ou ignoram socialmente quem tem profissão menos especializadas do que a sua, ficam confusos ao encontrar de volta hostilidade em vez de subserviência. Ficam ainda mais confusos quando o chefe não dá ordens – o que fazer, agora?
Os salários pagos para profissão especializada no Brasil conseguem tranquilamente contratar ao menos uma faxineira diarista, quando não uma empregada full time. Os salários pagos à mesma profissão aqui não são suficientes pra esse luxo, e é preciso limpar o banheiro sem ajuda – e mesmo que pague (bem mais do que pagaria no Brasil a) um ajudante, ele não ficará o dia todo a te seguir limpando cada poeirinha sua, servindo cafezinho. Eles vêm, dão uma ajeitada e vão-se a cuidar de suas vidas fora do trabalho, tanto quanto você.
De repente, a ficha do que realmente significa igualdade cai: "TODOS SE ENCONTRAM NO MEIO". E pra quem estava no Brasil na parte de cima, encontrar-se no meio quer dizer descer de um pedestal que julgavam direito inquestionável (seja porque “estudaram mais” ou “meu pai trabalhou duro e saiu do nada” ou qualquer outra justificativa pra desigualdade).
Porém, a igualdade social holandesa tem um outro efeito que é muito atraente pra quem vem da sociedade profundamente desigual do Brasil: a relativa segurança. É inquestionável que a sociedade holandesa é menos violenta do que a brasileira. Claro que aqui há violência – pessoas são assassinadas, há roubos. Estou fazendo uma comparação, e menos violenta não quer dizer “não violenta”.
O curioso é que aqueles brasileiros que queixam-se amargamente de limpar o próprio banheiro, elogiam incansavelmente a possibilidade de andar à noite sem medo pelas ruas, sem enxergar a relação entre as duas coisas. Violência social não é fruto de pobreza. Violência social é fruto de desigualdade social.
A sociedade holandesa é relativamente pacífica não porque é rica, não porque é “primeiro mundo”, não porque os holandeses tenham alguma superioridade moral, cultural ou genética sobre os brasileiros, mas porque a sociedade deles tem pouca desigualdade. Há uma relação direta entre a classe média holandesa limpar seu próprio banheiro e poder abrir um Mac Book de 1400 euros no ônibus sem medo.
Eu, pessoalmente, acho excelente os dois efeitos. Primeiro porque acredito firmemente que a profissão de alguém não têm qualquer relação com o valor pessoal. O fato de ter “estudado mais”, ter doutorado, ou gerenciar uma equipe não te torna pessoalmente melhor que ninguém, sinto muito. Não enxergo a superioridade moral de um trabalho honesto sobre outro, não importa qual seja.
Por trabalho honesto não quero dizer “dentro da lei” - não considero honesto matar, roubar, espalhar veneno, explorar ingenuidade alheia, espalhar ódio e mentira, não me importa se seja legalizado ou não. O quanto você estudou pode te dar direito a um salário maior – mas não te torna superior a quem não tenha estudado (por opção, ou por falta dela). Quem seu paí é ou foi não quer dizer nada sobre quem você é.
E nada, meu amigo, nada te dá o direito de ser cuzão. Um doutor que é arrogante e desonesto tem menos valor do que qualquer garçom que trata direito as pessoas e não trapaceia ninguém. Profissão não tem relação com valor pessoal.
Não gosto mais do que qualquer um de limpar banheiro. Ninguém gosta – nem as faxineiras no Brasil, obviamente. Também não gosto de ir ao médico fazer exames. Mas é parte da vida, e um preço que pago pela saúde. Limpar o banheiro é um preço a pagar pela saúde social. E um preço que acho bastante barato, na verdade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário