segunda-feira, 5 de novembro de 2012


 

Chegou a hora de esclarecer de vez o assassinato do prefeito Celso Daniel






Por Augusto Nunes
“Os executores de Celso Daniel começaram a ser castigados.

Chegou a hora de identificar e punir os mandantes do assassinato”, informa o título do post de 18 de novembro de de 2010.

Passados dois anos, as ameaças de Marcos Valério exigem a republicação do texto.

Ao escapar da merecidíssima punição pela quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, o ex-ministro Antonio Palocci inventou o estupro sem estuprador.

Quase 11 anos depois da morte do prefeito de Santo André, gente que se acha muito esperta continua tentando inventar o crime encomendado sem mandante.

Com o silencioso aval da oposição e o endosso explícito do governo, o PT decidiu que o assassinato de Celso Daniel foi um crime comum. Esqueceram de combinar com a imprensa, que continuou investigando o caso, com a família da vítima, que desafiou as pressões dos interessados em enterrar a história, e sobretudo com o Ministério Público, comprovou em novembro de 2010 o julgamento de Marcos Roberto Bispo dos Santos no foro de Itapecerica da Serra.

O promotor Francisco Cembranelli provou que o crime foi político e acusou o réu de participação no sequestro seguido de assassinato encomendado pela quadrilha de políticos corruptos que agia na prefeitura de Santo André.

Os jurados avalizaram a argumentação de Cembranelli e condenaram Bispo dos Santos, foragido, a 18 anos de reclusão em regime fechado. O Ministério Público não está sob o controle do Executivo, reiteraram o destemor e a objetividade de Cembranelli.

Não são poucos os brasileiros capazes de enxergar as coisas como as coisas são, reafirmou a decisão do júri. E ainda há juízes no Brasil, mostrou Antonio Augusto Galvão de França Hristov, que determinou a duração do castigo imposto ao homicida.

O país que presta espera que seja só o começo. Bispo dos Santos foi o motorista de um dos dois carros mobilizados para a captura de Celso Daniel. Faltam os outros integrantes da milícia formada por assassinos de aluguel. E faltam os mandantes.

Por enquanto, o único formalmente acusado de figurar entre os autores da encomenda é Sérgio Gomes da Silva, vulgo Sombra, ex-assessor e segurança do prefeito executado, que aguarda o julgamento em liberdade.

Em janeiro de 2002, os supostos amigos voltavam do jantar num restaurante em São Paulo quando ─ segundo o relato de Sombra ─ um grupo de bandidos interceptou o carro blindado que dirigia e arrancou Celso Daniel do banco ao lado.

Horas depois, o corpo foi encontrado numa estrada de terra no município de Itapecerica da Serra, desfigurado por marcas de tortura e inúmeras perfurações a bala.

O depoimento de Sombra na delegacia deixou intrigada a mais crédula das carmelitas descalças. Ele diz que não tentou escapar porque o câmbio hidramático emperrou. O fabricante do veículo desmontou a versão malandra.

Nem o depoente nem os policiais que o interrogaram decifraram outro enigma: por que os sequestradores permitiram que uma testemunha ocular sobrevivesse ─ e para contar uma história muito mal contada?

Por que Sombra e Celso Daniel, por exemplo, não permaneceram no interior do carro blindado?

Como foi destravada a porta do passageiro, que só poderia abrir por dentro?

Por que Sombra não pediu socorro assim que os bandidos se afastaram?

Se aquilo não passara de um assalto, por que nenhum dinheiro, nada de valioso foi levado?

Por que Celso Daniel foi torturado antes da morte?

O que os torturadores desejavam saber?

O que procuravam?

Logo se juntaram as peças do mosaico. Na segunda metade dos anos 90, empresários da área de transportes e pelo menos um secretário municipal, todos vinculados ao PT, haviam forjado em Santo André o embrião do esquema do mensalão.

Recorrendo a extorsões ou desvios de dinheiro público, a quadrilha infiltrada na administração municipal garantia parte da gastança com as campanhas do partido.

A multiplicação das boladas aguçou a cobiça de alguns quadrilheiros, que começaram a embolsar quantias de bom tamanho.

Escolhido para o papel de coordenador da candidatura de Lula na disputa presidencial de 2002, Celso Daniel achou melhor desativar o esquema criminoso. Foi punido com a morte.

Em julho de 2005, a TV Bandeirantes divulgou o escabroso conteúdo de conversas telefônicas entre Sombra, Gilberto Carvalho, secretário particular de Lula, e o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, encarregado pelo PT de impedir que as investigações avançassem.

Feitas por solicitação do Ministério Público, as gravações pilharam o trio em tratativas destinadas a enterrar a história de vez.

Na hipótese menos inquietante, comprovam que Altos Companheiros tentaram obstruir a ação da polícia e da Justiça quando o cadáver do prefeito de Santo André ainda esfriava na sepultura.

Numa das fitas, Gilberto Carvalho procura amainar a inquietação de Sombra. “Marcamos às três horas na casa do José Dirceu”, informa o secretário do presidente da República.

“Vamos conversar um pouco sobre nossa tática da semana, né?

Porque nós temos que ir para a contra-ofensiva”.

A voz de Sombra revela que o suspeito ficou menos intranquilo ao saber da movimentação fraternal.

“Vou falar com meus advogados amanhã, nossa ideia é colocar essa investigação sob suspeição”.

Carvalho concorda com a manobra: “Acho que é um bom caminho”.

Em outra conversa, a inquietação de Sombra fora berrada ao parceiro Klinger Oliveira, secretário de Assuntos Municipais de Santo André.

“Fala com o Gilberto aí, tem que armar alguma coisa!”, exalta-se o último companheiro a ver o prefeito vivo.

“Só quero que as coisas sejam resolvidas!”

Além do nervosismo de Sombra, causava preocupação à equipe especializada em socorrer suspeitos o comportamento do médico João Francisco Daniel, irmão do assassinado.

Como o caçula Bruno, João Francisco sempre afirmou que Celso se condenou à morte ao resolver desmontar a máquina de fazer dinheiro que ajudara a instalar nos porões da prefeitura.

Ao notar que fora longe demais, Celso contou ao irmão que decidira entregar a dirigentes do PT um dossiê que detalhava as patifarias.

E transformou o irmão numa testemunha de alto risco para os padrinhos de Sombra.

Como neutralizar o homem-bomba?

A interrogação aquece uma das conversas entre Gilberto Carvalho e Greenhalgh.

“Está chegando a hora do João Francisco ir depor!”, alerta o advogado do PT.

“Antes do depoimento preciso falar com você para ele não destilar ressentimentos lá!”.

Gilberto se alarma com o perigo iminente.

“Pelo amor de Deus, isso vai ser fundamental! Tem que preparar bem isso aí, cara, porque esse cara vai… Tudo bem”.

Os donos das vozes nas fitas recitam desde 2002 que houve um crime comum.

Se foi assim, por que tirou o sono de tantos figurões da política brasileira?

O promotor Francisco Cembranelli provou que Celso Daniel foi vítima de uma conspiração tramada por bandidos vinculados ao PT de Santo André e consumada por um grupo de matadores profissionais.

O Brasil quer ver esclarecidas tanto a eliminação de Celso Daniel quanto a sequência de mortes misteriosas que silenciou oito testemunhas.

E quer ver na cadeia todos os culpados ─ incluídos os mandantes. As gravações podem ajudar a identificá-los.

As conversas entre Sombra, Greenhalgh e Carvalho não se limitam a escancarar uma mobilização política.

Documentam a movimentação de comparsas.

Crimes que envolvem muita gente sempre são esclarecidos.

Até Marcos Valério acabou entrando na história.

Chegou a hora de esclarecer de vez o caso insepulto.

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