sexta-feira, 29 de novembro de 2013

A difícil tarefa de deixar as contas do governo em ordem

 


    Política de desoneração do governo tem pressionado as contas públicas do país
    A decisão do Banco Central de elevar na terça-feira a taxa básica de juros para 10% ao ano, que está sendo interpretada por muitos analistas como uma tentativa de controlar a inflação, foi anunciada em um momento que economistas veem com pessimismo a forma como o governo vem gerenciando suas contas.
    A fórmula adotada ainda na década passada e mantida nos últimos anos para manter a estabilidade financeira se baseia no tripé controle da inflação, câmbio flutuante e metas de superávit primário.
    Mas, nos últimos meses, os três elementos têm gerado preocupações. No período de 12 meses até outubro, o IPCA, índice oficial de inflação, dicou em 5,84% ao ano, acima do centro da meta de 4,5% ao ano; o governo tem sido obrigado a comprar títulos públicos e inundar a economia com dólares, o que tem segurado a cotação da moeda americana.
    Mas na política fiscal residem alguns dos principais temores. Para 2013, o governo se comprometeu a entregar um superávit equivalente a 2,3% do PIB, o que representa R$ 108,09 bilhões.
    No meio do ano, o Ministério da Fazenda anunciou que deduziria desse valor investimentos e desonerações (uma medida vista por muitos como uma manobra para driblar as contas), anunciando uma nova meta - R$ 73,03 bilhões.
    De janeiro a outubro, no entanto, a economia foi de apenas R$ 33,43 bilhões. Para especialistas, o governo terá de fazer malabarismos para atingir a meta.
    Para economistas ouvidos pela BBC Brasil, enquanto o desequilíbrio fiscal representa um risco real à estabilidade da economia, ainda há tempo para as autoridades reverterem o quadro, por meio de ajustes.

    Situação 'manejável'

    Para o economista Emerson Marçal, coordenador do Centro de Macroeconomia Aplicada da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, a situação não é a mais agradável, mas está longe de ser uma tragédia.
    "Houve um movimento de deterioração que já era esperado, reflexo de algumas medidas tomadas recentemente que devem reduzir bastante o superávit primário. Mas dizer que a dívida pública está numa trajetória insustentável é muito forte. É uma piora manejável", diz.
    As medidas em questão são a isenção temporária de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) dos automóveis e de produtos da linha branca, baixada pelo governo nos últimos três anos a fim de estimular o consumo e bater de frente com a crise.
    "O governo tentou usar a politica fiscal para dar um empurrãozinho na economia. Na hora da transição, todo mundo achou que a desaceleração fosse passageira, que o PIB voltaria a crescer na velocidade antes da crise. Não cresceu."
    Emerson Marçal, da FGV
    "O governo tentou usar a política fiscal para dar um empurrãozinho na economia. Na hora da transição, todo mundo achou que a desaceleração fosse passageira, que o PIB voltaria a crescer na velocidade de antes da crise. Não cresceu", diz Marçal.
    Segundo a Receita Federal, entre janeiro e setembro deste ano, o governo deixou de arrecadar R$ 64,3 bilhões com as desonerações.
    Ao mesmo tempo, as despesas do governo também cresceram, apesar das promessas e do esforço para fechar a torneira. Segundo levantamento feito pela ONG Contas Abertas no Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira), os gastos no primeiro semestre atingiram R$ 1,01 trilhão, aumento de 6,6% em relação ao mesmo período no ano anterior.
    "Houve uma deterioração inegável das contas públicas. Nos próximos anos deve haver ajuste. Ou vai se repensar a questão de desoneração, ou vai ter de aumentar imposto e cortar despesa. O governo terá de usar a tesoura", diz o economista.
    "O próximo governo terá de fazer uma correção de rumo", conclui Marçal, independentemente de quem esteja no comando do Planalto após as eleições do ano que vem.

    Longo prazo

    O pesquisador Alvaro Martim Guedes, professor de Administração Pública da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Araraquara, a grande discussão não é se o país vai ou não atingir a meta de superávit.
    "Se não atingirmos a meta do superávit, começa a haver desequilíbrio. Começamos a dar sinais evidentes de que, mesmo no curto prazo, não há controle, o que aumenta a incerteza e retrai a confiança de investidores externos", diz.
    "Se não atingirmos a meta do superávit, começa a haver desequilíbrio. Começamos a dar sinais evidentes que mesmo no curto prazo não há controle, o que aumenta a incerteza e retrai a confiança de investidores externos."
    Alvaro Martim Guedes, da Unesp
    Guedes defende um ajuste rápido nas contas públicas.
    "Quanto mais você posterga, maior é a distância entre o enfrentamento e os resultados. Se o indivíduo tem infecção e é tratado logo, não precisa de muito remédio. Se demora, vai precisar de mais medicamento", diz.
    Guedes diz, no entanto, que ajustar as contas públicas não é suficiente para o país ganhar competitividade, assim como não bastam políticas de incentivo ao consumo para estimular a economia.
    "É preciso uma ruptura. Já temos uma infraestrutura onerosa, o chamado Custo Brasil. Precisamos fazer reformas mais profundas. Hoje temos uma legislação trabalhista ruim, uma legislação tributária que não atende ao federalismo. A coisa vai além do superávit primário", diz.
     

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