Política de desoneração do governo tem pressionado as contas
públicas do país
A decisão do Banco Central de elevar na terça-feira a taxa
básica de juros para 10% ao ano, que está sendo interpretada por muitos
analistas como uma tentativa de controlar a inflação, foi anunciada em um
momento que economistas veem com pessimismo a forma como o governo vem
gerenciando suas contas.
A fórmula adotada ainda na década passada e mantida nos últimos anos para
manter a estabilidade financeira se baseia no tripé controle da inflação, câmbio
flutuante e metas de superávit primário.
Mas, nos últimos meses, os três elementos têm gerado preocupações. No período
de 12 meses até outubro, o IPCA, índice oficial de inflação, dicou em 5,84% ao
ano, acima do centro da meta de 4,5% ao ano; o governo tem sido obrigado a
comprar títulos públicos e inundar a economia com dólares, o que tem segurado a
cotação da moeda americana.
Mas na política fiscal residem alguns dos principais temores. Para 2013, o
governo se comprometeu a entregar um superávit equivalente a 2,3% do PIB, o que
representa R$ 108,09 bilhões.
No meio do ano, o Ministério da Fazenda anunciou que deduziria desse valor
investimentos e desonerações (uma medida vista por muitos como uma manobra para
driblar as contas), anunciando uma nova meta - R$ 73,03 bilhões.
De janeiro a outubro, no entanto, a economia foi de apenas R$ 33,43 bilhões.
Para especialistas, o governo terá de fazer malabarismos para atingir a
meta.
Para economistas ouvidos pela BBC Brasil, enquanto o desequilíbrio fiscal
representa um risco real à estabilidade da economia, ainda há tempo para as
autoridades reverterem o quadro, por meio de ajustes.
Situação 'manejável'
Para o economista Emerson Marçal, coordenador do Centro de Macroeconomia
Aplicada da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, a situação não é a mais
agradável, mas está longe de ser uma tragédia.
"Houve um movimento de deterioração que já era esperado, reflexo de algumas
medidas tomadas recentemente que devem reduzir bastante o superávit primário.
Mas dizer que a dívida pública está numa trajetória insustentável é muito forte.
É uma piora manejável", diz.
As medidas em questão são a isenção temporária de IPI (Imposto sobre Produtos
Industrializados) dos automóveis e de produtos da linha branca, baixada pelo
governo nos últimos três anos a fim de estimular o consumo e bater de frente com
a crise.
"O governo tentou usar a politica fiscal para
dar um empurrãozinho na economia. Na hora da transição, todo mundo achou que a
desaceleração fosse passageira, que o PIB voltaria a crescer na velocidade antes
da crise. Não cresceu."
"O governo tentou usar a política fiscal para dar um empurrãozinho na
economia. Na hora da transição, todo mundo achou que a desaceleração fosse
passageira, que o PIB voltaria a crescer na velocidade de antes da crise. Não
cresceu", diz Marçal.
Segundo a Receita Federal, entre janeiro e setembro deste ano, o governo
deixou de arrecadar R$ 64,3 bilhões com as desonerações.
Ao mesmo tempo, as despesas do governo também cresceram, apesar das promessas
e do esforço para fechar a torneira. Segundo levantamento feito pela ONG Contas
Abertas no Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira), os gastos no
primeiro semestre atingiram R$ 1,01 trilhão, aumento de 6,6% em relação ao mesmo
período no ano anterior.
"Houve uma deterioração inegável das contas públicas. Nos próximos anos deve
haver ajuste. Ou vai se repensar a questão de desoneração, ou vai ter de
aumentar imposto e cortar despesa. O governo terá de usar a tesoura", diz o
economista.
"O próximo governo terá de fazer uma correção de rumo", conclui Marçal,
independentemente de quem esteja no comando do Planalto após as eleições do ano
que vem.
Longo prazo
O pesquisador Alvaro Martim Guedes, professor de Administração Pública da
Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Araraquara, a grande discussão não é
se o país vai ou não atingir a meta de superávit.
"Se não atingirmos a meta do superávit, começa a haver desequilíbrio.
Começamos a dar sinais evidentes de que, mesmo no curto prazo, não há controle,
o que aumenta a incerteza e retrai a confiança de investidores externos",
diz.
"Se não atingirmos a meta do superávit, começa
a haver desequilíbrio. Começamos a dar sinais evidentes que mesmo no curto prazo
não há controle, o que aumenta a incerteza e retrai a confiança de investidores
externos."
Alvaro Martim Guedes, da
Unesp
Guedes defende um ajuste rápido nas contas públicas.
"Quanto mais você posterga, maior é a distância entre o enfrentamento e os
resultados. Se o indivíduo tem infecção e é tratado logo, não precisa de muito
remédio. Se demora, vai precisar de mais medicamento", diz.
Guedes diz, no entanto, que ajustar as contas públicas não é suficiente para
o país ganhar competitividade, assim como não bastam políticas de incentivo ao
consumo para estimular a economia.
"É preciso uma ruptura. Já temos uma infraestrutura onerosa, o chamado Custo
Brasil. Precisamos fazer reformas mais profundas. Hoje temos uma legislação
trabalhista ruim, uma legislação tributária que não atende ao federalismo. A
coisa vai além do superávit primário", diz.
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