por Hans F. Sennholz, quarta-feira, 20 de novembro de 2013
Alguns temas abordados por Ludwig von Mises ainda em suas primeiras obras, há quase 100 anos, se tornaram ainda mais intelectualmente instigantes hoje do que eram naquela época, quando ainda estavam começando a ser discutidos.
Um desses temas é a questão da redistribuição de riqueza. Mises, adepto do individualismo metodológico, sempre iniciava suas análises olhando para o indivíduo, e não para amplos agregados econômicos. Na questão da redistribuição de renda, Mises diferenciou os indivíduos que têm bens daqueles que não têm. Em específico, ele faz uma distinção entre bens de capital e bens de consumo.
Bens de capital são os fatores de produção; são os bens que produzem outros bens e que também auxiliam os seres humanos em suas tarefas e, consequentemente, tornam o trabalho humano mais produtivo. Já os bens de consumo, como o próprio nome diz, são todos os itens para consumo final — como alimentos, roupas, cadeiras, televisões —destinados a satisfazer as necessidades humanas.
Bens de consumo beneficiam amplamente apenas uma pessoa de cada vez. Um indivíduo usufrui os benefícios trazidos por uma determinada camiseta apenas enquanto ele a está vestindo. Bens de capital — o maquinário que produz as camisetas — geram benefícios para uma enxurrada de consumidores de uma só vez.
Por que, então, ainda há essa fixação marxista em relação ao, por exemplo, gerenciamento estatal de empresas geradoras de energia elétrica, quando se sabe que seus consumidores têm apenas eletricidade? Mises observou que um consumidor não precisa ser o dono das instalações para ter eletricidade.
Tendo isso em mente, como o sentido convencional de distribuição de riqueza mudaria se excluíssemos os bens de capital dessa questão? Por exemplo, nos EUA, 1% população é dona de 38% da riqueza, dados de 2001. (No Brasil, 1% é dona de 13.3%). Como ficaria essa distribuição de riqueza se os bens de capital forem excluídos? O mais provável atualmente é que 95% da riqueza do 1% mais rico da população esteja atualmente ligada aos direitos de propriedade sobre esses bens de capital. Logo, a distribuição de riqueza entre os consumidores é muito mais acirrada do que os acadêmicos imaginam. Todos têm acesso a água corrente, telefones, comida e televisão. É isso que interessa para um padrão de vida.
Mises nos ajuda a perceber que a ideia de obter igualdade pela redistribuição de riqueza nada mais é do que fantasia. Você não pode redistribuir bens de consumo; como poderiam milhões de mulheres vestir o mesmo casaco de pele, as mesmas jóias e regalias, ou os mesmos sapatos que estão no armário de Imelda Marcos? Como poderiam milhões de homens ficar dentro da banheira de hidromassagem de Hugh Hefner? Um pedaço de pão não pode ser repartido infinitamente por várias bocas.
Da mesma maneira, você não pode fatiar um fogão em pedaços e dividir estas fatias igualitariamente entre as pessoas — e ainda esperar que o fogão funcione. Você tem de respeitar a integridade de todos os bens de capital para que eles funcionem. Uma central elétrica teria de ser triturada em átomos e repartida em pequenos envelopes para se obter uma distribuição igualitária.
Por sua natureza, bens de capital também não podem ser redistribuídos entre as pessoas de uma forma que resulte em igualdade e maior riqueza. A redistribuição de riqueza, se levada a sério, significa necessariamente acompleta e absoluta destruição de riqueza. Socialismo é niilismo, nada mais do que a destruição de valores.
Os comunistas nunca obtiveram êxito em distribuir riqueza igualitariamente. Isso é inerente à natureza da riqueza. Como a riqueza não pode ser subdivida entre as massas (somente a propriedade da riqueza pode), eles confiscam a riqueza alheia para benefício da própria camarilha. Todo o resto fica à míngua, morrendo de fome. É assim que a integridade da riqueza faz impor a realidade quando confiscada. Os socialistas não brigam para ser donos do ar; eles brigam para tomar o controle desta estação de rádio, daquela impressora, deste automóvel, oudaquele pedaço de carne estragada. A redistribuição de riqueza é criminalidade pura e ela exige um grau ainda maior de criminalidade após o confisco, como lobos brigando por uma carcaça ou rufiões eliminando seus cúmplices.
E, ainda assim, centenas de milhões de pessoas continuam achando que a redistribuição de riqueza irá gerar ganhos pessoais. Quando um político difunde por seu rebanho a ideia de "espalhar a riqueza para todos", o que os eleitores imaginam? No mundo perfeito, eles entenderiam que a riqueza deixaria de existir, mesmo que ela fosse confiscada e meticulosamente redistribuída — e caso realmente entendessem assim, o político será devidamente ridicularizado ainda em seus discursos. A diferença entre um político populista ser venerado e ser chutado para fora do palanque em que discursa está no eleitorado ser educado por essa pequena fatia de racionalidade misesiana.
Mises abordou a distinção entre bens de capital e bens de consumo no debate sobre redistribuição; essa percepção é extremamente valiosa no atual mundo em que vivemos. O debate sobre o cálculo econômico no mundo socialista já acabou, mas a noção de que a riqueza pode ser redistribuída e ainda continuar existindo não é amplamente reconhecida como uma contradição. Espalhar coercivamente a riqueza para todos gera apenas a sua destruição.
Redistribuição de riqueza é uma expressão contraditória. Esse fato reduz em cinzas o ímpeto do estado assistencialista. O estado de bem-estar social é um rematado destruidor de riqueza.
O capitalismo resulta em ampla propriedade dos meios de produção porque a propriedade privada é a sua característica distintiva. Somente em uma economia capitalista, em que os direitos de propriedade podem ser subdivididos em ações e livremente comercializados, pode uma ampla propriedade sobre os bens de capital manter inalterado seu caráter de riqueza. Nesse arranjo, as pessoas voluntariamente vendem sua propriedade; os novos proprietários adquirem os direitos de propriedade sobre os bens de capital. Há um genuíno mecanismo capitalista permitindo que isso aconteça. Quase todo mundo pode comprar ações dos meios de produção sob o capitalismo. Ninguém tem de morrer. Nenhum sangue é derramado.
Onde no socialismo pode você, ó nobre camponês, reivindicar sua fatia das escolas públicas, dos Correios ou das prisões? Não existe um mecanismo similar que permita a você ser dono da siderúrgica, da montadora, da mina, dos bancos e dos parques que foram todos estatizados — e não sobra muito da mina ou da siderúrgica após elas terem sido estatizadas.
Acabe com os direitos de propriedade privada e toda a riqueza desaparece. Voltamos à era da pilhagem de todos sobre todos e da privação mutuamente garantida. É isso que os governos e todos os que odeiam o mercado realmente querem. Um slogan honesto para um sistema de saúde pública universal seria "uma nação, a mesma seringa".
Os redistributivistas não acreditam na fantasia de que redistribuir riqueza traz igualdade de resultados. Eles apenas querem que você acredite nisso.
Hans F. Sennholz (1922-2007) foi o primeiro aluno Ph.D de Mises nos Estados Unidos. Ele lecionou economia no Grove City College, de 1956 a 1992, tendo sido contratado assim que chegou. Após ter se aposentado, tornou-se presidente da Foundation for Economic Education, 1992-1997. Foi um scholar adjunto do Mises Institute e, em outubro de 2004, ganhou prêmio Gary G. Schlarbaum por sua defesa vitalícia da liberdade.
Tradução de Leandro Roque
Tradução de Leandro Roque
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