A Escolha pela violência epidêmica
Artigo no Alerta
Total – www.alertatotal.net
Por Luiz Flávio
Gomes
Não existe um
departamento na Organização das Nações Unidas (ONU) que distribua a violência
de forma igualitária para todas as nações do mundo. Cada país, em grande
medida, faz suas próprias escolhas históricas: socioeconômicas, educativas, formas
de controle social, tipos de policiamento, funções e treinamento desse
policiamento, a seleção dos casos e dos réus que serão enviados para os juízes,
o aproveitamento ou o aniquilamento da sua juventude, etc.
Feitas as escolhas
pelas elites dominantes (escolas ou prisões, tecnologia de ponta ou
favelização, ciência ou crenças populares, aprimoramento da mão de obra do
jovem ou o seu extermínio, etc.), sabe-se o patamar de violência
correspondente. Hoje tudo isso já é nitidamente quantificável.
Qual a relação que
existe entre desigualdade, baixa qualidade de vida, ridícula escolarização,
renda per capita insuficiente e a violência hiperepidêmica?
Considerando o
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que mede a escolaridade, expectativa de
vida e renda per capita, Gini, que mede a desigualdade de cada país, e os
homicídios, a média do 1º grupo é 1,6 mortes para cada 100 mil pessoas. Mas, no
mundo mais civilizado e distributivo existe um paraíso invejável que conta com
menos de 1 assassinato para cada 100 mil pessoas: trata-se dos países
escandinavos (Dinamarca, Suécia, Finlândia, Islândia e Noruega) ou que estão em
processo de escandinavização (Austrália, Nova Zelândia, Alemanha, Holanda,
Bélgica, Coreia do Sul, etc.).
Para comparar,
vejamos os números do Brasil: com IDH de 0,744, estamos no segundo grupo e
muito longe de alcançar o primeiro (que começa com 0,800). Pior: nosso
progresso tem sido muito lento. Nos anos 80, nosso aumento médio do IDH – o
índice estava em 0,545 em 80 - foi de apenas 1,16% por ano, ritmo que diminuiu
para 1,10% nos anos 90; entre 2000 e 2013, o acréscimo foi de 0,67% e, desde
2008, o Brasil perdeu quatro posições, enquanto a China avançou dez.
Estando no segundo
grupo (que vai de 0,700 a 0,799), não é de se estranhar que o Brasil tenha alta
violência, a ponto de amedrontar os juízes (que a cada dia se distanciam da
força do direito para se preocuparem com o direito à força).
Estamos muito além
da média de 11,3 homicídios para cada 100 mil pessoas (nossa taxa é de 29 para
100 mil, quase três vezes mais, o que justifica falarmos em violência
hiperepidêmica). Mas por que o Brasil destoa do seu grupo e conta com violência
hiperepidêmica?
Porque, desde logo,
nossa desigualdade é obscênica (0,519 no Gini). A desigualdade média do grupo
do Brasil é de 42,7 ou 0,427 (no Gini). O Brasil é quase dez pontos mais que
isso. Qualidade de vida precária aliada à desigualdade obscênica resulta em
violência hiperepidêmica.
De qualquer modo,
convém ressaltar que o fenômeno da violência não é exclusividade do Brasil.
Hoje, é praticamente mundial, porque no mundo conturbado, violento, autoritário
e conflitivo em que vivemos, de profunda anomia (crise ou desmoronamento das
normas e dos valores), em lugar do império da lei e do Estado de direito (idealizado
para a contenção da violência), vem predominando o Estado de exceção ou o
subterrâneo, que são irrigados pelo estado de polícia, que jamais deixou de
existir paralelamente ao Estado de direito, elegendo antes o
"inimigo" da vez, porque sem um inimigo não se pode por em movimento
a maquinaria da guerra (sanguinária, torturante e genocida) (veja Zaffaroni
2012/2: 16 e ss.).
A boa notícia é que
a violência não é uma lei física ou implacável da natureza (como a lei da
gravidade). Tudo que o humano faz, ele pode desfazer.
Luiz Flávio Gomes é jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Twitter: @professorlfg
link:
http://www.alertatotal.net/2014/08/a-escolha-pela-violencia-epidemica.html
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