A tirania financeira
Por Adriano Benayon
A causa fundamental
da depressão econômica - e, portanto, da miséria e dos conflitos sociais
- é a concentração, ficando a produção controlada por poucas empresas gigantes,
as quais, em geral, agem como monopólios ou carteis.
Outra causa
principal da depressão é a financeirização da economia, em parte gerada por
artes da própria finança e em parte pela concentração da economia produtiva.
Esta se manifesta não só nos centros e subcentros mundiais do capitalismo, mas
também nos países que foram levados a especializar-se na produção mineral
primária ou na agricultura para exportação de commodities.
O Brasil deixa,
assim, de produzir alimentos necessários a consumo razoável, e as terras do
País são ocupadas por enormes plantations, as
quais, tal como as minas, vão-se desnacionalizando, controladas por tradings
mundiais. Exemplos, a soja – que ocupa quase a metade das terras em
produção – e a cana-de-açúcar, para exportar açúcar e etanol combustível.
Nos centros
mundiais, a financeirização e a concentração estão na raiz do colapso dos
mercados financeiros em 2007-2008, do qual os EUA e grande parte dos países
europeus não só não se recuperaram, como estão podendo sofrer séria recaída.
Tudo isso, porque a
concentração econômica e financeira é acompanhada pela concentração do poder
político. Este fica inteiramente a serviço dos concentradores da economia e das
finanças.
Efeito claro dessa
situação foi a resposta, nos EUA e na União Europeia, ao colapso financeiro. O
Federal Reserve e o Banco Central Europeu, como os próprios Tesouros nacionais,
trataram apenas de resgatar os bancos encalacrados após a farra dos
derivativos, em vez de assumir o controle deles e usar o sistema financeiro
para recuperar a economia, investindo em atividades produtivas.
No Brasil, o Banco
Central (BACEN), juntamente com o Tesouro age com a aparente finalidade
exclusiva de propiciar fabulosos lucros aos bancos.
Para começar, o
BACEN remunera com altas taxas de juros os depósitos livres e os
compulsórios. Estes são atualmente 44% dos depósitos à vista nos
bancos, e 20% dos recursos a prazo e dos investidos em poupança.
Os primeiros são
remunerados pela taxa SELIC, cuja meta atual é 11% aa. Sobre os recursos a
prazo, a remuneração costuma ser ainda maior.
São, pois
altíssimas taxas, auferidas sem qualquer risco, recebidas também nos
depósitos voluntários que os bancos fazem no BACEN. Como assinalei no
artigo ‘O sistema pró-imperial’, os depósitos no BACEN deverão
proporcionar aos bancos ganhos próximos a R$ 50 bilhões, só neste ano.
A proporção do que
os bancos emprestam a empresas produtivas vem-se tornando cada vez menor.
As proporções que crescem são as referentes ao crédito e às aplicações
próprias destinadas a fusões, aquisições, e sobre tudo as das operações do
mercado financeiro, inclusive derivativos e outras alavancadas.
Além de lucrar com
seus depósitos no BACEN, os bancos emprestam a empresas e a particulares,
e, ao fazê-lo, criam depósitos na conta do tomador, o qual passa a sacar
dinheiro e a emitir cheques, que voltam ao mesmo banco ou a outro, como
depósitos.
E de onde vem o
dinheiro que os bancos depositam no BACEN e o que usam para fazer
empréstimos e financiamentos? - Os bancos podem usar seus fundos excedentes e,
ainda, obter mais dinheiro no mercado interbancário, a taxas muitíssimo mais
baixas que as que cobram nos empréstimos.
Mas a maior parte
do que emprestam procede principalmente do
nada, pois eles abrem créditos em montante total correspondente a um grande
múltiplo dos depósitos livres (i.e., dos que não são obrigados a depositar no
BACEN).
De fato, os
únicos limites para criar crédito são estes: a) o da prudência,
para que esse múltiplo não seja excessivo, passando, digamos, de 10, se
prevalecer muita confiança neles, ou valores menores, na medida da desconfiança
do público em relação a cada banco; b) o percentual do capital,
estabelecido pelas autoridades monetárias, a que devem corresponder os seus
empréstimos, em geral mais de 90%.
Por outro lado,
cada vez que fazem um empréstimo, os bancos geram um depósito, do nada,
(sujeito a esses limites), o que produz o efeito multiplicador da cadeia
depósitos/empréstimos. Ademais, como lembrou o economista Hélio
Silveira, o BACEN, amiúde, atende os bancos passando-lhes mais recursos, quando
eles têm tomadores atraentes, e então a exigência de depósitos compulsórios,
que serviria para limitar, não serve para nada.
É notável também que
são os próprios bancos quem se apropria da enorme quantidade de moeda criada do
nada: o dinheiro, antes inexistente, vêm para os bancos à medida que os
tomadores pagam as amortizações dos empréstimos. E com juros...
Não bastasse tudo
isso, a associação, de facto, com as
autoridades monetárias contribui para que o cartel dos bancos imponha taxas
excessivas aos mutuários. Tais autoridades proveem dinheiro para os bancos
quando as coisas estão na normalidade, e chega a resgatá-los com trilhões de
dólares, quando a situação desanda, como ocorreu na crise de 2007/2008, nos EUA
e na Europa.
Nos centros
imperiais - Londres, com o Banco da Inglaterra, há séculos, e Nova York, com o
FED, desde 1913 - são os próprios bancos concentradores que detêm as
ações dos bancos centrais.
Na União Europeia,
criada para manietar o desenvolvimento dos países europeus, o Estatuto do
Banco Central Europeu é proibido de financiar os tesouros nacionais e
dirigido por banqueiros ligados aos grandes bancos angloamericanos.
No Brasil, é
importante colocar em perspectiva a campanha recorrente dos serviçais do
império, em favor da independência do BACEN. Embora formalmente vinculado à
União, o BACEN - desde sua criação, em dezembro de 1964 –
subordina-se por inteiro aos ditames do FMI e à supremacia do dólar, não
admitindo operações de câmbio entre a moeda brasileira e outras
latino-americanas, apesar de haver acordo que as prevê: o Convênio de Créditos
Recíprocos, firmado em 1968, em Lima, no quadro da ALADI.
Em suma, a
liberdade das nações exige que seus bancos sejam públicos. Se forem privados,
seus controladores acabam por controlar também o Estado, como advertiram
antigos estadistas.
Nos EUA, muitas
cidades e Estados restringiram as atividades de bancos sediados fora dessas
cidades ou Estados, pois, do contrário, as poupanças e o dinheiro gerado por
atividades locais é usado para financiar as de centros maiores, levando ao
aumento das diferenças de desenvolvimento.
Essa foi uma das
muitas políticas de regulamentação bancária dos EUA derrubadas nos últimos
vinte anos, em função da crescente ascendência dos banqueiros “privados”
sobre os “poderes constituídos”, em consequência da concentração
econômica e da financeirização da economia.
Trata-se, portanto,
de um processo cumulativo, no qual a cada vez maior concentração do poder
financeiro gera cada vez maior concentração do poder político real nas mãos dos
oligarcas da tirania financeira. Isso, de novo, acarreta maiores concentração
e financeirização da economia, e assim sucessivamente.
Adriano Benayon é doutor em economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.
link:
http://www.alertatotal.net/2014/08/a-tirania-financeira.html
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