segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Da direita que precisa assumir a responsabilidade – I – O direitismo desculpista


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Nesta série de textos quero abordar o fenômeno do direitismo desculpista. Entendo que este fenômeno, mais do que as ações da esquerda, constituem a grande ameaça para a direita em qualquer parte do mundo. No Brasil e na América Latina, este fenômeno é especialmente mais danoso.
Já me antecipo dizendo que a direita desculpista e a direita responsabilista são tão oponentes entre elas quanto a direita como um todo é oponente da esquerda. A diferença é que a oposição da direita desculpista em relação à direita responsabilista se relaciona aos métodos.
Tecnicamente, em termos de propostas econômicas e éticas, um responsabilista e um desculpista acreditam mais ou menos nas mesmas coisas, mas em relação à postura diante dos eventos da guerra política, tomam direções diametralmente opostas.
Também é importante ressaltar que dificilmente alguém é 100% desculpista ou 100% responsabilista. Entendo que esses dois direitismos existem dentro de cada um de nós. Quem lê os textos desse blog, sabe que eu estou para um direitismo quase 100% responsabilista. Muitas vezes, leitores com mais tendência ao desculpismo entram em confronto comigo. Por sorte, no tratamento com a direita, este blog preza a dialética, ao invés do quebra-pau.
Antes, vamos rever a definição de direitismo desculpista já usada na introdução desta série:
Um comportamento presente em parte das pessoas da direita baseado na elaboração de propostas sempre fora de seu escopo de responsabilidade ou mesmo intangíveis sob qualquer aspecto, além da transferência consciente ou inconsciente de responsabilidade sua para fatores externos.
Embora isso possa indignar alguns, precisamos entender este nosso componente, pois ele pode aparecer de forma indevida vez por outra. Em algumas pessoas da direita, este comportamento se tornou tão pervasivo que em grande parte do tempo suas ações tem mais servido para ajudar à esquerda do que a direita.
Os comportamentos principais
Ok, mas como identificamos estes comportamentos desculpistas e suas manifestações? Aqui seguem alguns padrões:
  • Negação das regras do jogo
  • Ampliação indevida do poder do oponente
  • Solicitação por algo irrealizável
  • Transferência de responsabilidade
  • Veremos como esses comportamentos se manifestam em discursos.
No caso da negação das regras do jogo vemos os pedidos por intervenção militar ou mesmo pelo fim da democracia. Aqui, basicamente alguém diz que a “democracia não funcionou” ou que “a esquerda é indestrutível”, o que também é uma forma de se ampliar indevidamente o poder do oponente. Como Saul Alisnky já nos esclareceu, “poder não é o que você tem, mas o que o seu inimigo pensa que você tem”.
Quando se pede uma intervenção militar, alguém também transfere a responsabilidade para uma entidade externa, no caso o Exército, como forma de se livrar de sua responsabilidade pelo estado atual e futuro das coisas. Quem pede a intervenção militar geralmente se sente desobrigado (ao menos psicologicamente) a lutar na guerra cultural.
Muitas vezes vemos pessoas pedindo a volta da monarquia, o que, obviamente, não vai ocorrer. Mas esse é o pedido por algo irrealizável, que desobriga alguém, em termos psicológicos, de fazer alguma coisa no presente.
Ainda em relação à ampliação indevida do poder do oponente, vemos as vezes discursos dos desculpistas gastando horas e mais horas falando do “poder terrível” e “dos nós impossíveis de desatar” do oponente.
Imagine que você chegue para alguém e esteja convencendo-o a votar em um candidato mais à direita (e menos à esquerda) para as eleições presidenciais, e este lhe retorne com: “Desista meu amigo, as urnas já estarão fraudadas”. Esta é uma ampliação do poder do oponente, completamente imaginária, como forma de “travar” uma ação”. (Que as urnas são passíveis de fraude, isso é bem possível, o que não significa que estejam fraudadas pelo oponente de forma deliberada)
Basicamente, o desculpismo encontra formas cada vez mais criativas de usar desculpas para desanimar a tropa. Um ou mais desses padrões de comportamento estarão presentes nestas desculpas.
Motivos
Na avaliação dos motivos para o desculpismo, podemos relacionar alguns deles. Estes motivos nos ajudam a explicar o fenômeno. Elenquei alguns, mas a lista não é definitiva:
  • a desculpa é um padrão humano
  • distancia entre o ideal e o atual
  • escatologia
  • agencialidade
O ser humano, ao contrário de muitos outros animais, é pródigo ao arranjar desculpas para não fazer algo. Os demais animais, que possuem muito menos opções, não param para dar uma explicação ao colega do lado, dizendo algo como: “Ei, este leão parece muito veloz. Vamos desistir e ficar por aqui mesmo?”. Ao contrário, eles lutarão até o fim de suas forças para sobreviver.
Se o objetivo dos demais animais é sobreviver, o nosso é sobreviver da maneira que melhor nos atenda na medida do possível. Pela complexidade das sociedades que construímos, não nos defrontamos em situações de vida ou morte com tanta constância como ocorre com os animais selvagens. Tanto que quando somos submetidos à violência urbana, muitos de nós entram em pânico.
Enfim, não somos treinados para “ir lá e fazer”, pois nossa sociedade domesticadora nos permitiu viver assim. O animal humano termina sendo muito mais propício a arrumar desculpas para a inação do que os demais animais, exatamente por que acostumou-se muito mais a não viver em situações limite.
Outro motivo é a distância entre o ideal e o atual. Imagine, por exemplo, que uma garota esteja com 58 quilos e planeje uma dieta para chegar aos 55 quilos antes do verão. É um desafio fácil. Agora imagine uma outra mulher com 180 quilos, planejando chegar aos 70 quilos no ano que vem. É muito mais difícil. É claro que esta última sentirá o “peso” da distância existente entre sua meta e o estado atual. A tendência a arrumar descupas aumenta.
A direita tem jogado futebol com regras do basquete, e tomado goleadas inacreditáveis ao longo dos anos. Enquanto a esquerda sabe as regras do jogo político e joga sob elas, muitos da direita estão descobrindo apenas agora que são parte de um jogo. No momento em que o direitista nota sua enorme distância do esquerdista em termos de estratégia e táticas, pode haver um risco de desistência. (Mas como eu defendo, essa percepção é injusta, pois mesmo que a distância seja enorme, não é nada que não se resolva em 2 ou 3 anos com muito estudo. Este blog está aqui para ajudar nisso.)
Na perspectiva dos religiosos, temos o terceiro motivo: a escatologia. Muitas pessoas acreditam que a salvação (no paraíso) só virá após a catástrofe em terra. Dia desses debati com um direitista tão incisivo em sua defesa de que “o socialismo é inevitável, conforme-se, hahaha” que fui desafiando-o, até descobrir sua solução para o problema: “salvar as almas, pois todos estarão salvos após o apocalipse, e o socialismo trará o caos de valores previsto no apocalipse”. Ou seja, mesmo sem “gostar” do socialismo, o sujeito torcia para ele ocorrer, promovendo-o como “inevitável”.
O último motivo é a agencialidade, um fenômeno abordado muito bem por Michael Shermer. Já escrevi algo sobre isto:
Agora, o hominídeo tem que interpretar o som, que pode representar um predador perigoso ou o vento. O vento é uma força inanimada, enquanto o predador é um agente intencional. Existe uma enorme diferença entre os dois. Um agente intencional representa um perigo muito maior, pois este agente tem uma intenção determinada. É totalmente diferente de uma força inanimada. Imagine que você está no sopé de uma montanha, e vê uma rocha caindo em sua direção. Agora, imagine que esta rocha possui uma intenção clara, de lhe matar. Neste caso, você precisa de muito mais agilidade e perspicácia para escapar da morte. Este processo, a tendência de aceitar padrões com significado e intenção é aquilo que Shermer define como agencialidade.
Ou seja, a mente agencialista sempre encontrará uma organização “secreta” por trás das cortinas, organizando todas as ações, e sempre levando à inexorabilidade do socialismo. Assim, quando apoiamos um candidato mais à direita, o desculpista, movido pelo agencialismo, dirá: “Não adianta, desista, pois tudo já está combinado com um chefão do Foro de São Paulo, que manda no Lula e nos demais”. Não é preciso dizer que para estas costuras não há evidências suficientes.
Recentemente um amigo me disse sobre a “estratégia das tesouras”, no que eu respondi: “Você tem uma fonte explicando a estratégia das tesouras, que seria uma proposta de Lênin, certo? Eu tenho vários livros de Lênin e nunca li isso. Pode me ajudar?”. A resposta não aparece, mas com certeza ele vai citar mais vezes a “estratégia das tesouras” como argumento para desistirmos de lutar contra a esquerda.
Em suma, esses quatro motivos principais (e não são os únicos) mostram facetas da mente humana, que se manifestam em muitas pessoas. Os desculpistas não são pessoas desonestas, mas vítimas do fato de serem humanos e não terem lutado contra essas facetas, ao passo que os esquerdistas conseguem controlar isso com extrema facilidade.
Um desafio para os formadores de opinião da direita
Ao entendermos o que é o desculpismo, seus padrões de comportamento e os motivos para que eles ajam assim, é preciso estabelecer um novo desafio para qualquer formador de opinião da direita com foco em resultados, ou seja, nossos intelectuais orgânicos (na linguagem gramsciana).
Esse desafio é similar ao dos líderes de qualquer ação corporativa com foco em resultados: juntar os responsabilistas e superar os desculpistas, o que não significa nos colocarmos contra esses últimos. Podemos, aliás, até trazer vários deles para o nosso lado. Mesmo assim, muito desculpistas jamais mudarão, pois o investimento emocional feito em um conjunto de crença para justificar a inação foi muito grande.
Os desculpistas não são nossos inimigos, mas nossos aliados em termos de objetivos, e adversários em termos de métodos. Muitas vezes eles acabam fazendo propaganda para o adversário, tendo corresponsabilidade em grande parte do sucesso da esquerda hoje em dia. Isso, ao invés de demovê-los do desculpismo, em muitos casos os fará abraçar cada vez mais os padrões de comportamento desculpistas.
Que os desculpistas não se ofendam, pois estamos juntos nessa. Somos radicalmente opositores, é claro, na forma como vemos a ação política. Ignorar este aspecto da dialética interna da direita seria uma irresponsabilidade no momento em que a direita descobre a necessidade de uma ação política.
No próximo texto dessa série, falarei da antítese do desculpismo, o responsabilismo, o perfil direitista defendido por este blog. Depois dessa segunda parte, falarei de como um líder responsabilista pode lidar melhor (em aliança por objetivos, em oposição a métodos) com os desculpistas.




http://lucianoayan.com/2014/08/24/da-direita-que-precisa-assumir-a-responsabilidade-i-o-direitismo-desculpista/



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