segunda-feira, 18 de março de 2013


Lembrai-vos dos Pracinhas


Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Luiz Eduardo da Rocha Paiva

Fevereiro, março e abril marcam as grandes vitórias da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália em 1945. O envolvimento na 2ª Guerra Mundial mostrou que o Brasil precisava se tornar uma potência para garantir a própria segurança e que eram necessários planejamentos estratégicos de governo, então inexistentes, para vencer obstáculos e alcançar tal status. As Forças Armadas (FA) foram vetores desse projeto (inacabado), por participarem da guerra, desde o Atlântico aos céus e montanhas italianas, e criarem a Escola Superior de Guerra, pioneiro centro de estudos estratégicos e planejamento governamental no Brasil. 

As potências tinham pelo Brasil - rico, mas subdesenvolvido, periférico e mestiço - um misto de desprezo, benevolência, interesses e preconceito racial similar ao arianismo alemão. Esses sentimentos se estendiam às FA e, assim, a FEB teve de vencer grandes desafios desde a sua formação no Brasil até se tornar um eficaz instrumento de combate.

Os EUA demoraram a entregar os meios para a força brasileira, pois eram necessários a seu Exército e aos de outros aliados já em operações e preparando a invasão da França, bem como pela dúvida se a FEB iria mesmo à guerra. O equipamento e o armamento só foram recebidos na Itália e a FEB entrou em operações com preparação incompleta, substituindo um Corpo de Exército dos EUA e o Corpo Expedicionário Francês transferidos para a França, ambos em combate havia mais de um ano. Lutou num teatro de operações (TO) montanhoso e favorável à defesa, mesmo com forças reduzidas, máxime sendo tropas aguerridas, bem equipadas e experientes do Exército Alemão, reconhecido como o mais profissional do mundo. 

Foi empregada contra a poderosa Linha Gótica em Monte Castelo, no início do inverno e após a derrota, em toda a frente, da ofensiva anglo-americana para romper aquela linha e alcançar o vale do rio Pó. Portanto, as condições desaconselhavam operações de vulto. A tropa americana encarregada de proteger o nosso flanco fora desalojada pelo alemão e a força atacante era inferior à exigida pelo objetivo imposto, como ponderou o comandante da FEB. Atacar, recuar combatendo em ordem e permanecer no front sem ser substituída já foi um mérito.

Apontar falhas do escalão subordinado, particularmente força estrangeira de país periférico, foi menos comprometedor para o comando americano do que assumir a responsabilidade pelo erro de avaliação da capacidade do inimigo, do valor defensivo do terreno e do poder de combate necessário para derrotá-lo. Os Exércitos Inglês e Americano, também valorosos, sofreram reveses ao empregarem forças com preparação incompleta em Dunquerque (França), na África, Filipinas e Sudeste da Ásia entre 1940 e 1943. O General Eisenhower assim comentou os insucessos americanos na Tunísia em 1943: “foi a inexperiência, particularmente dos comandantes. As divisões americanas --- não foram beneficiadas com os programas de treinamento intensivo --- permaneceram separadas de seu armamento e de grande parte de seu equipamento durante um longo período --- Os comandantes e as tropas evidenciaram os efeitos dessa anomalia --- embora não lhes faltasse a coragem e o caráter sua eficiência inicial não se compara com a demonstrada --- depois de um ano de treinamento”. O mesmo se diga da FEB na Itália.

As missões da FEB, enquadrada pelo IV Corpo de Exército dos EUA (IV CEx) que tinha uma divisão blindada, foram cumpridas conforme as possibilidades de uma tropa a pé, conquistando objetivos importantes para o IV CEx contra um inimigo material e moralmente apto a defender o terreno. Os quatro reveses em Monte Castelo, os dois primeiros sob comando e em conjunto com forças americanas, foram frutos de precipitação e má avaliação do IV CEx e, reconheça-se, de nossas carências de preparação, superadas em dezembro de 1944 e janeiro de 1945, nos confrontos entre pequenas frações no front e não em campos de instrução à retaguarda. A conquista do Monte Castelo alentou a confiança do comando americano, consolidada com as vitórias de Castelnuovo, Montese e Fornovo, onde derrotou a 148ª Divisão Alemã, primeira força de tal magnitude a se render na Itália.

A experiência da FEB é uma história de combates de pequenas frações, subunidades e unidades, como é a tônica em TO montanhosos. Sargentos, tenentes, capitães e comandantes de unidades, amadureceram em combate para vencer o maior desafio do soldado - a hora da verdade - enfrentar o fogo inimigo com equilíbrio emocional, competência e coragem. 

No Brasil, alguns trabalhos analisam a FEB sem a devida contextualização, como se ela pudesse ser decisiva na guerra e o inimigo fosse irrelevante. Ora, o seu papel foi tático, não estratégico. Era apenas uma das divisões (na Europa eram 69 só dos EUA) de um dos corpos de exército, de um dos dois exércitos aliados, num TO secundário.
No Brasil, poucos estudam tática, combate e história militar para opinar com embasamento e muitos, por servidão intelectual, não questionam opiniões emanadas das metrópoles culturais. Existe, ainda, o revisionismo histórico ideológico, ação da estratégia gramcista de padronização mental para minar o patriotismo.
Hoje, o preparo de uma força de paz de mil militares para o Haiti, onde a ameaça é de gangues armadas só de fuzil, leva seis meses. O Brasil de 1943 mobilizou 25 mil combatentes, em um ano, para enfrentar nada menos do que a Wehrmacht.

A FEB foi a afirmação da dignidade nacional diante das afrontas nazifascistas afundando navios e matando dois mil brasileiros. Nossos irmãos e irmãs Pracinhas honraram a Pátria com o risco ou o sacrifício da própria vida. Muitos não voltaram para viver as alegrias e conquistas de uma vida plena, trabalhando, constituindo família e criando filhos. Os que voltaram foram esquecidos. Infelizmente é assim: “se servistes à Pátria que vos foi ingrata, vós fizestes o que devíeis, ela o que costuma”.(Padre Antônio Vieira).

Luiz Eduardo Rocha Paiva, General da Reserva, é filho de um veterano da FEB.

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