quinta-feira, 30 de abril de 2015

Os fracassos de Che Guevara - Marcelo Gioffré

Publicado em La Nación.
Por Marcelo Gioffré, 30/07/2005.

Imagem de Ernesto “Che” Guevara capturado pelo exército boliviano em 8 de outubro de 1967.

Tradução nossa.

Os fracassos de Che Guevara

Um legislador da cidade de Buenos Aires propôs mudar o nome da Avenida Cantilo para “Che Guevara”, o que nos leva à reflexão sobre os méritos eventuais da personagem cujo nome está sendo proposto.

Filho de uma família aristocrática argentina, Guevara abandonou suas origens e seu país. Recebeu o título de médico [*isso é discutível, sempre fez parte da mitologia de Guevara que ele era médico, no entanto isso nunca foi inteiramente fundamentado.] e também abandonou o exercício dessa profissão. Como estudante, tentou fabricar “Gamexane” [um inseticida] com pó de talco, sob o nome da marca Vendaval, mas se deu mal na empreitada. Em 1952, abandonou seu amigo Alberto Granado em um leprosário na Venezuela, com a promessa de que retornaria, coisa que nunca fez.

Em 1954, na Guatemala, fracassou em uma tentativa vã de defender Jacobo Arbenz de um golpe de Estado. Como administrador provisório de Sancti Spiritus, proibiu o consumo de bebidas alcoólicas e a loteria, regra que teve de revogar no dia seguinte. Fracassou em seu casamento com Hilda Gadea. Era tão vaidoso que cometeu o erro de publicar seu livro, “Guerra de Guerrilhas”, o qual foi muito útil para o Pentágono, por ter revelado os segredos da subversão armada. Fracassou ao subestimar o embargo. Não obteve qualquer sucesso em sua missão diplomática na Conferência de Punta del Este, em 1961, onde deveria ter chegado a um acordo com os Estados Unidos.

Fracassou em seu plano de industrialização acelerada, e com ele provocou a débâcle na safra de açúcar. Perdeu a controvérsia com os economistas russos sobre os estímulos apropriados (que ele acreditava serem “morais” – o “homem novo” –, e os técnicos soviéticos, materiais). Fracassou em sua avaliação da China e não conseguiu convencer Mao Tsé-Tung, em 1965, de travar outra guerra de guerrilhas na América Latina. Contribuiu para a criação de um monstro em Cuba, e, então, teve de renunciar e partir.

Fracassou como filho (pelo menos na famosa dicotomia moral que Jean-Paul Sartre levanta em “O Existencialismo é um humanismo”), desde que não pôde estar ao lado de sua mãe quando ela feleceu de câncer e, em uma última carta, que chegaria tarde, ele escreveu: “Eu a amava muito; só que eu não soube expressar meu carinho”. Cometeu o erro de confiar a Fidel Castro uma carta que era para ser lida depois de sua morte, e que Castro leu prematuramente, traindo-o.

Foi lutar no Congo e, após o pitoresco saboreio de uma sopa de borboletas, teve de abandonar a missão. Armou um improvável movimento guerrilheiro na Bolívia e também fracassou. Não foi capaz de mobilizar nem o comunista Monje [1], nem os camponeses para essa guerra de guerrilhas. Foi pai de cinco filhos e, deliberadamente, deixou-os jogados à sua própria sorte para empreender viagens malucas rumo a utopias mal calculadas. Toda a sua vida poderia ser vista como um belo impecável fracasso, que terminou, postumamente, com toda uma geração dizimada em seu nome.

Qual é o seu verdadeiro mérito, pondo de lado o fato de que ele é objeto de fetiche dos rebeldes setentistas, estampado em infinitas camisetas fabricadas segundo os cânones capitalistas?

É verdade que ele ascendeu à difícil categoria de mito, mas para esse resultado contribuíram circunstâncias aleatórias que nada têm a ver com as suas virtudes. O triunfo militar em Cuba deveu-se muito mais à prudência de Castro do que ao heroísmo irresponsável do Che. A morte e o desaparecimento de seu corpo ajudaram a forjar a lenda. A necessidade do regime cubano de ter heróis, também. A pureza do seu fundamentalismo, a qual compartilha com Hitler, também. Mas nenhum desses aspectos são méritos genuínos. Seu antiperonismo tampouco pode ser visto como uma vertente de seu pensamento, mas sim a típica crítica intelectual de esquerda a um partido reformista.

Há mais: há dois anos, almoçando em um bar da Rua Salgueiro com a Humberto Vázquez Viaña, um boliviano que participou do movimento guerrilheiro que Guevara menciona em seus diários, fui testemunha de uma confissão estremecedora. Este homem conjeturava que a verdadeira razão pela qual Che Guevara havia lutado não era ideológica nem idealística, mas terapêutica. Como se sabe, Guevara sofria de asma e nunca experimentou um ataque no meio de uma batalha – talvez devido à produção adicional de adrenalina –, de modo que a razão oculta que explicaria suas campanhas, seu incontrolável desejo de continuar lutando e apartar-se de suas tarefas de escritório, não teria sido outra senão a de evitar aqueles espasmos brônquicos. Francamente, é uma razão espúria, cuja eventual confirmação deixaria calados tantos militantes que ostentam sua foto com a boina.

Notas

* Os comentários entre colchetes são da tradução em inglês de Henry Louis Gomez, mantidos por nós.

[1] Trata-se de Mario Monje Molina, secretário-geral do Partido Comunista da Bolívia. (N. do T.).


Sobre o autor



Marcelo Gioffré é escritor, jornalista e advogado argentino. Seu último livro é a novela Mancha venenosa.

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