segunda-feira, 25 de agosto de 2014

25/08/2014
 às 15:44 \ Cultura

A falsa compaixão dos que “não julgam” ninguém

“Quando alguém se comportou como um animal, ele diz: ‘Ora, eu sou só um ser humano!’ Mas quando é tratado como animal, ele diz: ‘Ora, eu também sou um ser humano!’” (Karl Kraus)
Ler Theodore Dalrymple é sempre um deleite, especialmente em tempos estranhos de profundo relativismo moral e cultural. O livro dessa vez é Not With a Bang but a Whimper, que custa apenas $ 4 na Amazon. Recomendo a leitura. Trata-se de um duro ataque à postura moderna de “não julgar” nada, vista como a única correta.
O interessante em Dalrymple é que ele foi um médico psiquiatra que trabalhou por muitos anos em prisões britânicas, tendo conhecido bem de perto os efeitos nefastos das ideias modernas paridas pela elite no conforto de suas bolhas. A realidade nessas comunidades pobres é bem diferente, e as bandeiras “progressistas” contribuíram para criar um verdadeiro caos social nesses locais.
Segundo Dalrymple, os apologistas da postura não-julgadora apelam, acima de tudo, para sua suposta qualidade de compaixão. Um homem que julga o comportamento dos outros terá, às vezes, de condená-lo, e até mesmo de negar-lhe auxílio e assistência, enquanto que o homem que se recusa a julgar não exclui ninguém de sua compaixão abrangente.
Ele nunca pergunta de onde o sofrimento do companheiro vem, se foi auto-infligido ou não: independentemente de sua origem, ele simpatiza com ele e o socorre. Ao menos em teoria. O problema com tal postura, diz Dalrymple, é que ela exime o sujeito de responsabilidade, e ao não separar o joio do trigo, acaba enaltecendo a barbárie e condenando a civilização.
O autor viu gente o suficiente se vitimizando nas prisões para saber como faz falta alguém em suas vidas que faça perguntas incômodas, aponte o dedo ou coloque um espelho diante delas. Ou seja, alguém que tente implicar o próprio sujeito em seus sofrimentos, quando for o caso. Dalrymple acha que um médico que se recusa a agir assim presta enorme desserviço aos próprios doentes.
Um caso típico são as mulheres agredidas por seus maridos ou namorados, algo muito comum nessas comunidades. Por várias vezes Dalrymple viu tais moças adotarem uma postura de pura vítima, ainda que retornassem para a casa ao lado do agressor. As desculpas e pretextos eram sempre parecidos: “ele não consegue se controlar”, “eu o amo mesmo assim”, “ele vai se matar se eu o abandonar”, etc. Poucos tinham a coragem de forçá-las a uma reflexão de quanto elas mesmas contribuíam para aquela situação, ao se recusar a abandonar o agressor.
“A experiência tem me ensinado”, diz o médico, “que é errado e cruel suspender o julgamento, que não julgar é, na melhor das hipóteses, indiferença para com o sofrimento dos outros e, na pior, uma forma disfarçada de sadismo”. Como respeitar as pessoas como membros da raça humana sem lhes cobrar um código de conduta honesto e a capacidade de assumir a responsabilidade pelos próprios atos?
Para piorar, Dalrymple lembra que a postura de não julgar não é verdadeiramente isenta. É, como diz o tango argentino, assumir que ‘todo es igual, nada es mejor’ . Para o autor, essa é uma das doutrinas mais bárbaras que podem ser paridas pela mente humana, ao equiparar o que há de pior àquilo decente e louvável. Quem, além daqueles que realmente flertam com o que há de pior no mundo, poderiam abraçar tal filosofia de vida?
Rodrigo Constantino


link:


http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/cultura/a-falsa-compaixao-dos-que-nao-julgam-ninguem/

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