domingo, 31 de março de 2013

O que está por trás das ameaças da Coreia do Norte?

Atualizado em  29 de março, 2013 - 21:39 (Brasília) 00:39 GMT
Kim Jong-un
Escalada de tensão pode ser interpretada como reafirmação do poder do regime de Kim Jong-un
Mais de 40 mil soldados americanos e sul-coreanos estão conduzindo manobras militares na Península Coreana, como parte do exercício Foal Eagle.
Aviões de combate, bombardeiros e submarinos dos EUA se dirigiram à região, em um esforço para "melhorar a segurança e a preparação" da Coreia do Sul.
Esses exercícios são considerados uma maneira visível pela qual Washington reafirma sua aliança com Seul.
A Coreia do Norte supostamente interpreta o propósito desses exercícios de maneira diferente, ao afirmar que poderiam servir para encobrir a preparação de um ataque surpresa.
Em resposta, Pyongyang recorreu à sua ferramenta mais familiar: inflamadas ameaças de escalada do conflito.

Palavras de guerra

A cobertura internacional das tensões com a Coreia do Norte cria a impressão de que suas ameaças recentes em resposta aos exercícios militares surgiram do nada.
Na verdade, há décadas Pyongyang tem se oposto ruidosamente às manobras conjuntas.
A diferença dessas ameaças mais recentes é sua intensidade e especificidade.
Durante o mês passado, Pyongyang prometeu rasgar o armistício de 1953 entre as duas Coreias e fechar a linha direta na região da fronteira.
Logo depois, anunciou que havia aumentado o nível de preparação para o combate de suas forças de artilharia, com as bases americanas em Guam e no Havaí na mira.
Ainda mais audacioso foi o anúncio de Pyongyang de que se reserva o direito de uma guerra nuclear preventiva contra Washington e Seul.
Apesar de Pyongyang ter cumprido a ameaça de cortar a comunicação em Panmunjom, há poucas razões para suspeitar que fará o mesmo em relação a suas outras promessas, pelo menos no curto prazo.
Um razão é que o principal público para as palavras duras de Kim Jong-un é doméstico.
O jovem líder foi promovido rapidamente nas fileiras do Exército Popular da Coreia por seu falecido pai, apesar de ter feito pouco para merecer essas qualificações.
Enfrentar os inimigos da Coreia do Norte ajudará Kim Jong-un a consolidar seu poder militar e político.
Uma segunda causa para a calma temporária são as deficiências tecnológicas da Coreia do Norte nos campos nuclear e de mísseis.
Em sua maioria, os analistas concordam que é pouco provável que Pyongyang tenha dominado com êxito a tecnologia necessária para colocar uma ogiva nuclear em um míssil balístico e lançá-lo contra Washington.
No entanto, seus recentes testes nucleares e lançamento de míssil demonstram que a Coreia do Norte está ansiosa para avançar em sua capacidade nesse campo.

Medo de exercícios militares

Enquanto podemos repudiar as ameaças de Pyongyang como bravatas destinadas principalmente ao público doméstico, é possível que as inseguranças subjacentes da Coreia do Norte sejam sinceras.
O temor de que exercícios militares possam ser usados para encobrir a preparação de um ataque surpresa contra a Coreia do Norte parece incompreensível de um ponto de vista ocidental.
"Jogos de Guerra" são apenas isso, e seu valor em tranquilizar uma nervosa Coreia do Sul é uma importante vantagem política agregada.
Manobras navais dos EUA e da Coreia do Sul na península coreana
A Coreia do Norte se opõe fortemente às manobras conjuntas entre EUA e Coreia do Sul
Mas a Coreia do Norte, que pensa em termos militares primeiro e dá prioridade à auto-suficiência em seus assuntos, poderia receber com ceticismo a ideia de que os exercícios conjuntos sejam apenas sobre preparação para responder a um ataque ou uma demonstração benigna do compromisso da aliança entre Coreia do Sul e EUA.
O que possivelmente consolida a interpretação divergente da Coreia do Norte é o fato de que em 1950, Pyongyang usou exercícios com o mesmo propósito maligno que agora vê no Foal Eagle.
Em junho de 1950, Pyongyang colocou em marcha um plano que encobria movimentação militar em grande escala em direção ao paralelo 38 sob o disfarce de exercícios de treinamento.
Em meio a esses jogos de guerra, várias divisões participantes se dirigiram para o sul, em direção a Seul, desencadeando a Guerra da Coreia.
Governos americanos anteriores reconheceram tacitamente que a lacuna no entendimento entre Washington e Pyongyang sobre o propósito das manobras militares é ampla.

O risco de um erro de cálculo

O ex-presidente americano Bill Clinton cancelou repetidas vezes os exercícios anuais Team Spirit para aplacar as preocupações de Pyongyang e incentivar negociações sobre seu programa nuclear.
Atualmente, o risco não é de uma guerra em grande escala ou de um ataque nuclear, mas de um erro de cálculo.
A Coreia do Norte continua buscando novas formas de emitir ameaças, em parte em uma tentativa do regime de consolidar seu poder e em parte esperando que os EUA cancelem seus exercícios, como fez Clinton.
Entretanto, o Ocidente mantém os exercícios e voos de B-52 sobre a península coreana.
Esse padrão preocupante ocorre na ausência de um compromisso regular entre os EUA e a Coreia do Norte. Caso persista, o risco de um erro de cálculo de quaquer uma das partes vai aumentar.
A Coreia do Norte poderia interpretar mal uma ação futura dos EUA e determinar que existe uma ameaça iminente e existencial ao regime – e decidir agir preventivamente em relação a isso.
Ou Pyongyang pode sentir que sua retórica não funciona mais e pode decidir que uma ação mais agressiva é necessária para fazer jus a suas palavras.
Um teste sobre a sinceridade dos temores norte-coreanos em relação às manobras militares será medir a retórica do regime quando os exercícios forem concluídos, em abril.
As saídas para a atual situação são limitadas. É pouco provável que conversações entre Washington e Pyongyang convençam a Coreia do Norte a renunciar a seu programa nuclear.
Mas o diálogo sobre a segurança na península coreana, incluindo a questão dos exercícios militares, poderia ajudar a evitar mais mal-entendidos e erros de cálculo. Poderia garantir que a Coreia do Norte ouça não apenas as fortes mensagens de segurança da aliança adaptadas para Seul.
Os EUA deveriam também ser cautelosos com qualquer esforço subsequente para reassegurar o compromisso com seus aliados, a fim de não exacerbar as potenciais inseguranças da Coreia do Norte.
Medidas como manter na região ativos militares com capacidade nuclear poderiam prolongar incessantemente o risco de erro de cálculo quando terminarem os exercícios Foal Eagle.

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